No Brasil, a Lei 13.467/2017 e a MP 927/2020 tratam sobre teletrabalho e nenhuma é clara quanto a local e controle da jornada.
Rodrigo Trindade
Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 25/04/2021
Em recente decisão da seção trabalhista do Tribunal de Justiça do País Basco, na Espanha, se qualificou como acidente do trabalho um infarto sofrido por pessoa que estava em teletrabalho, a partir de sua casa e atuando como técnico comercial.
A decisão confirmou sentença de setembro de 2020 e indicou que, apesar do trabalhador não realizar serviços que poderiam desencadear um acidente cardíaco, o incidente ocorreu durante à jornada de trabalho. Assim, mesmo o acórdão reconhecendo a possibilidade de afastamento do nexo com o trabalho, frente possíveis antecedentes como a obesidade e tabagismo, destacou que há presunção de participação do trabalho como fator desencadeante, em razão do momento em que ocorreu o infarto.
Nossa análise
O julgamento da Sala del Social apoiou-se na jurisprudência nacional espanhola que reconhece presunção da vinculação do trabalho com aventos ocorridos por síndromes cardiovasculares agudas exteriorizadas de modo repentino. Especialmente quando o trabalhador está em seu local de trabalho e em horário de expediente. A análise jurídica passa, então, a se deslocar para avaliar, inicialmente, esses dois fatores: tempo e lugar.
Quanto ao tempo, a presunção de nexo de causalidade vem regulada na Ley General de la Seguridad Social LGSS, RDL 8/2015), artigo 156.3 (“Se presumirá, salvo prueba en contrario, que son constitutivas de accidente de trabajo las lesiones que sufra el trabajador durante el tiempo y en el lugar del trabajo”). No caso do teletrabalho espanhol, não há exceção para a regra de registro de jornada: desde o RDL 8/2019, é obrigatório o registro da jornada laboral em todas as circunstâncias, incluindo o teletrabalho. O direito à desconexão digital vem regrado na Ley Orgánica 3/2018.
A partir dessas orientações legais, todo o sistema juslaborista espanhol está dirigido para firmar presunção de nexo de causalidade entre os acidentes e o ambiente de trabalho, desde que ocorra dentro da jornada.
Em relação ao lugar, a atual situação de emergência sanitária e confinamento obrigatório, o local de trabalho coincide ordinariamente com os domicílios privados. Embora o teletrabalho intrinsecamente não necessite se desenvolver dentro da residência do trabalhador, a emergência de saúde pública da COVID-19 chama ao teletrabalho do tipo home office. Ou seja, tem utilidade nos esforços de impedir disseminação do vírus na medida em que a circulação social é reduzida com o trabalho se desenvolvendo dentro da residência do trabalhador.
Mas o tipo de acidente sofrido, ainda que formalmente dentro da jornada de trabalho, pode ser considerado tanto laboral como doméstico. O terceiro elemento avaliativo a ser, então, operado diz respeito à relação entre o ato desencadeador do acidente e a atividade profissional desenvolvida dentro da residência.
Um teletrabalhador de telemarketing que se corta com faca de cozinha, ao preparar lanche dentro da jornada de trabalho, é um dos exemplos mais óbvios da qualificação do infortúnio como estritamente doméstico. Todavia, caso o mesmo empregado receba descarga elétrica produzida por mau funcionamento do equipamento de informática com que labora, terá sofrido acidente do trabalho.
Há, todavia, situações de mais difícil classificação. Quedas dentro da residência, com ferimentos físicos, embora possam ocorrer sem qualquer relação com a atividade profissional, terão de ser classificados como de trabalho, caso ocorram durante a jornada laboral. E tal não seria diferente se a queda ocorresse dentro da sede da empresa empregadora.
No Brasil, a Lei 13.467/2017 e a MP 927/2020 tratam sobre teletrabalho e nenhuma é clara quanto a local e controle da jornada.
A compreensão que, todavia, vem se firmando é de que, pelo menos durante a pandemia, o teletrabalho preconizado é do tipo home office – realizado dentro da residência do empregador. As orientações sobre previsão a respeito de acerto de ressarcimento de despesas por parte do empregador também levam à compreensão sobre incumbência da empresa por parte de infraestrutura e equipamentos – ou seja, a estrutura de trabalho deve ser de responsabilidade do empregador, incluindo as consequências de situações deficientes.
Quanto à jornada de trabalho, também parece se encaminhar o entendimento de que a ausência de controle de horários é hipótese que não necessariamente pode estar presente em todas as relações de teletrabalho – e as condições tecnológicas atuais mostram a ordinariedade do domínio à distância sobre períodos de dedicação ao serviço. Ademais, a avaliação do montante de trabalho realizado é elemento simples para averiguação do tempo de vida necessário para cumprimento das tarefas contratadas.
Embora ainda não haja estudos específicos, a ordinariedade do teletrabalho no Brasil parece ser o realizando em casa e com possibilidade de controle de jornada. Adequa-se, assim, aos elementos manejados pela jurisprudência espanhola para poder considerar acidente do trabalho o havido dentro da residência do teletrabalhador, e cuja ocorrência se dá em razão do serviço desenvolvido. Tratam-se, todavia, de presunções relativas, cabendo possível desconstituição, caso situações diversas sejam encontradas.
Aqui, é importante relembrar a importância da permanência do compromisso patronal de zelar pela saúde e segurança do meio ambiente laboral. Ainda que se trate de ambiente doméstico, cumpre ao empregador manter dever de orientação para práticas que preservem a saúde e reduzam possibilidades de infortúnios.
Rodrigo Trindade é professor universitário, ex-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV, juiz do Trabalho na 4ª Região.