Sem legislação sobre o trabalho, as plataformas estão “nadando de braçada” no Brasil. Entrevista com Roseli Figaro

Se, de um lado, o desenvolvimento tecnológico proporcionou qualidade de vida e contribui para o aumento da expectativa de vida de parte da população, de outro, ele ainda “não favorece uma massa de pessoas que estão à margem, que são usadas para serem trituradas dentro da lógica capitalista”, pondera Roseli Figaro, na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Pesquisadora do projeto Fairwork, ela comenta a seguir os principais resultados do primeiro relatório sobre a atuação das plataformas digitais no Brasil em relação ao trabalho decente, lançado recentemente. Segundo ela, a pontuação das principais plataformas atuantes no país indica que “o que elas estão fazendo é barbárie”. Ela explica: “Duas das plataformas estão menos mal pontuadas porque receberam dois pontos, que são o iFood e a 99. O iFood pontuou nos itens básicos ‘contrato de trabalho’ e ‘representação coletiva’ e a 99 pontuou em ‘salário’ e ‘condições de segurança’. Não pontuaram em mais nenhum item. O Uber teve um ponto no item básico ‘condições de trabalho’. A Rappi, o GetNinjas e o Uber Eats não obtiveram pontos. Foram avaliados como zero em todos os itens. Em nossos levantamentos, não conseguimos identificar provas de que eles cumpram quaisquer desses cinco princípios, mesmo no item básico”.

O relatório, acrescenta, evidencia que as plataformas estão “nadando de braçada” no Brasil porque “temos uma tradição de trabalho informal, de relações de trabalho que são ainda pré-capitalistas e que permitem que essas empresas, ao chegarem no país, sejam vistas como benfeitoras, permitindo que elas tomem atitudes absolutamente em desacordo com a legislação”.

Roseli Aparecida Figaro Paulino. Foto: DigiLabour

Roseli Aparecida Figaro Paulino é professora livre-docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da USP. Possui pós-doutorado pela Universidade de Provence, França. Ela é coordenadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa da USP/Comunicação e Censura e do Grupo de Pesquisa do Arquivo Miroel Silveira. Dedicou seus estudos à comunicação relacionada ao mundo do trabalho. É também autora de outros seis livros, entre eles, citamos: Comunicação e Análise do Discurso (São Paulo: Contexto, 2012).

Confira a entrevista.

Como se constitui o projeto Fairwork e qual a importância de sua atuação também diante da realidade brasileira?

Esse projeto de pesquisa é uma iniciativa da Universidade de Oxford. A partir dos princípios do trabalho decente, se constituíram grupos de pesquisadores em diferentes universidades em 27 países. O projeto tem uma coordenação global e pesquisas são realizadas em cada um dos países membros. No Brasil, entramos no Fairwork em 2020 e lançamos o primeiro relatório sobre a realidade do país. A Unisinos é a coordenadora da pesquisa e constitui uma rede com a Universidade de São Paulo – USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, com equipes multidisciplinares. No Rio de Janeiro tem uma equipe da área do Direito, em São Paulo e na Unisinos, uma equipe da área de comunicação, na UFRGS, uma equipe de psicologia e, no Paraná, uma equipe da comunicação. Nós trabalhamos, a partir da metodologia do Fairwork, em torno dessa ideia de trabalho decente. O Fairwork traduziu isso em cinco princípios.

Quais são?

São aqueles mínimos: remuneração decente – para cada país buscamos saber se se paga, depois de oito horas de trabalho diário, no final do mês, um salário mínimo mensal; condições justas de trabalho, que dizem respeito a equipamentos de proteção individual e ao mínimo de segurança para o trabalhador; contratos decentes, ou seja, que haja contratos claros e explícitos, com termos de contratos de trabalho, o que não acontece hoje; gestão justa, isto é, analisamos como se dão as relações, sobretudo de comunicação, com os trabalhadores, se eles têm a possibilidade de contestar algo, porque em muitos casos a comunicação é informatizada e os trabalhadores não recebem um retorno imediato; e a representação coletiva, ou seja, a possibilidade de reconhecimento de que os trabalhadores têm direitos à representação coletiva. Esses cinco princípios são pontuados em dois níveis: um nível básico, que recebe um ponto, e um nível avançado, que recebe mais um ponto. Cada princípio formula dois pontos, sendo que a nota máxima de todos os princípios é dez.

