Desemprego, automação, precários, contrarreforma trabalhista. Preso às dinâmicas do século passado, sindicalismo está em crise. Mas novas experiências — no Brasil e no mundo — apontam para possível renovação. Quais são elas?
Rôney Rodrigues
Fonte: Outras Palavras
Data original da publicação: 30/04/2019
Uma multidão tomou conta do Vale do Anhangabaú, em 26 de março. Não era show nem manifestação. Eram desempregados, um exército formado por 15 mil pessoas, em busca de uma das seis mil vagas oferecidas pelo Mutirão de Emprego, promovido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo e pelo Sindicato dos Comerciários. Muitos madrugaram na fila, portando pastas de papelão com RG, CPF, carteira de trabalho e currículo impresso, esperando, quase sem comer e dormir, cerca de 24 horas para conquistarem, enfim, uma senha que lhes daria direito a serem atendidos. Outros não tiveram a mesma sorte e voltaram para casa com uma triste notícia: por enquanto, não haveria nem a esperança de um emprego.
O desemprego no Brasil, segundo recente pesquisa do IBGE, atinge 13,1 milhões de pessoas. Além disso, 28,3 milhões têm a força de trabalho “subutilizada”, ou seja, gostariam – ou precisam – trabalhar mais horas. 4,8 milhões de pessoas já desistiram de procurar emprego, o equivalente a 4,4% da força de trabalho. Para essas milhares de pessoas que foram até o Anhangabaú – ou que amargam a falta de trabalho em outros cantos do país – parece haver algo errado: se antes tínhamos uma vibrante economia interna, porque agora ter um emprego torna-se uma tarefa árdua – e frustrante? Em um contexto de retirada de direitos, quem, afinal, vai olhar – e lutar – pela classe trabalhadora?
A resposta automática seria os sindicatos que, no entanto, vivem uma profunda crise econômica e política, até com sua existência ameaçada. Seria possível eles se reinventarem, após o duro golpe que foi a Contrarreforma Trabalhista, aprovada em 2017 pelo presidente interino Michel Temer, e adquirirem nova relevância e protagonismo nesse cenário terrível para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros?
Crise anunciada?
É sabido que, em toda a história do sindicalismo, o desemprego “mata” a ação sindical. Um exército de desempregados, como no Brasil, impõe outros desafios a uma fragilizada classe trabalhadora, a começar pela própria subsistência: enfrentar filas para vagas de emprego, imprimir centenas de currículos, angustiar-se no momento de pagar aluguel e outras contas, ou de pensar no colocará à mesa para a família. A taxa de associados a algum sindicato, segundo o IBGE, já havia caído para 14,4% dos assalariados, antes mesmo da Contrarreforma Trabalhista (implantada já no final de 2017, em novembro). É a menor desde o início da série histórica, em 2012, quando era de 16,2%.
“Vivemos uma recessão, embora as pessoas pareçam ter vergonha de chamá-la por esse nome”, adverte João Guilherme Vargas Netto, que há décadas é consultor sindical, tendo atuado em dezenas de sindicatos. “Essa recessão que provoca, principalmente, o desemprego entre os jovens, impõe dificuldades estruturantes para o movimento sindical, como, por exemplo, a dificuldade de fazer greves”.
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), se pergunta: como mobilizar a classe trabalhadora quando as relações de trabalho se transformam e as políticas macroeconômicas são direcionadas contra os direitos trabalhistas, fragilizando milhões de pessoas e as próprias entidades sindicais?
“Encontrar o caminho para a ação sindical, em um um contexto de recessão, não é tarefa fácil”, analisa Ganz Lúcio. “Em geral, o movimento sindical é mais dinâmico quando a economia cresce: há geração de empregos e salários. Quando temos uma massa de desempregados há muito tempo sem trabalho, cai a disposição da classe trabalhadora em realizar qualquer enfrentamento, afinal, a resistência dela foi quebrada. Há, também, grandes transformações tecnológicas que afetam os postos de trabalho e exigem capacidade dos sindicatos para enfrentá-las. E, depois disso, veio a Contrarreforma que aprofundou ainda mais a crise no sindicalismo brasileiro”.
