O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de uma reunião virtual com representantes do governo e do legislativo espanhol para colher experiências sobre as mudanças trabalhistas implementadas no país europeu na última semana. Lideranças das centrais sindicais brasileiras, assim como do Partido dos Trabalhadores e da Fundação Perseu Abramo (FPA) também marcaram presença e dizem ter colhido boas ideias para o futuro próximo.
A intenção declarada por Lula e Gleisi Hoffmann, presidente do PT, desde o início da semana passada é estimular a discussão sobre a reforma trabalhista brasileira, sancionada por Michel Temer em 2017, tendo como modelo as medidas que já vigoravam na Espanha cinco anos antes.
Tanto lá quanto cá, a prometida geração de empregos nunca veio, mesmo antes da pandemia, e em nome da desoneração da folha de pagamento promoveu-se a precarização do trabalho, perda de direitos e instabilidade.
“Lá em 2016, e mesmo antes em várias outras tentativas de flexibilização, usavam o exemplo espanhol. Então nada melhor do que agora do que fazer o caminho inverso da precarização do trabalho e da superexploração”, comenta Edson Carneiro Índio, Secretário Geral da Intersindical presente à reunião: “O que eles fizeram na contrarreforma espanhola que é bastante positivo é impor a paridade salarial entre os contratos de terceirizados e contratados”.
Índio se refere a uma dentre várias mudanças colocadas em curso na Espanha após os acordos conduzidos pelo Partido Socialista Espanhol (Psoe) terem sido aprovados pelo conselho de ministros do país, no dia 28 de dezembro. Outras medidas centrais foram a revalorização dos acordos coletivos por intermédio dos sindicatos e o estímulo da contratação por prazo indeterminado, a fim de inibir os contratos de curta duração e a alta rotatividade em “bicos” ou contratações temporárias – uma realidade para cerca de 25% dos trabalhadores da Espanha, segundo dados do Eurostat (escritório de estatísticas da União Europeia).
“A lógica de flexibilização laboral está sendo reorientada para uma outra concepção de desenvolvimento, focada na geração de emprego e no crescimento dos salários e no desdobramento da proteção”, acrescenta o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, da Fundação Perseu Abramo, cuja sede abrigou os participantes brasileiros na reunião virtual.
Ele também reconhece que a simples revogação da reforma trabalhista brasileira não resolveria o problema, “pelo simples fato de que os ambientes de negócio mudaram muito desde o início do século, com menos participação da indústria e mais do setor de serviços”, explica. “É preciso imaginar um novo modelo de proteção para um mundo do trabalho que é muito diferente, onde a tecnologia da comunicação abre um universo de possibilidades que eram inéditas até bem pouco tempo”.
Sem vínculos nem direitos
Segundo dados revisados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho, o número de vagas com carteira assinada chegou a cair pela metade em 2020 com relação a 2019. Enquanto isso, a informalidade avançou aceleradamente até chegar ao patamar recorde de 25,2 milhões de pessoas em outubro do ano passado, de acordo com pesquisa nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Boa parte desse contingente encontrou no transporte de passageiros ou mercadorias uma alternativa para garantir ou ao menos implementar a renda familiar, uma categoria que cresceu vertiginosamente após o surgimento das empresas de aplicativo. Sem vínculos formais estabelecidos com essas empresas, milhões de brasileiros ficam à mercê do que o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) considera uma “relação de exploração” que passa à margem do olhar do poder público.
Valente é o autor de um PL convertido na lei 14.297 no dia 6 de janeiro, que traz medidas de proteção aos entregadores de aplicativo durante a pandemia, como a exigência de contratação de seguro, sem franquia, em benefício do entregador para cobrir acidentes que ocorram durante o período de retirada e entrega de produtos. O deputado se queixa da morosidade da tramitação na Câmara, mas comemora que a sua aprovação inaugurou a discussão mais ampla nas relações laborais.
O caso espanhol também serve de inspiração ao psolista, que cita “uma lei extremamente avançada” para o segmento implementada pela ministra do trabalho Yolanda Días, “criando vínculo de emprego, o que é contra tudo o que prega o neoliberalismo”. “Essas pessoas não são microempreendedores individuais ou autônomos, como querem fazer crer. (…) Aí chega no fim do mês, o cara não tem férias, não tem descanso e está disponível em tempo integral. Isso inclusive mascara os dados do desemprego e da informalidade”, dispara.
Mãos atadas
No bojo da reforma, a Justiça do Trabalho também se enfraqueceu e teve atividade reduzida. De acordo com relatório geral do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de 2018, último ano de publicação, a demanda processual caiu 21,1% em comparação com o ano anterior.
“Dentre esses pontos, o que teve maior interferência na redução das ações trabalhistas desde 2017 é a possibilidade do trabalhador ser condenado ao pagamento de custas, honorários periciais e honorários recíprocos”, destaca Tamires Torres Alves, advogada especializada em causas trabalhistas. Ela acredita que o número de processos deve subir agora, após decisão tomada pelo STF (Superior Tribunal Federal) em outubro que revogou a medida.
Como se não bastasse, no fim do ano passado, o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ) encomendou estudo de uma nova reforma trabalhista, realizado por um grupo instituído pelo Ministério do Trabalho e Previdência. Com a mesma justificativa de fomentar a geração de empregos, o projeto traz sugestões ainda mais draconianas aos trabalhadores, como a permissão de trabalho aos domingos, a legalização do locaute, que é a greve patronal, e o fim da multa de 40% do saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa.
“Seria um retrocesso de diversas maneiras, mas quanto ao FGTS é ainda pior, porque quando o trabalhador fica desempregado essa é a principal fonte de renda até que ele consiga um novo emprego”, ressalta Tamires.
Para Ivan Valente, as chances de aprovação de uma reforma como essa em ano eleitoral felizmente são remotas. Por isso, ele acredita que é preciso ganhar o debate e aproveitar o momento favorável com a eventual eleição de um “governo progressista, popular e democrático”: “Esse novo governo deve sim, na resposta imediata, revisar essa legislação que tem sido cruel e perversa com os trabalhadores”.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Alex Mirkhan
Data original da publicação: 17/01/2022