Em uma perspectiva mais teórica, buscando tocar as questões de fundo, por que as plataformas de trabalho concebem atividades fora de padrões decentes? Regredimos à lógica das fábricas dos séculos XIX e início do XX, apenas agora com o verniz da tecnologia e comunicação?

Você aponta bem; se trata de uma questão de fundo. Por que isso está acontecendo no século XXI, em que temos tanta tecnologia, conhecimento e dinheiro circulando? Porque isso faz parte de uma lógica disruptiva da exploração que o capitalismo implementa usando avanços tecnológicos. A tecnologia, ao invés de trazer qualidade de vida para a maioria das pessoas, traz melhoria para 20% da população. Assim, as tecnologias são apropriadas para trazerem mais lucro para as empresas, ou seja, para os mesmos de sempre, penalizando o trabalho porque sem este nada acontece.

Nomeamos a relação entre tecnologia e conhecimento de tecnociência. Ela está comprometida com o resultado para o capital e causa profundo dano para os trabalhadores de forma geral. Pensamos que a tecnologia está mudando e modernizando o mundo do trabalho e quem não quer se modernizar está atrasado. Este é o discurso hegemônico: as pessoas não se qualificam. Mas, para usar um aplicativo, não é preciso de qualificação. Se a tecnologia é tão avançada, por que se estabelece um trabalho tão retrógrado? Veja que o conhecimento tecnológico não favorece uma massa de pessoas que estão à margem, que são usadas para serem trituradas dentro da lógica capitalista. Claro que os algoritmos estão avançando e aperfeiçoando outras formas de uso, mas essa forma básica traz muitos dividendos não só em termos de capital, mas em termos de mercadorias, de dados. Então, retroagimos a uma situação vivida nas fábricas do século XX, mas não estamos mais naquelas fábricas pesadas, analógicas, quando ainda não tínhamos uma rede elétrica extensiva, não tínhamos muitos conhecimentos que temos hoje. Regredimos muito porque temos condições de oferecer qualidade de trabalho para toda a população.

Segundo o relatório do projeto Fairwork no Brasil, quais são as maiores infrações cometidas pelas plataformas/empresas que tornam o trabalho não decente?

O Brasil é o segundo país mais mal pontuado nos relatórios Fairwork; só estamos acima de Bangladesh. Por que isso acontece no país? Porque temos uma tradição de trabalho informal, de relações de trabalho que são ainda pré-capitalistas e que permitem que essas empresas, ao chegarem no país, sejam vistas como benfeitoras, permitindo que elas tomem atitudes absolutamente em desacordo com a legislação. Logo, elas não atendem aos princípios mínimos do Fairwork e não atendem à legislação da Constituição Federal, que está sendo rasgada todos os dias pelo governo federal.

Vivemos um momento muito difícil em termos de reconhecimento dos direitos, das condições de vida e trabalho e de aumento da pobreza. Essas empresas entram nesse cenário e conseguem explorar a força de trabalho, passando por benfeitoras. Em muitas das entrevistas que realizamos, os entrevistados dizem que elas estão “dando o trabalho” aos trabalhadores. Mas não é isso; elas precisam do trabalho porque, sem ele, elas não existem. Ou seja, a empresa não “dá trabalho” para ninguém. Ela cria uma relação de trabalho através de um contrato de trabalho porque ela precisa do trabalho. Do contrário, o seu produto não é desenvolvido. Então, as empresas encontram no Brasil um território muito propício para descumprir a Constituição e os direitos mínimos dos trabalhadores.

O que mais tem surpreendido vocês nas entrevistas com trabalhadores? E nas reuniões com os gestores de plataformas?