Um golpe fatal?
A Contrarreforma Trabalhista do Temer começou a ser gestada após pressões do empresariado brasileiro. Em 2012 a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), lançou o documento “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, apontando que os “altos custos do emprego formal” eram um dos “mais graves gargalos ao aumento da competitividade das empresas brasileiras”. Era necessário, argumentavam os empresários, que o governo se comprometesse a uma “reforma” na legislação trabalhista. O governo Dilma Rousseff não implantou tais ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que, entre outros inúmeros fatores, contribuiu para que o Congresso Nacional iniciasse um processo de impeachment – e golpe – contra a presidenta eleita.
Derrubada, o caminho estava livre para o ataque e, logo nos primeiros meses do governo Temer, começou-se uma ampla propaganda em defesa da Contrarreforma que, enfim, foi aprovada pelos deputados e senadores.
Entre os principais pontos, estão:
O negociado vale sobre o legislado. Empregadores e empregados podem negociar as condições de trabalho, mesmo que violem garantias asseguradas pela CLT. Num cenário de desemprego em massa, isso permite aos empregadores impor “acordos” — já que a alternativa é não ter trabalho algum. Os trabalhadores acabam privados de condições dignas de trabalho, o que precariza progressivamente as relações de trabalho.
Flexibilização nas relações de trabalho. Possibilita terceirizar qualquer atividade exercida nas empresas, incluindo a atividade-fim ou principal da organização. Além disso, a Contrarreforma legaliza o trabalho intermitente, ou seja, contratos atípicos em que o trabalhador está à disposição do patrão, sem garantias de que trabalhará. Tem emprego sem trabalho nem salário. Em empresas de fast food, por exemplo, funcionários são convocados e só atuam em horários de grande fluxo dos restaurantes, recebendo somente por tais horas – se chamados.
Restrições aos sindicatos. Extinguiu-se o imposto sindical obrigatório, o que levou a uma queda de 90% na arrecadação deste item da receita dos sindicatos: de R$ 3,64 bilhões em 2017 caiu para R$ 500 milhões no ano passado – e a tendência é que o valor seja ainda menor neste ano, devido ao aumento do desemprego. Com isso, o financiamento das estruturas sindicais reduziu-se à taxa de associação e à contribuição assistencial (desconto, na folha de pagamento, dos serviços prestados pelas entidades sindicais à categoria, sobretudo na celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalhos ou participação em processos de dissídio coletivo). Essa queda brusca na arrecadação acarretou a redução da estrutura sindical, com demissão de equipe jurídica, técnica, de comunicação etc. A CUT, maior central sindical do Brasil, por exemplo, enxugou seu quadro de funcionários, por meio de um programa de demissão voluntária, em 60% e vai vender sua sede, localizada no centro de São Paulo e avaliada em 40 milhões de reais, para conseguir operar, minimamente, suas atividades.
Retrocessos na Justiça do Trabalho. Os trabalhadores demitidos podem homologar sua saída (e receber o que lhes é devido) sem assistência de seu sindicato. Isso leva a inúmeros erros no cálculo, quase nunca em favor do empregado. Além disso, a empresa pode exigir uma redução na jornada de trabalho, também sem a presença das entidades sindicais. A nova legislação também inibe que o trabalhador entre com ações na justiça contra os empregadores: se perdem, deverão arcar com os custos processuais, dos honorários de advogados da parte vencedora e das provas periciais produzidas.
Como se todos estes ataques fossem pouco, o governo Bolsonaro, lançou, mais recentemente, novas agressões aos trabalhadores e seus sindicatos, em um projeto de desmonte das proteções sociais. Entre elas:
Medida Provisória (MP) 870 (aprovada). Extinguiu o ministério do Trabalho, como parte de uma reorganização da estrutura administrativa do Poder Executivo.
MP 871 (em tramitação). Vai analisar e revisar benefícios previdenciários. O trabalhador adoecido, por exemplo, ou afastado por depressão, sem condições de voltar ao trabalho, terá de provar que não é um fraudador. O objetivo é cortar benefícios.
