Sobre as crises: o capitalismo ensina, nós não aprendemos

Imagem: Gerd Altmann/Pixabay

A crise que assistimos agora é igual e diferente à de 2008. Desregulamentação, impulsos tecnológicos, ondas cripto e mudança do papel dos Bancos Centrais alongaram a trilha da busca do capitalismo pela perfeição.

Nathan Caixeta

Fonte: Brasil de Fato
Data original da publicação: 20/03/2023

A quebra do Silicon Valley Bank e a quase-quebra do Credit Suisse reprisam os episódios de um drama conhecido: a instabilidade da finança capitalista. O capítulo seguinte também é conhecido: as autoridades econômicas vão ao socorro do sistema financeiro para impedir uma ruptura sistêmica do crédito e do gasto. Essa série, exibida nos canais da história moderna, podemos chamar de Capitalismo.

Relendo “Os Antecedentes da Tormenta” de Luiz Gonzaga Belluzzo, senti como é necessário empregar o mesmo espírito crítico que José Carlos Braga invocou certa vez. Por isso, lançarei um olhar sobre a crise a partir de uma perspectiva “Belluzzeana” dos acontecimentos recentes.

Ainda que conhecido nosso drama, Belluzzo insiste que a capacidade inventiva do capitalismo altera a “morfologia da crise”, aprofundando e transformando as conexões entre o crédito, a riqueza financeira e o gasto capitalista – isto é, as raízes da crise.

Quando olhamos para a crise de 2008, a quebra do Lehman Brothers precipitou a deterioração da estrutura de ativos altamente arriscados e securitizados que sustentaram o “efeito-riqueza” durante o boom da economia global entre 2003-07. O sistema de crédito estava comprometido pela orgia entre bancos de depósito, instituições financeiras e agências de classificação de risco.

As regulações haviam sido obliteradas e a crença na autorregulação dos mercados permitiu a tomada de riscos pelos agentes privados sem qualquer parâmetro do envolvimento sistêmico entre as posições de dívida e de alocação dos recursos financeiros. As assimetrias no plano monetário e produtivo espalharam os riscos entre as praças financeiras do mundo, entulhando a responsabilidade de manter a inflação de ativos na grande caçamba da dívida norte-americana.

A denúncia do superaquecimento da economia yankee incitou a subida dos juros e a elevação dos riscos de recessão. A paralisação do crédito veio junto com a destruição dos ativos financeiros ancorados na capacidade de gasto e endividamento de empresas e famílias. A crise se instalou. Sua morfologia estava aprimorada: não se tratava de um risco localizado, mas de uma estrutura altamente conectada cujo centro era Wall Street.

As famílias assistiram suas poupanças serem sugadas pelo redemoinho da deflação de ativos. Trabalhadores perderam seus empregos e as empresas foram afundadas por dívidas impagáveis. A estruturação do sistema financeiro implicava, portanto, um salvamento em massa, missão que os governos compreenderam tardiamente. Os Bancos Centrais e Tesouros Nacionais foram forçados a posição de compradores universais de títulos privados que não valiam nada.

A crise era igual e diferente. A “endemia” de euforia e pânico, própria de uma Economia Monetária da Produção, foi alavancada pela interpenetração do dinheirismo dos capitalistas e a torpeza de políticos e reguladores, elementos de fertilidade para a criatividade financeira.

A crise que assistimos agora é igual. Também é diferente. A desregulamentação persiste, os impulsos tecnológicos, as ondas cripto e a mudança do papel dos Bancos Centrais, de 2008 até então, alongaram a trilha da busca do capitalismo pela perfeição.

As novidades nas manifestações dessa perfeição “imperfeita” estão registradas nos balanços dos Bancos Centrais, abertos para colecionarem novos ativos que não valem nada. Ativos esses empenhados na difusão das tecnologias 4.0, nas astúcias informacionais dos algoritmos que decidem qual ativo comprar ou vender.

Seguindo as exigências pelo aumento global das taxas de juros para controle de uma inflação de oferta, os Bancos Centrais, agora, se veem forçados pelos mercados à redução compulsória. Os economistas aprontam seus discursos para tirar Keynes do calabouço. Novos gastos estatais, alheios aos controles de endividamento público, serão exigidos.

A concentração da riqueza que forçou a crise retornará para resolvê-la depois da tormenta. Belluzzo, lembrando Marx, atesta: “as formas concretas realizam os conceitos que as determinam”. O conceito de riqueza financeira, amparada no futuro, é, uma vez mais, realizado pela forma universal da riqueza monetária.

Enquanto isso, nas encostas da liquidação da riqueza velha, o horizonte visível é o mesmo:

“No mundo em que mandam os mercados da riqueza já produzida, os vencedores e perdedores dividem-se em duas categorias: os que, ao acumular capital fictício, gozam de ‘tempo-livre’ e do ‘consumo de luxo’, e os que se tornam dependentes crônicos da obsessão consumista e do endividamento, permanentemente ameaçados pelo desemprego e, portanto, obrigados a competir desesperadamente pela sobrevivência. Apresentados como provas da soberania do indivíduo, esses controles suaves e despóticos foram se apoderando das mentes e das almas”.

A construção de novos horizontes requer, talvez, a vacina Keynesiana que os economistas negam, assim como negam o vírus financeiro:

A regulamentação financeira, o controle de capitais especulativos, a partilha da soberania monetária na construção de um sistema monetário “verdadeiramente” internacional, a socialização dos investimentos, a tributação progressiva sobre a riqueza, a utilização do progresso técnico a serviço das necessidades humanas e não como cupido do amor do homem ao dinheiro.

Certamente, a perspectiva Belluzzeana recomenda a vacinação imediata.

Nathan Caixeta é economista pela FACAMP, mestrando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/Unicamp e pesquisador do Núcleo de Estudos de Conjuntura da FACAMP (NEC/FACAMP).

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