Fiz entrevistas pessoalmente com alguns trabalhadores no período da pandemia e é muito dolorido e difícil conversar com eles. Eles relatam que trabalham dez, 12 horas por dia e não conseguem se alimentar nem ter dinheiro para comer durante a jornada. Se não recebem uma gorjeta a mais, se alguém não se solidariza ou se o dono de um restaurante não tem um coração que tenha a intenção de ajudar, muitas dessas pessoas não conseguem fazer uma refeição ao longo do dia de trabalho. Quer situação mais triste do que isso? Situação que mais revela precariedade dessas pessoas?

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O que mais nos chama a atenção com os gestores é a capacidade retórica deles de simularem um discurso que só está preocupado com a imagem da marca. É um discurso que não está preocupado com a relação entre capital e trabalho, com a relação das pessoas. Tivemos várias conversas com os gestores e foi difícil mostrar a eles que o projeto não está interessado em desqualificar as plataformas, mas, ao contrário, quer que elas se qualifiquem. Tenho uma preocupação com os profissionais da comunicação que estão a serviço de uma lógica que pouco atende inclusive a sua própria qualidade de vida. As pessoas têm pouca empatia, compaixão.

Quais são as piores plataformas no ranking e o que justifica essas posições? E o que contribui para algumas plataformas/empresas estarem em colocações melhores?

Duas das plataformas estão menos mal pontuadas porque receberam dois pontos, que são o iFood e a 99. O iFood pontuou nos itens básicos “contrato de trabalho” e “representação coletiva” e a 99 pontuou em “salário” e “condições de segurança”. Não pontuaram em mais nenhum item. O Uber teve um ponto no item básico “condições de trabalho”. A Rappi, o GetNinjas e o Uber Eats não obtiveram pontos. Foram avaliados como zero em todos os itens. Em nossos levantamentos, não conseguimos identificar provas de que eles cumpram quaisquer desses cinco princípios, mesmo no item básico. As plataformas no Brasil estão “nadando de braçada” porque não tem legislação sobre o trabalho. São raras as meritórias decisões que estão dando conta de regulamentar a atividade comercial dessas empresas. Trata-se do que se chamava, no século XVIII, de acumulação do capitalismo selvagem; é uma terra de ninguém. Isso é triste porque a Constituição é muito clara em relação a isso e os três poderes do Estado não estão preocupados, de modo geral, com algumas exceções, com a situação.

Muitas pesquisas também têm apontado o custo para os trabalhadores exercerem suas atividades via plataformas, além dos riscos e desgastes do trabalho por demandas e longas jornadas. A partir da pesquisa desenvolvida por vocês, é possível vislumbrar saídas e busca de soluções para esses problemas?

Sim. O próprio Fairwork como pesquisa-ação propõe a regulamentação. Isso seria um primeiro passo civilizatório: regulações muito claras da relação entre capital e trabalho. Ou seja, o empregador reconhece que o trabalhador trabalha e tem direito ao trabalho e ao mínimo necessário para a sua sobrevivência. Esse é um aspecto do Fairwork. Portanto, estamos trabalhando em relação ao mínimo.

Outra questão é em relação às alternativas de trabalho. Por que temos que trabalhar para as plataformas globais que não têm nada a ver com o nosso país, que são dependentes de tecnologias estrangeiras, que são dependentes de outra legislação e são de outros países, mas comandam a lógica do trabalho em nosso território? Por que não criarmos plataformas alternativas, públicas, cooperativas, privadas? Seria muito importante para o Brasil ter um parque tecnológico para ampliar a circulação do capital entre os diversos entes empresariais e de conseguir melhores condições de trabalho para a sua população. Esse é o ponto que mais gostaríamos de ver avançar.

Como conceber políticas públicas para proteger esses trabalhadores? Que experiências de outros países poderiam nos inspirar?