MP 873 (em tramitação). Editada às vésperas do Carnaval, impede descontos consignados à folha e determina que o pagamento da contribuição sindical (autorizadas pelos trabalhadores) seja feito por meio de boleto bancário, após autorização expressa, individual e por escrito do trabalhador e da trabalhadora. A medida, que tem o objetivo de sufocar financeiramente os sindicatos e inviabilizar, ainda mais, a cobrança da contribuição sindical, já transformada em facultativa pela Contrarreforma.
Salário mínimo. Em decreto assinado, Bolsonaro fixou o salário mínimo em R$ 998 neste ano. O valor ficou abaixo da estimativa que constava do orçamento da União, de R$ 1.006. A situação será ainda pior a partir de 2020, pois expirou a lei que obrigava o governo a promover, a cada reajuste do mínimo, um pequeno aumento real, além da reposição das perdas inflacionárias.
Contrarreforma da Previdência. Entre outros pontos, adota o modelo de capitalização, com contas individuais, para o regime de Previdência — ou seja, debilita o modelo atual de “repartição”, onde os trabalhadores da ativa e as empresas financiam os aposentados — e aumenta a idade mínima para a aposentadoria.
Carteira verde-amarela. Ainda não está completamente claro como o governo Bolsonaro pretende executar essa promessa de campanha. Basicamente, essa carteira permite estabelecer contratos de trabalho em regime de direitos “flexibilizados” – ou seja, eliminados.
Pluralidade sindical anárquica. O governo federal estuda propor ao Congresso Nacional o fim unicidade sindical, regra que permite um único sindicato representando determinada categoria na mesma base territorial. O objetivo é pulverizar o sindicalismo em milhares de pequenas entidades e com atuação limitada.
Nova classe trabalhadora?
Mesmo em meio às enormes transformações no mundo produtivo, a classe trabalhadora não diminuiu — aumentou. Acontece que ela não é mais representada por operários manejando equipamentos industriais e vestidos com macacões. Há uma nova morfologia do trabalho provocada pelas mudanças tecnológicas, que reorganizou as empresas, fechou postos e informatizou atividades, requerendo novas qualificações e paradigmas para os trabalhadores – e um grande desafio para os sindicatos. Afinal, como organizar a luta de trabalhadores digitais, terceirizados e de home office, por exemplo? Quem é o patrão de aplicativos como Uber, 99Taxi, Rappi e iFood?
“É uma outra dimensão: os trabalhadores não estão mais presente nas empresas, mas dispersos em milhões de ocupações como prestadores de serviços, autônomos, em atividades domésticas, por conta própria e para grandes empregadores difusos, quase invisíveis. E como representar e proteger os direitos desses trabalhadores?”, pergunta Ganz Lúcio.
O fato é que o movimento sindical, em todos esses anos, não acompanhou as mudanças do mercado de trabalho — e produção e reprodução do capital — no século 21. Parece ainda acorrentado à lógica produtiva do século passado, quando viveu seu apogeu. Uma empresa transnacional como o Walmart, por exemplo, conta com milhares de outras empresas subfornecedoras e funcionários terceirizados. Como, então, organizar a luta sindical contra empresas globais como essa, com dinâmico fluxo de serviços e atuação?
“Há uma mutação muito profunda nas relações de trabalho – e não é fácil para os sindicatos, que antes lideravam milhares de trabalhadores dentro da fábrica, enfrentar um capital financeirizado, esparramado e horizontalizado. É uma somatória de mutações que atingiram a subjetividade e a materialidade da classe trabalhadora”, analisa Ricardo Antunes, sociólogo do trabalho e professor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp).
Renovar os sindicatos, portanto, não seria um desafio apenas para entidades brasileiras, mas para o sindicalismo de todo o mundo. O novo mundo do trabalho requer novas formas de organizar a atividade sindical. E uma das respostas pode estar na atuação de jovens nas entidades sindicais. Porém, de acordo com Vargas Netto, historicamente, o movimento sindical enfrenta uma “resiliência das direções”: pouco se renovou. Há uma marcante diferença etária – e de sexo, já que as lideranças são, majoritariamente, masculinas – entre dirigentes e dirigidos, principalmente em um contexto em que há uma grande juvenilização e feminilização da mão de obra.
