Resistência a retrocessos no Direito do Trabalho é o desafio do momento, diz Mauro Menezes

Para Menezes, é preciso ter sempre presente que o trabalhador é vetor principal das normas trabalhistas. Fotografia: Charles Soveral/DMT

por Charles Soveral

O trabalhador não deve ser visto como um peso, um ônus ou mesmo um estorvo para o ambiente produtivo em nome de uma “modernização” da legislação que visa eliminar custos para tornar a economia mais competitiva. A opinião é do advogado Mauro Menezes, diretor-geral do Escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, com sede principal em Brasília, que proferiu palestra na última quinta-feira (16/06) à noite na abertura do XXXI Congresso Estadual da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas do Rio Grande do Sul (AGETRA-RS), em Porto Alegre.

Para o advogado, essa visão é um verdadeiro absurdo, além de ser inconstitucional. Menezes lembra que, assim como aconteceu no final do século XX,  o mundo está vivendo uma nova onda de liberalismo que pode provocar retrocessos em todo mundo e também no Brasil.

“Na França, trava-se uma luta que certamente terá reflexos em toda a Europa e no resto do mundo. A reforma trabalhista francesa pretende promover um retrocesso importante em um país que consideramos paradigma em legislação. A França conquistou, ao longo da história, grandes avanços com a regulação do trabalho, do direito coletivo e da jornada de trabalho que agora estão ameaçados com retrocessos que cercam inclusive as indenizações trabalhistas, além da flexibilização das normas protetoras do trabalhador”, afirmou.

Citando a crise humanitária dos imigrantes que sacode a Europa, Menezes lembrou que aquele continente, após crises e guerras, desenvolveu uma legislação protetiva aos trabalhadores e imigrantes. “Já no preâmbulo do Tratado de Versalhes (1919) havia um dispositivo que preconizava a igualdade de direitos entre os imigrantes e os nacionais. A atual crise da imigração e a maneira como a Europa absorverá estes trabalhadores, estas pessoas em busca desesperada de sobrevivência e de trabalho, provavelmente vai condicionar o  padrão humanitário e civilizatório que será aplicado em todo o mundo, não apenas aos imigrantes, mas aos trabalhadores vulneráveis de uma forma geral”, alertou.

Sobre as recentes mudanças na política institucional brasileira, o advogado ressaltou que as perspectivas para o Direito do Trabalho no país são sombrias em decorrência de uma adequação da legislação brasileira às normas de produção. Tais normas preconizam um estado mais “competitivo” e com baixo custo de produção.

Menezes citou alguns ministros do governo interino que já manifestaram publicamente a intenção de promover mudanças na legislação trabalhista.  “O ministro Henrique Meirelles, por exemplo, um mês antes de tomar posse, ao falar para um seleto grupo de investidores, ofereceu a sua receita para o Brasil: reforma da Previdência, fim das amarras trabalhistas, desindexação do salário mínimo e cortes nos seguro desemprego”, disse.

Lembrou que a mesma posição é compartilhada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que em entrevista para imprensa divulgou uma ideia positiva a respeito da terceirização e defendeu que muitas coisas “seguram” a geração de novos empregos, levando os investimentos internacionais a procurar outros países.

Como alento a situação atual, o advogado citou documento público assinado por 19 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que neste mês declarou “este não pode ser o momento para a omissão” e já em seu primeiro parágrafo aponta que o sistema ou modelo trabalhista de proteção existe para funcionar justamente “como um limite, um mínimo da dignidade, um mínimo civilizatório no momento de crise”. Menezes ressaltou que se não fosse assim seria muito fácil. Não haveria norma constitucional ou legal. Menezes ressaltou que, se não fosse assim, seria muito fácil. Não haveria norma constitucional ou legal.

Ele lembrou ainda que o contexto social so b a perspectiva de uma legislação “flexível” como está sendo proposto amplifica a tensão entre o individual e o coletivo. A perspectiva que emerge de acordos extrajudiciais e de outras soluções fazem com que o trabalhador renuncie direitos.

Menezes destacou que, em pleno século XXI, não é possível dimensionar o econômico destituído de seu caráter social ou dimensionar a propriedade sem levar em conta a sua função social. “São elementos que nos remetem mais uma vez à história do Direito do Trabalho, nos remetem a uma tensão, como frisava o professor Manuel Carlos Palomeque Lopez, para quem o Direito do Trabalho é como uma categoria cultural, produto de um ambiente conflitivo em que a emergência dos direitos não vem como uma concessão, vem como resultado de uma luta e essa luta pode e deve ser o veículo principal do enfrentamento em um momento como esse”.

O advogado concluiu afirmando que o liberalismo ressurge como ressurgiu nos anos 1990 e que agora existe a perspectiva de se reconectar com os valores essenciais do Direito do Trabalho. “São estes valores que vão nos guiar. O Direito do Trabalho é um direito dos princípios, não pode ser diferente. Em todos os documentos desde o Tratado de Versalhes, a Declaração de Filadélfia, as constituições do século XX, a nossa Constituição de 1988,  estão os paradigmas que devem nortear o Direito do Trabalho e combater retrocessos como a terceirização, por exemplo, que é uma forma de debilitação do contrato de trabalho, de desestruturação do modelo de proteção social, de eliminação da perspectiva de existência de um vínculo essencial que dê dignidade ao trabalhador. É preciso ter sempre presente que o trabalhador é vetor principal das normas trabalhistas”.

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