Em termos de políticas públicas, temos feito um esforço no sentido de ampliar a nossa interlocução com a sociedade civil organizada, com o Ministério Público, o legislativo e os setores sindicais, como cooperativas e associações profissionais, porque todos esses entes juntos é que poderão buscar soluções minimamente mais adequadas para os trabalhadores. Nesse sentido, há deputados que estão propondo projetos de lei para regulamentar esse trabalho e setores do judiciário que estão estudando as possíveis formas de regulação a partir dos processos judiciais que são abertos. O movimento sindical também parece que está se abrindo e percebendo que em diferentes categorias é preciso prestar solidariedade a esses trabalhadores no sentido de que possam buscar seus direitos. A regulamentação é fundamental. Temos que reconhecer que essas pessoas são trabalhadoras dessas empresas e precisam ter contratos claros, explícitos, precisam de segurança no trabalho e, sobretudo, de um trabalho digno para sustentar a si e seus familiares.

Entre os apontamentos do relatório, está o de que “é preciso que o capitalismo reconheça o mínimo de dignidade no trabalho”. Gostaria que a senhora recuperasse e detalhasse essa ideia.

A lógica do capitalismo é esta: ele é o provedor, ou seja, o princípio, o meio e o fim de tudo. Ele não reconhece que sem o trabalho humano, concreto, ele não existe. Nós somos analistas de trabalho e, como analistas, enquanto atividade humana, a partir dos estudos das diferentes áreas do conhecimento, entendemos o trabalho como constitutivo do ser humano. Então, quando o trabalhador está trabalhando, ele está inteiro no trabalho, investindo todo o seu ser nisto. Isso é uma atividade humana e isso acontece em todo tipo de trabalho humano. O que estou querendo dizer é que essa dignidade do trabalho significa a dignidade humana, porque o ser humano trabalha em diferentes sentidos e atividades. O capitalismo, por sua vez, usa o trabalho para ter capital. Mas não existe capitalismo sem trabalho, enquanto existe trabalho sem capitalismo e sempre existiu desde que o mundo é mundo. É isso que precisamos ter claro. Não estou querendo me fazer de rogada, querendo dizer que o capitalismo pode ser bonzinho e não quer explorar o trabalho. Não. O capitalismo não existe sem explorar o trabalho. O que estou dizendo é que precisamos de uma regulação que reconheça a dignidade humana do trabalhador para termos um sistema capitalista e não esta selvageria que existe hoje, a barbárie.

Não podemos perder a dimensão de que o trabalho está ancorado na necessidade humana de ação, de realização, de criação. É daí que se estrutura o trabalho regulado, regulamentado, com finalidade. Nesse sentido, o Fairwork tem um papel importante de chamar a atenção da sociedade e, inclusive, das próprias plataformas, de que o que elas estão fazendo é barbárie. Nós podemos ser mais civilizados dentro do capitalismo.

É duro perceber que passamos a ter a necessidade de defender princípios básicos civilizatórios. O que está em jogo é a civilização.

Exato. É isso mesmo. Estamos em uma situação de mudança. A virada do início do século XXI, dessa reestruturação do mundo do trabalho, está ancorada na mudança paradigmática do próprio capitalismo, que, com as tecnologias, se transformou em um capitalismo plataformizado. Ou seja, as empresas globais atuam como plataformas, como se elas fossem apenas base de interação entre interesses e finalidades, mas regulando, formatando e impondo suas novas lógicas globais de relacionamentos e de legislação.

Hoje, uma plataforma como o Google tem mais poder de regularização, através dos seus termos de uso, do que a própria ONU. Veja a batalha da ONU para que os seus tratados sejam cumpridos pelos países membros. A própria guerra que está ocorrendo entre Ucrânia e Rússia é justamente porque os países não cumprem os acordos feitos. O que se cumpre são a regulação das grandes plataformas, porque, do contrário, não se tem acesso ao uso delas.

Qual deve ser o princípio central que deve nortear a relação entre trabalhador e plataforma?

O princípio central é o contrato porque nele está estabelecido como se dá a relação, ou seja, estão estabelecidas as normas do relacionamento: salário, condições de trabalho, jornada. O contrato é o eixo estruturante dessa relação. Quando a pessoa procura um emprego, o empregador informa quanto tempo ela irá trabalhar, qual será o salário, e a pessoa assina o contrato. Então, é exatamente isto que precisamos: contratos que determinem as condições claras e respeitem os direitos constitucionais dos trabalhadores brasileiros.