“Se você olhar as últimas eleições sindicais, eu chego a dizer que em 95% delas houve chapa única com reeleição de diretorias”, destaca o consultor sindical. Porém, ele lembra que a equação não é tão simples: grande parte da juventude trabalhadora está na informalidade, terceirizada ou precarizada. Raramente pode associar-se a um sindicato — muito menos, participar de sua direção, ainda mais quando se considera que o movimento sindical ainda não organizou efetivamente esses setores.
“Não é somente os sindicatos que estão em crise, mas, também, partidos, igrejas e até a imprensa. Todos estão tentando entender o que fazer e como se comunicar com suas bases para construir uma nova identidade baseada na solidariedade e cooperação”, analisa Ganz Lúcio, diretor do Dieese. “No caso dos sindicatos, o maior desafio é fazer uma contraposição à cultura individualista e meritocrática, valores que, nos últimos anos, ganharam muita força na sociedade. Muitos pensam: por que vou me associar com outros se eu mesmo posso resolver meus problemas?”.
Adeus à conciliação?
2008 – Uma crise financeira eclodiu no epicentro do capitalismo, seguida de uma fase que o professor Ricardo Antunes gosta de chamar de “Era da Rebeliões”. Estende-se até meados de 2014. Inclui as derrubadas de ditaduras na Tunísia e no Egito, a crise e ameaça de ruptura (depois contornada) na Grécia, a explosão dos jovens precarizados desempregados da Espanha (que gerou depois o Podemos), a explosão da Geração à Rasca em Portugal, as manifestações em Tottenham e Bristol na Inglaterra e o Occupy Wall Street nos EUA.
“É uma era de crise estrutural do capital marcada por rebeliões, quase sempre protagonizadas por jovens precarizados. Fez com que a maior parte dos capitalistas abandonasse qualquer projeto de conciliação e colaboração de classes. O desafio maior desta era de rebeliões era, o que é muito difícil e complexo, se converter em uma Era de Revoluções, o que não aconteceu”, analisa Antunes.
A vitória do Trump, na avaliação do professor da Unicamp, marcou o fim dessas rebeliões e o início de uma reação da extrema-direita contra a política de conciliação de classes que, em geral, era praticada por governos anteriores que ainda mantinham certas políticas de bem-estar social. Um “revolução preventiva”, destaca ele, que elegeu partidos conservadores em vários países do mundo, inclusive no Brasil.
“Esse cenário todo tinha no plano basal a necessidade de repor níveis de acumulação, o que só seria possível através da devastação dos direitos de trabalho, da legislação social conquistada pela classe trabalhadora nos EUA, na Europa, no Japão, em países como o Brasil e tantos outros que estão no caminho dos países intermediários. Isso se tornou um imperativo categórico do capital”, destaca Antunes. “Não é por acaso que a Contrarreforma do Temer ocorre, simultaneamente, às reformas promovidas por Macron, na França, e por Macri, na Argentina. Tampouco é acaso que justamente quando discutimos a Reforma da Previdência no Brasil, Macron afirme que é necessário que o trabalhador francês trabalhe mais e que há possibilidade de revisão na Previdência de lá também”.
De olho no mundo
Antunes destaca algumas novas e interessantes experiências de organização da classe trabalhadora – “nenhuma delas é modelo; algumas nascem e desaparecem; outras continuam”, lembra – que podem auxiliar a propor soluções para a crise do sindicalismo brasileiro. Eis algumas:
San Precario (Milão, Itália). Movimento do precariado italiano que questiona a estrutura tradicional dos sindicatos, acostumada a representar o operariado no contexto do Estado de Bem-Estar Social. Defende que os tempos mudaram e a classe trabalhadora já não tem acesso à seguridade social e que a estrutura de uma vanguarda sindical que decide e a massa obedece está ultrapassada, instituindo como forma de decisão o plebiscito.
