STF: sindicatos dos trabalhadores devem participar de demissão coletiva

Fotografia: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Magistrados ponderam que não cabe aos sindicatos autorização prévia da demissão, trata-se de uma exigência procedimental.

Flávia Maia e Luiz Orlando Carneiro

Fonte: Jota
Data original da publicação: 08/06/2022

Por 7 votos a 3, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que o sindicato dos trabalhadores deve participar da mesa de negociação em caso de demissão em massa. No entanto, os magistrados ponderaram que trata-se de uma exigência procedimental e, portanto, não pode ser confundida com autorização prévia da entidade sindical ou a necessidade de celebração do acordo coletivo para a demissão coletiva. O entendimento foi firmado nesta quarta-feira (8/6) com o término do julgamento do recurso extraordinário 999435.

O julgamento foi interrompido em maio de 2020 pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli e finalizado nesta quarta-feira. O caso concreto diz respeito à demissão de 4.200 funcionários da Embraer, que aconteceu em fevereiro de 2009. À época, os sindicatos dos trabalhadores entraram na Justiça e o caso chegou ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em agosto daquele ano, o TST decidiu que a dispensa coletiva precisa de acordo coletivo prévio. Nesta mesma decisão, porém, o TST afastou a abusividade das demissões em massa da Embraer e fixou que o entendimento só valeria dali em diante. Desta forma, a Embraer não foi obrigada a recontratar os funcionários.

O recurso em análise trata-se de uma demissão em massa antes da reforma trabalhista de 2017. Com a alteração legislativa na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as demissões coletivas não precisam mais de autorização prévia da entidade sindical para efetivação. Na visão de advogados consultados pelo JOTA, a ponderação trazida pelos ministros pode ajudar que a alteração trazida pela reforma trabalhista não seja contestada após a decisão desta quarta-feira a favor da presença dos sindicatos.

Prevaleceu a divergência do ministro Edson Fachin pela improcedência do recurso da Embraer e a obrigatoriedade da negociação entre as partes na dispensa em massa de trabalhadores, amparada pela Constituição. Acompanharam Fachin os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

No entanto, a tese vencedora, com as ponderações, foi feita pelo ministro Luís Roberto Barroso, para ele, as empresas devem ser obrigadas a negociar, mas não necessariamente a acolher as exigências dos sindicatos. Assim ficou o texto da tese: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção de acordo coletivo.”

Tese

A tese de Barroso gerou uma série de discussões entre os ministros. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a sugerir a mudança do termo “intervenção sindical” para “negociação coletiva”, no entanto, ministros como Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, que tinham acompanhado a tese inicial de Barroso, entenderam que a alteração abria caminho para outra interpretação, como por exemplo, a necessidade da negociação coletiva não em sentido de diálogo, mas de dissídio trabalhista.

O ministro Gilmar Mendes, adepto da tese de Barroso, chegou a dizer que a mudança na tese poderia dar margem para que o sindicato travasse as demissões, o que poderia prejudicar a empresa a ponto dela ter que finalizar as suas atividades. Lewandowski reagiu à fala de Gilmar e disse que o colega usava um argumento “ad terrorem”, uma vez que o inverso também é válido e demissões em massa podem impactar as famílias dos trabalhadores.

Após a discussão, a tese inicial de Barroso saiu vitoriosa. O ministro Luiz Fux não participou da votação por estar impedido.

O relator, ministro Marco Aurélio Mello — que se aposentou em julho de 2021 —, votou contra a necessidade de negociação prévia entre empresas e entidades sindicais em caso de demissão em massa. Ele propôs a seguinte tese, que saiu perdedora: “A dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva.” Concordaram com o enunciado e acompanharam o relator os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes. O ministro Alexandre de Moraes chegou a acompanhar Marco Aurélio, mas mudou o voto na sessão desta quarta-feira.

Repercussões

Para Alessandra Barichello Boskovic, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos, o resultado do julgamento prestigiou o papel dos sindicatos profissionais na proteção coletiva dos trabalhadores, sem perder de vista a liberdade econômica dos empregadores: “Na fixação da tese, a Corte procurou equilibrar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

Em sua visão, à primeira vista, a tese fixada pelo STF parece conformar-se ao que dispõe a parte final do artigo 477-A, incluído na CLT pela reforma trabalhista em 2017. “Há consenso no sentido de que não é necessária norma coletiva ou autorização sindical prévia à dispensa coletiva. Em relação à primeira parte do artigo, contudo, há espaço para discussão. Isso porque a tese fixada pelo STF impõe à dispensa em massa uma exigência procedimental — a intervenção sindical prévia — que não se aplica às dispensas individuais”, explicou.

“Seria importante diferenciar ‘autorização sindical’ e ‘intervenção sindical’. A primeira, é resultado; a segunda, é procedimento. Ao determinar a exigência de intervenção sindical, a Corte fez referência ao diálogo bem intencionado entre as partes, e não necessariamente ao consenso entre elas”, acrescentou Boskovic.

O advogado Domingos Fortunato, sócio da prática Trabalhista do Mattos Filho também acredita que a tese fixada no julgamento do STF não implica em qualquer contradição ao definido pelo art. 477-A da CLT, alterado pela reforma trabalhista, vez que tanto a tese fixada quanto o dispositivo legal reconhecem não ser necessária a autorização prévia da entidade sindical para sua efetivação. Em razão disso, é possível que a judicialização da questão relacionada ao art. 477-A da CLT ocorra com menor frequência.

Quanto ao impacto para as empresas, segundo Fortunato, a rigor, nada muda depois da fixação da tese pelo STF, especialmente em relação à ausência de necessidade de autorização prévia dos sindicatos para a realização das dispensas. “Evidentemente que é preciso aguardar a decisão ser publicada, bem como entender os termos e alcances propostos pelo acórdão (e, certamente, deverá haver ajuizamento de embargos de declaração, pois questões relevantes como a modulação, por exemplo, não foram endereçadas)”, explicou.

Na opinião de Gustavo Ramos, advogado de Mauro Menezes & Advogados, que atuou no recurso em nome do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, o julgamento do Supremo afirma a importância do diálogo com a entidade sindical representativa dos trabalhadores antes de se proceder às dispensas coletivas. De acordo com Ramos, a decisão vale para qualquer ação em trâmite na justiça e deve orientar as práticas empresariais ao cogitarem proceder com dispensas coletivas.

“O mais importante é que haja diálogo entre empresas e sindicatos visando a minorar os danos aos trabalhadores, suas famílias e às economias locais, tanto quanto possível, em decorrência de despedidas em massa. O sindicato representativo dos trabalhadores precisará ser ouvido em qualquer caso dessa natureza”, afirmou Ramos.

Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Colussi, a decisão do STF alinha-se aos princípios fundamentais previstos na Constituição, como o valor social do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa e à cidadania. “Se para preservar a vida da empresa é indispensável a dispensa em massa, que se faça, mas pelo meio democrático da negociação coletiva, para minimizar os seus efeitos econômicos e sociais”, explica Colussi.

Flávia Maia é repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF). Foi repórter do jornal Correio Braziliense e assessora de comunicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Faz graduação em Direito no IDP.

Luiz Orlando Carneiro é repórter e colunista.

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