André Gambier Campos
Fonte: Revista da ABET, v. 13, n. 1, jan./jun. 2014.
Resumo: Este artigo versa sobre os tempos de trabalho, bem como sobre a relação entre estes e outros tempos sociais. Entre os achados empíricos, colhidos junto a trabalhadores urbanos, há os seguintes: i) os tempos de trabalho afetam claramente os tempos livres; ii) esse fenômeno ocorre não só por conta da extensão dos tempos de trabalho, mas também por causa da “diluição” da fronteira entre tempos de trabalho e tempos livres; iii) esse fenômeno afeta a qualidade de vida dos trabalhadores, de maneiras bastante variadas; iv) não obstante, a atitude dos trabalhadores, diante desse fenômeno, é basicamente a de “conformação” com a situação.
Sumário: 1. Introdução | 1.1 O conceito de tempo | 1.2 Tempo de trabalho no Brasil | 2. Percepções sobre o tempo de trabalho | 2.1 As informações utilizadas: o SIPS/IPEA | 2.2 Se consegue se desligar de seu trabalho | 2.3 Se, além do trabalho, possui outros compromissos regulares | 2.4 Se sente que o tempo livre vem diminuindo por conta do trabalho | 2.5 Se acha que o tempo de trabalho compromete a qualidade de vida | 2.6 Como se sente por usar o tempo livre para trabalhar | 2.7 Se pensa em trocar de ocupação por conta do tempo no trabalho | 2.8 Como avalia normas legais que reduzam a jornada de trabalho | 3. Considerações finais | Referências
1. INTRODUÇÃO
1.1 O conceito de tempo
O atual conceito de tempo, próprio da modernidade ocidental, despontou no contexto da conhecida racionalização das esferas da vida econômica, social, política e cultural. De acordo com a interpretação weberiana, constituiu-se por volta do século XV, no bojo da Revolução Urbana e Comercial, e desenvolveu-se a partir do século XVIII, como uma das instituições centrais da Revolução Industrial.
O conceito de tempo desligou-se de eventos concretos e vinculados à natureza, tornando-se abstrato e associado ao intelecto humano. Passou a ser mensurável e divisível até sua última fração, preciso e previsível como os instrumentos concebidos para apreendê-lo. Tornou-se um tempo contínuo e acumulável, utilizado como espelho ou equivalente de quaisquer recursos (como o capital). Apesar de aplicável a cada indivíduo isoladamente, passou a ser referência única e universal das sociedades como um conjunto (CARDOSO, 2009).
Esse processo de racionalização do conceito de tempo foi levado às últimas consequências em um âmbito particular: o econômico e laboral. O trabalho foi pensado sobre novas bases, de maneira a assumir, ele mesmo, os atributos temporais acima mencionados, como a mensurabilidade, a divisibilidade, a previsibilidade, a continuidade, a cumulatividade etc. E isso se mostrou especialmente verdadeiro para o trabalho de espécie mais abstrata, como o industrial.
Em outros âmbitos da vida das sociedades modernas, como o social, o político e o cultural, o avanço desse processo foi truncado, possibilitando a sobrevivência de outros conceitos temporais, com atributos bastante diferenciados. De toda maneira, mesmo que essa constatação permita a grafia da palavra “tempo” em sua forma plural, o tempo vigente no âmbito econômico/laboral acabou por tornar-se a referência dessas sociedades, alçado a uma situação de primazia, ainda que não absoluta.
Ou seja, apesar da multiplicidade de tempos existentes, o tempo abstrato de trabalho impôs-se como o padrão ao qual os demais deveriam se ajustar. E disso decorre a importância de estudar os fenômenos relacionados a esse tempo específico, que envolvem aspectos como sua duração, sua distribuição e sua intensidade (e, por consequência, sub aspectos como os limites horários de labor, as interrupções e pausas, os turnos fixos ou móveis, o ritmo e a celeridade e assim por diante) (CARDOSO, 2009).
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André Gambier Campos é Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, doutor em sociologia pela FFLCH/USP e pós-doutor em América Latina pelo Prolam/USP.