Clash City Workers (Nápoles, Itália). São jovens, qualificados ou não, italianos e imigrantes. Definem-se como trabalhadores das metrópoles em luta, o “precariado”. Enquanto o San Precario organizava suas reivindicações de forma mais autônoma, eles somaram-se a um movimento político chamado Potere al Popolo!, similar aos primórdios do Podemos, da Espanha, que também reunia uma juventude precarizada.
Confederazione dei Comitati di Base, a COBAS (Itália). Movimento que recusa o burocratismo das centrais sindicais tradicionais. É uma tentativa de constituir uma unidade dos trabalhadores de forma não hierarquizada.
Nuove Identità di Lavoro, o NidiL (Itália). Um núcleo da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) que representa o precariado, constatando que a classe trabalhadora caminha mais em direção a essa modalidade, em especial nos países centrais do capitalismo, do que ao modelo operário taylorista e fordista.
Central de Trabajadores de la Argentina, a CTA (Argentina). Nasceu de um setor rebelde que não aceitava as duas CGTs existentes, de orientação peronista, passando a organizar os trabalhadores públicos no contexto do neoliberalismo argentino. Em 2001, criaram, inclusive, um setor para organizar os desempregados.
Confederação Intersindical Galega, a CIG (Galícia, Espanha). Recusou-se a se alinhar às entidades sindicais tradicionais. Iniciou um trabalho para organizar os imigrantes, algo inédito no contexto europeu em que os sindicatos, por vezes, são xenófobos.
Millenials sindicalizados nos EUA. Uma juventude trabalhadora, principalmente de setores de serviços como redes de fast food e hoteleiras e de intermitentes digitais, está se associando a algumas lutas sindicais.
Conferência Nacional de Delegados do Sindicato do Setor Público do Reino Unido, a UNISON (Inglaterra). Com o devastador neoliberalismo inglês, iniciado no governo de Margaret Thatcher, sindicatos que representam os funcionários públicos se unificaram em uma única entidade para somarem recursos e forças na defesa dos trabalhadores.
Precari@s inflexíveis (Portugal). Jovens precarizados que, em conjunto com movimentos de imigrantes, levaram as pautas trabalhistas para as ruas, em manifestações criativas e empolgantes.
Caminhos para o sindicalismo brasileiro
Desde o fim da ditadura militar, apesar do Brasil ter passados por diferentes conjunturas políticas e econômicas, a taxa de sindicalização sempre havia se mantido estável – um “verdadeiro milagre”, segundo Vargas Netto. Ao menos, antes da Contrarreforma.
“Nossa taxa de sindicalização nos colocava no meio do pelotão das sindicalizações mundiais. Não o extremo dos escandinavos, nem o extremo baixo dos EUA e Colômbia. Estamos no meio. Com essa recessão inusitada e singular, um dos elementos significativos que ainda tem sido pouco estudado é exatamente a queda da taxa de sindicalização que, perigosamente, abandona essa estabilidade”, afirma o consultor sindical.
Portanto, um dos desafios do movimento sindical seria manter os já sindicalizados nas entidades e, progressivamente, conquistar novos associados com trabalho de base, principalmente nos próprios locais de trabalho, ambiente “esquecido” pelas direções. Uma experiência significativa é a do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba que, com uma administração eficiente, antes da crise já contava com recursos em caixa para manter sua atuação, fortemente marcada pela aproximação do sindicato com as fábricas. Outra solução é uma fusão entre sindicatos como forma de fortalecer as negociações salariais, que estão mais difíceis diante do fechamento de fábricas, do alto nível de desemprego e de mudanças na Previdência. Juntar sedes, pessoal, prestação de serviços e colônias de férias pode ser uma alternativa. Um exemplo disso é o Sindicato dos Empregados na Indústria Alimentícia de São Paulo, que representa cerca de 30 mil trabalhadores, que se uniu aos sindicatos de trabalhadores da área de alimentação de Santos e região, de laticínios e de fumo no Estado. Juntos passarão a ter base de quase 50 mil funcionários.
Outro ponto para contornar a crise seria apostar em leis de macroproteção em detrimento de acordos e convenções coletivas. “Ter o direito fundamentado na lei poderá ser mais importante que ter uma convenção coletiva, o que pode gerar proteções básicas para toda a sociedade. Poderão ser novas formas de organização, não estáveis e permanentes”, aponta Ganz Lucio.
