“A primeira coisa que escutei foi um estouro, depois disso o local onde eu estava começou a balançar muito e eu corri. Olhei para trás e vi meus colegas sendo soterrados e eu não podia ajudar”. Passados três meses, a cena do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão ainda é latente na memória do armador Luiz Sávio Castro, de 60 anos. Hoje o sobrevivente do maior acidente de trabalho do Brasil convive entre o alívio por ter escapado da lama e a sensação de impotência pela perda dos companheiros.
Quando a barragem se rompeu, os primeiros alvos dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram as instalações da mineradora e o refeitório da empresa, que estavam no pé da barragem, matando mais de 200 funcionários. A tragédia se tornou o maior acidente de trabalho do Brasil, ultrapassando o desabamento de um pavilhão de exposições no Gameleira (BH), que também aconteceu em Minas Gerais, em 1971, e deixou 75 mortos.
O rompimento da barragem da Vale revela uma informação triste sobre o Brasil: quando se trata de fatalidades envolvendo trabalhadores, o país se destaca. Segundo o Observatório Digital Saúde e Segurança do Trabalho, a cada 3 horas é registrada uma morte por acidente de trabalho no Brasil. A cada 48 segundos acontece um incidente com trabalhadores. Um balanço da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que, por ano, 321 mil pessoas morrem em acidentes de trabalho e o Brasil é o 4º colocado nesse ranking.
O setor mineral tem destaque de peso nesse ranking. Segundo levantamento do extinto Ministério do Trabalho, o setor mineral é o que mais mata trabalhadores no país. “As estatísticas mostram que em 2017 a taxa de mortalidade de trabalhadores na indústria extrativa mineral foi superior aos demais setores de atividades em 2,6%”, afirma Mário Parreiras de Farias, auditor fiscal do trabalho.
Outro auditor, Marcos Botelho, lembra que a terceirização irrestrita, aprovada no governo de Michel Temer, tende a dificultar o acompanhamento dos trabalhadores dentro das empresas. “Para a fiscalização o ideal seria que todos os trabalhadores estivessem numa mesma empresa. Pulverizado, dificulta o nosso acompanhamento. Além da questão da rotatividade desses trabalhadores, que é estimulada pela terceirização, e que também é um problema para a auditoria,” pontua.
Empresas negligentes
A advogada popular Juliana Benício Xavier, integrante da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, discorda do termo “acidentes” de trabalho, pois, para ela, os casos são fruto da negligência dos empregadores. “As empresas sempre minimizam custos em saúde e segurança, reduzem salário e aumentam jornadas de trabalho. Esses ingredientes juntos são um explosivo. Não dá para a gente sair de uma receita dessa sem que alguma coisa nefasta aconteça”, critica.
Desmonte trabalhista
De um lado escassez de investimentos em saúde e segurança do trabalhador, de outro a reforma trabalhista. Num cenário em que a taxa de desemprego é de 12,4%, a condição dos trabalhadores dentro das empresas se torna cada vez mais vulnerável. “A reforma trabalhista veio para legitimar ainda mais essa superioridade do poder econômico e para subjugar os trabalhadores. A reforma aumentou o ritmo de trabalho do brasileiro, deixando-o mais frágil e mais exposto a acidentes”, avalia Juliana.
A reforma trabalhista também criou a chamada tarifação do dano, que faz uma gradação dos acidentes de trabalho de leve a gravíssimo (que é a morte do trabalhador). Essa tarifação estabelece um valor máximo de indenização por morte, que é de 50 vezes o valor do salário que a vítima recebia quando faleceu. No caso de Brumadinho, por exemplo, a família de um técnico que tenha morrido vai receber um valor menor de indenização do que a família de um médico da empresa, porque o cálculo é baseado no salário das vítimas.
Para Juliana Benício, a lógica da reforma é extremamente cruel com os trabalhadores. “Como que você fala para uma pessoa que a vida do parente dela vale menos do que a vida do outro trabalhador? Nós estamos falando de vida humana, isso não tem como tarifar”, argumenta.
Por causa da reforma trabalhista as famílias dos trabalhadores mortos em Brumadinho devem receber valores menores do que as famílias dos trabalhadores de Mariana, já que o rompimento da barragem de Fundão aconteceu antes de a reforma entrar em vigor. “Depois da reforma é muito mais interessante para a Vale reconhecer vínculos empregatícios das vítimas porque é mais barato para ela pagar a indenização de um trabalhador morto do que de um turista, por exemplo. Essa é a lógica que está por trás da reforma trabalhista, é mais barato matar um trabalhador”, denuncia Juliana Benício.
Fonte: Brasil de Fato
Texto: Amélia Gomes
Data original da publicação: 24/04/2019