No final da década de 1990, a senhora pesquisou “o mundo do trabalho como mediação da comunicação”. Na época, como o campo da comunicação incidia (ou mediava) sobre as formas de trabalho? Que mudanças e transformações sociais sofremos até a realidade de hoje com a plataformização?

Nos anos 1990, minhas pesquisas eram em fábricas analógicas. Estudei empresas metalúrgicas que estavam passando pela reestruturação produtiva naquele período. Para analisar a implementação do trabalho digital, acompanhei outra empresa nos anos 2000. Ela deixou de ser uma grande empresa produtora de equipamentos pesados no Brasil para ser uma empresa de serviços, de inteligência. Analisamos essa transição e estudamos o papel da comunicação na adesão dos trabalhadores em relação a esse projeto. Mostramos como a comunicação foi fundamental para essa reestruturação porque ela é parte da racionalização dos processos de trabalho. De lá para cá, isso tudo só se aprofundou porque podemos dizer que todas as plataformas são meios de produção comunicacionais, que dependem da informação e dos processos de informação. Qual é a base material do iFood? É o seu algoritmo, a sua própria plataforma. Ou seja, as relações que se estabelecem a partir de uma infraestrutura digital. Então, esses processos comunicacionais estão a serviço da racionalização dos processos de trabalho e o campo da comunicação se renova. Para além dos estudos de mídia, busca ser um campo de compreensão das profundas relações da sociedade e das relações sociais.

Como o jornalismo vem constituindo seu discurso sobre o trabalho digital e plataformização do trabalho? Em que medida esse discurso contribui para a concepção de trabalhos pouco decentes?

A área do jornalismo também padece desse mal porque este também está plataformizado. Estou lendo um trabalho de iniciação científica de um aluno que está estudando esse tema. Ele mostra, a partir das entrevistas que realizou, que, nas redações, os processos e as lógicas de marcação do tempo, da opinião, da formatação da pauta, ocorrem em função do clique, a partir dos algoritmos de plataformas como Twitter, Google e Facebook. É a partir desses critérios que hoje se determina a estruturação de uma pauta ou como se escreve um texto. Ou seja, as pautas são pautas se podem ser identificadas pelo sistema de busca do Google. Então, tem uma nova forma de produzir o título, o vídeo da matéria, o tamanho do texto, o assunto que está mais propício a ser clicado.

Para esse trabalhador jornalista, a produtividade está relacionada a quantos cliques a matéria que ele produziu teve. Já ouvi relatos de alunos que foram demitidos porque não cumpriram a meta de cliques em suas matérias durante o mês. Isso mostra que o problema da plataformização não se dá apenas com trabalhadores entregadores ou trabalhadores mais pobres, que estão mais vulneráveis à vista da sociedade, mas a todos os trabalhadores da atualidade. Na área da comunicação, publicitários, jornalistas e relações públicas estão padecendo para terem jornadas de trabalho, salários e contratos estabelecidos. A questão do contrato é muito relevante porque este não é um problema somente do trabalhador que não é qualificado. Isso se generaliza na sociedade: médicos e advogados também estão enfrentando esse tipo de problema.

Para o jornalismo isso é muito mais grave porque nós, que acreditamos na democracia e no processo civilizatório, acreditamos que o jornalismo é um eixo estruturante dessa lógica. Mas quando ele passa a ser regulado pela lógica das plataformas, ele perde o seu poder e o eixo básico da sua estrutura deontológica, que é o seu papel de informar de acordo para que o cidadão possa se orientar na sociedade. Sei que isso não é novo para o jornalismo, porque sempre tivemos um jornalismo marrom, sensacionalista, mais vinculado à publicidade do que aos interesses sociais, mas, atualmente, podemos dizer que o jornalismo sério também está permeado pelas métricas das plataformas. Basta acompanhar os portais de informação para ver isso.

Fonte: IHU
Texto: João Vitor Santos e Ricardo Machado
Data original da publicação: 04/04/2022

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