Recentemente, as centrais sindicais se propuseram a comemorar o dia primeiro de maio de forma conjunta, algo inédito nos últimos anos. Isso pode promover uma atuação unificada das diferentes tendências do sindicalismo brasileiro. Além disso, elas também se propuseram a coletar assinaturas contra a Reforma da Previdência, o que pode levá-las a descer às suas bases, em um processo de aproximação com os trabalhadores e reenraizamento do movimento nos locais de trabalho. “As sedes dos sindicatos perdem peso na batalha em curso e nas outras que virão”, afirma Vargas Netto.
Os ares que o chamado “novo sindicalismo brasileiro” (que floresceu na segunda metade da década de 1970) soprou tiveram, na avaliação de Antunes, importante influência na criação de movimentos sociais como o Movimento Contra a Carestia (MCV), o Movimento dos Sem-Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB). O momento, agora, seria o inverso: olhar para essas experiências de luta para inspirar a renovação do sindicalismo.
“O movimentos sociais partem de aspectos vitais do universo cotidiano: moradia, terra, reforma agrária, acesso à cultura etc”, analisa Antunes. “Os sindicatos devem ser menos ‘corporativistas’ e ‘categorizados’ e olhar quais são as questões vitais para a classe trabalhadora. Hoje, com todas essas transformações no mundo do trabalho, o capital adquiriu um domínio totalizante e totalitário sobre nossas vidas, sem divisão entre sindicatos patronais, partidos, governo ou aparatos de repressão. Por que, então, a classe trabalhadora deve segmentar as lutas em ultrapassadas gavetinhas?”
Rôney Rodrigues é jornalista formado da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru) e membro da redação de Outras Palavras.
Os sindicatos não conseguiram nem se adaptar as mudanças ocorridas nos anos 80/90 quando as vagas de emprego migraram da indústria para o setor de comércio e serviços, agora nós estamos passando por outra mudança com a invasão dos “autônomos”, o avanço da cultura individualista e meritocrática é só uma consequência dessas novas relações de trabalho, assim como o avanço das igrejas evangélicas, o primeiro sendo fruto da competição entre os trabalhadores e o segundo dando uma base religiosa a essa cultura, substituindo as relações de solidariedade no trabalho e nos bairros com as suas próprias redes de solidariedade e satisfazendo a necessidade por contato social em uma mundo cada vez mais atomizado, de modo que é extremamente improvável que esses sindicatos consigam organizar esses trabalhadores não só pela dificuldades já expostas no texto, não só por esse novo Zeitgeist, mas também pelas consequências que essas novas relações de trabalho tem na formação da consciência de classe, ou melhor na impossibilidade da formação dessa consciência.
A luta de classes acontece em dois “campos” distintos, o econômico e sociológico, a nossa tragédia está no fato de que com as novas relações de trabalho, mais atomizadas, onde a competição entre trabalhadores é muito mais brutal, onde a cooperação é nula e onde a figura do chefe/patrão é muito mais abstrata, impedem que a formação da consciência de classe, ao mesmo tempo a luta de classe continua no âmbito econômico, o que causa revoltas, como a greve dos caminhoneiros e o a dos coletes amarelos na França, ao mesmo tempo em que a impossibilidade da existência dessa consciência e o conflito de interesses entre a classe dominante e os trabalhadores são um prato cheio para a dominação e radicalização da ideologia dominante, isso explica o apoio de parte dos trabalhadores a candidatos conservadores, como o Bolsonaro e o Trump.
Dito isso, o futuro dos sindicatos é igual ao presente, continuar existindo e representando setores que já estão tradicionalmente ligados a eles, como os bancários, os professores e os metalúrgicos, (algo que os exemplos nacionais mencionados no texto também parecem mostrar) já que os setores mencionados tem uma forte sindicalização de modo que os sindicatos não iriam acabar por falta de contribuição, e já que não seria viável para um governo que quer manter a aparência democrática acabar com eles.