O futuro dos direitos trabalhistas no Brasil pode ser determinado pelo julgamento de um caso específico sobre empresas contratadas para cortar e plantar eucalipto no interior de Minas Gerais. O Supremo Tribunal Federal deve julgar se a empresa de celulose Cenibra agiu ilegalmente ao contratar outras empresas para executar a sua principal atividade no começo dos anos 2000. A ação teve origem em uma denúncia feita em 2001 pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Extração de Madeira e Lenha de Capelinha e Minas Novas.
A partir do caso da Cenibra, o STF decidirá sobre a legalidade da chamada “terceirização da atividade-fim”, quando uma empresa subcontrata um fornecedor para executar a atividade principal da contratante. Essa prática é proibida atualmente graças a uma regra do Tribunal Superior do Trabalho editada em 1994, a Súmula 331. O tribunal só permite a subcontratação de atividades especializadas sem relação direta com o objetivo principal da empresa, como por exemplo segurança e limpeza.
Centrais sindicais e a Procuradoria Geral da República pedem que a proibição da atividade-fim continue. As entidades argumentam que os terceirizados têm mais risco de se acidentar, salários menores e poder de negociação reduzido com os patrões.
Do outro lado, entidades empresariais tentam derrubar toda a regulamentação sobre a terceirização, sob o argumento de que isso é uma restrição à livre iniciativa. Na perspectiva dos empregadores, sua liberação impulsionaria a criação de novos empregos e o crescimento da economia.
A decisão do STF pode ter impacto ainda maior do que o projeto de lei que teve sua votação adiada no Congresso Nacional. Aprovado na Câmara dos Deputados em abril do ano passado, o projeto liberava qualquer tipo de terceirização, mas responsabilizava a empresa contratante pelos problemas trabalhistas da subcontratada, a chamada “responsabilidade solidária”. A decisão do STF pode liberar a terceirização sem que ocorra esse tipo de responsabilização.
Por que a terceirização gera riscos ao trabalhador?
O salário de trabalhadores de setores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Além de ganhar menos, eles estão expostos a mais riscos.
A terceirização permite que empresas que giram operações econômicas de grande porte deixem os empregados a mercê de pequenas empresas, que têm mais dificuldade de pagar encargos trabalhistas e honrar com suas dívidas.
Os terceirizados também são os trabalhadores que mais sofrem acidentes, mesmo ao desempenhar a mesma atividade daqueles contratados diretamente. Artigo do auditor fiscal do trabalho e pesquisador Vitor Filgueiras, por exemplo, aponta a relação clara entre a terceirização e os acidentes na construção civil, a atividade onde mais trabalhadores morrem no país.
O alerta também é feito por estudos de outros auditores fiscais: “A quase totalidade das empresas de prestação de serviços, na construção civil, não possuem qualquer estrutura administrativa ou financeira para garantir o cumprimento dos direitos trabalhistas, até mesmo o mais básico deles, os salários,” escreve o auditor fiscal do trabalho Aldo Branquinho Barreto.
Uma das entidades a se manifestar sobre o julgamento, a Procuradoria Geral da República afirma que a terceirização “trata-se da velha fraude à lei”, escondendo o verdadeiro vínculo entre empregador e empregado. Segundo parecer do órgão, os terceirizados “ganham menos do que seus colegas contratados diretamente; trabalham em jornadas maiores; realizam os trabalhos mais penosos e os mais perigosos, motivo pelo qual sua mortalidade é mais elevada; por fim, seu ciclo de trabalho, mesmo na empresa prestadora de serviço, é efêmero.” (Clique aqui para ler a íntegra do documento).
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) se opõe à liberação por razões semelhantes, alegando que a decisão do Supremo pode “desestruturar o mercado de trabalho e piorar as condições dos trabalhadores”.
Por que os empresários querem a terceirização?
As principais entidades do setor industrial e agrário também pediram ao Supremo para se manifestarem no caso, pedindo que o tribunal libere a terceirização sem nenhuma restrição. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende a liberação da prática porque o processo possibilitaria reduzir custos operacionais, e assim baixaria o preço dos produtos para o consumidor. Para a CNI, a melhoria da eficiência poderia gerar novos empregos.
A Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) argumenta que a súmula é um “sério empecilho para o aumento de produtividade” no setor rural. “Ao não se permitir terceirizar a colheita ou mesmo o plantio, o produtor que comprou sua colheitadeira ou aeronave para uso próprio (…) terá que suportar um alto custo de manutenção, pois equipamentos como esses são deteriorados pela não utilização”, diz a entidade em documento entregue aos candidatos à Presidência da República na última eleição.
A prática também é tida como essencial pelos empresários da construção civil. O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) enviou carta a senadores, referente ao projeto em discussão no Congresso Nacional, com o título “não há construção sem subcontratação”. Eles argumentam que cada obra necessidade de atividades especializadas executadas por outras empresas, como a elaboração de projetos, a instalação elétrica e a construção da fundação e estrutura dos edifícios. Em nota publicada em seu site, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção também afirma que “o setor é totalmente a favor que exista a subcontratação independente de qual seja o assunto”.
Discussão pode voltar ao Congresso
A CUT e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho pedem que o julgamento seja adiado. Dessa forma, o caso poderia voltar a ser discutido no Congresso Nacional. As entidades argumentam que, no Legislativo, poderia ser feita uma regulamentação mais detalhada e restritiva sobre o assunto.
O pedido foi feito na terça-feira, dia 8 de novembro. As entidades pedem que o julgamento seja feito somente quando o plenário do STF esteja cheio, devido à importância da matéria. Além disso, eles pedem que o caso seja juntado a outro que trata do mesmo tema. No caso citado, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) afirma que a proibição do TST impõe restrições que não são previstas em lei, e pede que o supremo derrube a súmula.
Caso não aconteça o adiamento, essa será a terceira vez que o STF antecipa o tratamento de questões trabalhistas enquanto o Congresso e o Executivo discutem mudanças em leis sobre os mesmos pontos. Em ambos os casos, as decisões podem retirar direitos trabalhistas. Em setembro, o ministro Teori Zavascki determinou que um acordo entre sindicatos e empresas prevalecesse sobre os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, em outubro, que os dias parados em greve devem ser descontados dos pagamentos de servidores.
Fonte: Repórter Brasil
Texto: Piero Locatelli
Data original da publicação: 17/11/2016