Tempo de trabalho nas plataformas digitais: o suprassumo do tempo do trabalhador

Cássio da Silva Calvete

Fonte: Economia e Sociedade, Campinas, v. 32, n. 2(78), 2023, p. 409-427.

Resumo:

Este artigo trata dos impactos que a nova forma de organização do processo de produção, com utilização das novas tecnologias, tem sobre o tempo de trabalho, particularmente os impactos no tempo de trabalho dos trabalhadores em plataformas digitais. Para tanto, discorre rapidamente sobre as antigas formas de organização do processo de produção e analisa a composição do tempo do trabalhador. Em seguida, analisa os impactos que a nova gestão da força de trabalho com o controle algorítmico e a gameficação tem sobre as três dimensões do tempo de trabalho: extensão, intensidade e distribuição. O estudo conclui que as novas técnicas de gestão têm forte impacto sobre as três dimensões do tempo de trabalho: aumentam a extensão do tempo de trabalho, intensificam o ritmo e alteram a distribuição, tornando a força de trabalho disponível durante sete dias na semana e 24 horas por dia.

Sumário: 1 Introdução | 2 Composição do tempo do trabalhador | 3 Empresas plataformas | 4 O impacto da nova gestão da mão de obra no tempo de trabalho | Considerações finais

O presente artigo tem como objetivo tratar dos impactos que a nova forma de organização do processo de produção, com utilização das novas tecnologias, tem sobre o tempo de trabalho, particularmente os impactos no tempo de trabalho dos trabalhadores em plataformas digitais.

A reconfiguração do mercado de trabalho ocorrida em função da nova forma de organização do processo de produção e do novo padrão de desenvolvimento econômico associado a ela, atualmente denominada Indústria 4.0 (BCG, 2015; Buhr, 2015) ou mesmo Quarta Revolução Industrial (Schwab, 2016; World Economic Forum, 2016), faz surgir novas ocupações, altera o conteúdo do trabalho das ocupações existentes e extingue outras. Ao mesmo tempo, a ideologia neoliberal cresce e atua por meio do desmonte do Estado de bem-estar social, da retirada dos direitos trabalhistas, da redução da fiscalização, da fragilização do movimento sindical e do constrangimento da Justiça do Trabalho. Essas alterações foram realizadas na maioria dos países, e no Brasil elas vêm ocorrendo de forma profunda desde 2017. Todo esse processo se evidencia na Reforma Trabalhista de 2017 e nas políticas que dão sequência a ela, como a Medida Provisória 905 de 20192, a Lei de Liberdade Econômica, as alterações e supressões de diversas Normas Regulamentadoras e na Reforma da Previdência de 2019.

O debacle do Estado de bem-estar social, a desestruturação do mercado de trabalho, o aumento da informalidade e do desalento conformam o cenário perfeito para a crescente desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho na visão neoliberal. Dessa forma, está pavimentado o caminho para a introdução de novas relações de trabalho através da utilização de novas tecnologias que vão precarizar ainda mais as condições do trabalhador. Não se trata de negar os ganhos e as vantagens que o avanço tecnológico traz para os consumidores e para a sociedade. No entanto, é preciso ter ciência que a não regulamentação ou a forma de regulamentação que será adotada na utilização da tecnologia é uma escolha política, e não técnica, e que, portanto, cada forma como a utilização da tecnologia for regulamentada resultará em um tipo de distribuição dos ganhos por ela proporcionados (Goos, 2018; Adam, 2018). Esses ganhos poderão ser apropriados majoritariamente pela sociedade como um todo, pelos trabalhadores, pelos consumidores ou pelas grandes empresas monopolistas.

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Cássio da Silva Calvete é Professor associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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