Terceirização avança no Supremo para “modernizar” a Administração Pública

Depois de quase dois meses, o Supremo Tribunal Federal chegou a uma decisão definitiva sobre a responsabilidade do Estado acerca das dívidas trabalhistas deixadas por empresas contratadas via lei de licitações.

A discussão do tema, iniciada em fevereiro deste ano, ocorreu durante o julgamento do recurso extraordinário 760.931. Nele, a União defende a constitucionalidade do trecho da Lei de Licitações que libera a Administração Pública da obrigação de arcar por eventuais débitos trabalhistas de empresa contratada.

A ministra Rosa Weber, relatora do recurso, posicionou-se a favor da responsabilização do Poder Público. Em seu voto, ela defendeu que o Estado só não deveria arcar com eventuais débitos trabalhistas se, uma vez acionado na Justiça, fosse capaz de comprovar o cumprimento de seu dever de fiscalizar a empresa contratada e seus empregados.

Segundo seu entendimento, a obrigação de apresentar essa prova recairia sobre poder público e não ao empregado, parte mais frágil no processo. Ou seja, a regra seria a responsabilidade subsidiária do Estado, que só poderia ser afastada excepcionalmente.

O ministro Luiz Fux, por sua vez, discordou da relatora, defendendo que o Estado não deveria responder por encargos trabalhistas das empresas contratadas automaticamente no caso de inadimplemento. Em sua posição, defendeu que o poder público só seria responsável subsidiariamente se o empregado conseguisse demonstrar que houve omissão deste em fiscalizar o contrato. Aqui, a exceção seria a responsabilidade subsidiária do poder público, incidente apenas em caso de inequívoca comprovação de falha na fiscalização do contrato.

Para justificar seu voto, o ministro lembrou que o STF já havia se posicionado sobre o tema em 2010, quando analisou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16. Na ocasião, a maioria dos ministros do Tribunal entendeu que a Administração Pública não poderia arcar automaticamente com os débitos trabalhistas de terceirizados. Isso porque, no procedimento de licitação de serviços públicos, o Estado já seleciona empresas que estejam em dia com sua saúde financeira e que, para executar o serviço contratado, recebem recursos públicos. Em outras palavras, o poder público já fez sua parte, não podendo ser responsabilizado por omissão de terceiro.

Além disso, Fux justificou seu voto no receio de que a responsabilização da Administração Pública, obrigada a pagar pela omissão de terceiro, resulte em prejuízo financeiro à União, aos estados e aos municípios, que atualmente já enfrentam crise fiscal sem precedentes.

Por fim, defendeu que a vontade do Congresso Nacional deveria prevalecer. Se a Lei de Licitações não atribuiu à Administração Pública a responsabilidade subsidiária por débitos das empresas contratadas, não caberia ao STF fazê-lo. Caso contrário, a decisão do Tribunal estimularia empresas a não pagarem seus empregados, pois, no final das contas, opoder público arcaria com os valores devidos.

Uma metade dos ministros do Supremo acompanhou o voto da ministra Rosa Weber, enquanto outra metade acompanhou o ministro Luiz Fux. O desempate, então, ficou por conta do ministro Alexandre de Moraes, indicado por Michel Temer para substituir o finado ministro Teori Zavascki.

Nesta semana, durante a retomada do julgamento, Moraes se posicionou junto com o ministro Luiz Fux, contra a atribuição de responsabilidade subsidiária à Administração Pública por débitos trabalhistas de terceirizados.

A manifestação do ministro indicado por Michel Temer não causou espanto tanto pelo posicionamento jurídico defendido em si, quanto pela justificativa para adotá-lo. Nas palavras do ministro, seu voto se baseava na necessidade de “modernizar” a Administração Pública, algo que não tinha sido alegado até então por nenhum dos outros dez integrantes do Tribunal.

Nesses termos, o voto do ministro Alexandre de Moraes soava tão político quanto os discursos feitos pelos deputados federais, que, na semana passada, aprovaram em plenário projeto de lei que autoriza amplamente a terceirização (Projeto de Lei 4302/1998).

Para os trabalhadores, o cerco jurídico parece estar montado.

De um lado, o Supremo Tribunal Federal deu respaldo à terceirização sem que a Administração tenha que arcar com eventuais débitos trabalhistas, só respondendo quando o empregado conseguir cumprir a desafiadora tarefa de demonstrar a omissão do Poder Público na fiscalização do contrato de trabalho.

De outro, a Câmara dos Deputados ampliou os casos em que a terceirização é permitida, autorizando o uso desse tipo de contratação até mesmo para atividades-fim de entes privados e públicos (artigo 9, § 3o, do PL).

Apesar desse cenário, o tensionamento jurídico e político pela flexibilização das relações e dos direitos trabalhistas pode sofrer um revés. Na segunda-feira desta semana, congressistas acionaram o Supremo para contestar a regularidade do PL da Terceirização.

Na ação, eles apontaram para o fato de que o ex-presidente Lula, em 2003, já havia desistido do projeto, patrocinado em 1998 pelo então presidente FHC. Para os autores da ação, ao aprovar o PL, que estava adormecido por 15 anos, o Congresso Nacional estaria atropelando e desrespeitando regras que regulamentam o processo legislativo. Sem o aval de quem propôs, o Projeto deveria ter sido arquivado imediatamente. Aos congressistas, caso queiram, caberia retomar e analisar outros projetos de lei em tramitação sobre o tema.

O mandado de segurança foi distribuído ao ministro Celso de Mello, que solicitou informações do Legislativo antes de tomar uma decisão liminar sobre a suspensão ou não do Projeto de Lei. Apesar de ter votado contra os interesses da União no recurso extraordinário 760.931, o decano do Tribunal não deve avaliar o mérito do PL, mas somente sua tramitação, isto é, se foram obedecidas as regras do jogo, ou não.

Diante da peculiaridade do caso, não é improvável que o ministro reconheça as irregularidades apontadas pelos congressistas e, com isso, suspenda a tramitação do Projeto. Na atual conjuntura política, a decisão pode até retardar a flexibilização das relações trabalhistas, mas não dá esperança para a reversão desse tensionamento jurídico e político.

Fonte: Justificando
Texto: Heloísa Machado e Thales Coimbra
Data original da publicação: 03/04/2017

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