Sindicatos temem ‘quebrar’ com fim de contribuição

Sindicalistas de diferentes correntes alertam que a decisão recente do Superior Tribunal Federal (STF) que declara ilegal a cobrança da chamada contribuição assistencial provocará profundo impacto no funcionamento de sindicatos em todo o país. Alguns chegam a falar em fechamento de entidades, demissões ou redução drástica dos serviços prestados.

O julgamento em 24 de fevereiro, pré-Carnaval, pegou dirigentes de surpresa. Sindicatos de variados portes são muito dependentes desse tipo de arrecadação, dizem o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, e o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah.

A contribuição assistencial é uma taxa decidida em assembleia e fixada em convenção coletiva. É descontada mensalmente na folha de todos os trabalhadores formalmente representados, sindicalizados ou não. Foi criada para financiar campanhas salariais e está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas em muitos casos acaba sendo usada em carta de próprio punho à entidade.

As outras fontes relevantes de receita são o imposto sindical (desconto anual de um dia de trabalho, depois dividido com federação, confederação, central e governo) e a contribuição associativa, uma mensalidade paga voluntariamente por filiados.

Em sindicatos com razoável participação de filiados, a contribuição assistencial representa algo entre 20% e 25% das receitas, estima o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas. A importância aumenta em entidades com poucos sindicalizados -realidade da maioria dos sindicatos do país. Juruna calcula que no caso dos Metalúrgicos de São Paulo, a contribuição assistencial represente cerca de 90% das receitas totais.

“Com essa decisão, nem precisa fazer reforma trabalhista. Vai fechar sindicato adoidado pelo país”, afirma Juruna. “O Supremo vai conseguir fazer isso numa canetada, um favor para os patrões”, completa. Ricardo Patah prevê “uma série de adversidades”. No Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos maiores do país, a assistencial soma 30% da receita anual de R$ 80 milhões, diz. “Para muitos, isso será o fim da prestação de serviços, como assistência médica e odontológica, e uma severa limitação para fazer campanha salarial”.

“Tomar uma decisão dessa importância de uma hora para outra, sem um preparo do meio sindical, ainda mais num momento de crise, é muito inoportuno”, reclama Patah. “Há interesse de muitos setores em diminuir a capacidade do movimento sindical. E aí há um paradoxo: o STF decide ceifar a capacidade dos sindicatos ao mesmo tempo que o próprio judiciáriário, por meio do presidente [do Tribunal Superior do Trabalho] Ives Gandra Filho, fala em valorizar a negociação coletiva. É um antagonismo.”

Vagner Freitas ressalta que, no entendimento da CUT, sindicatos não podem viver de imposto sindical e contribuição assistencial. “Quem depende muito disso é porque não tem proximidade real com os trabalhadores”, diz. Mas diz que a cobrança é legítima quando devidamente aprovada em assembleia e usada para complementar custos de campanhas salariais. Ele classificou a decisão do STF como “interferência indevida” e “prática antissindical”.

O caso que resultou na decisão do STF tratava só do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba. Numa reclamação antiga do Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR), a entidade foi acusada de não assegurar adequadamente o chamado direito de oposição (a possibilidade de o trabalhador manifestar desinteresse em contribuir e, assim, não sofrer o desconto em folha).

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes fez o que o procurador Alberto Emiliano de Oliveira Neto, do MPT-PR, chama de “interpretação mais restritiva” do tema: declarou inconstitucional todo o modelo de contribuição assistencial. O entendimento é que a imposição de pagamento a não associados, ainda que prevista em convenção coletiva, fere o princípio da liberdade de associação e viola o sistema de proteção ao salário. Só Marco Aurélio Mello votou contra. Além disso, estabeleceu-se repercussão geral, validando a decisão para todas as ações que tratam do tema.

A tendência agora é que as convenções coletivas deixem de citar a contribuição assistencial. Assim, os descontos em folha vão desaparecendo à medida que novas convenções são assinadas. Vencedor da causa, o próprio procurador do MPT-PR manifesta preocupação. “Repercussão geral dá um viés novo ao tema. Preocupa”, diz Oliveira Neto. “É importante dizer que o MPT não é contra a organização sindical. 70% ou mais das receitas dos sindicatos não são do imposto sindical. Precisamos que o Congresso regulamente essa matéria [contribuição assistencial] de uma vez.”

Fonte: Valor Econômico
Texto: Ricardo Mendonça
Data original da publicação: 13/03/2017

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