Hoje choramos a morte de Dom e Bruno. Já choramos muitas outras mortes. Mas, nesse projeto de país, há esperança!
Maria Regina Paiva Duarte
Fonte: Sul 21
Data original da publicação: 22/06/2021
A luta pela preservação da Amazônia é fundamental para que nós e as futuras gerações possamos seguir vivendo. Não há dúvidas que a exploração desenfreada dos recursos naturais e dos minerais, o avanço de grandes empresas madeireiras e mineradoras na região e a falta de fiscalização do setor público, trazem sérias consequências, não só para as comunidades do entorno.
As mortes do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira chocaram o país e a comunidade internacional. E que faziam esses dois homens cujas vidas foram ceifadas? Cuidavam, protegiam a floresta, a biodiversidade, as pessoas, a Amazônia, que precisa ser cuidada e protegida.
A destruição do meio ambiente na região, que afeta todo o planeta, é visível. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o número de queimadas na Amazônia atingiu o maior nível em 18 anos: 2.287 focos, 96% a mais que o mesmo período em 2021. O desmatamento da Amazônia, entre os dias 1º e 29 de abril foi de 1.013 km², 74,6% superior ao registrado no mesmo mês, em 2021. No mês de maio, foram 1.476 Km² de vegetação perdida, uma área um pouco menor que a cidade de São Paulo.
Segundo matéria do G1, “dados oficiais mostram que, entre agosto de 2020 e julho de 2021, a Amazônia brasileira perdeu 13.235 quilômetros quadrados de vegetação, a maior área degradada em doze meses registrada nos últimos quinze anos”.
O problema não atinge somente a Amazônia. Ainda segundo o INPE, no cerrado houve 3.578 incêndios, um aumento de 35%, percentual mais alto para o mês de maio desde que começaram as medições, em 1998.
A Mata Atlântica, na costa brasileira, é outra região fortemente atingida pela destruição humana. Segundo a organização SOS Mata Atlântica, o desmatamento da região aumentou 66% no ano passado.
São dados que impressionam e que se tornaram mais evidentes após as mortes dos dois ativistas. Mortes a que não podemos ficar indiferentes, assim como a outros ataques aos indígenas, queima de aldeias, perseguição e estupro de mulheres e meninas, que levam a mortes também.
Não podemos ficar inertes. É preciso resgatar o Brasil dessa destruição, acelerada nos últimos cinco anos. Na Amazônia ou nas favelas do Rio de Janeiro, as chacinas acontecem frequentemente. Mudam os cenários, mas a tragédia se repete.
O Boletim Desigualdade nas Metrópoles, divulgado recentemente ao portal G1, diz que 25% da população das metrópoles vive em situação vulnerável, com renda de no máximo ¼ do salário mínimo e que o rendimento médio do brasileiro teve queda recorde em 2021 e atinge o menor valor em dez anos. As cidades, que concentram a grande maioria da população brasileira, estão gritando.
Necessitamos um projeto de país, com desenvolvimento e crescimento que melhore a vida da maioria da população, onde quer que estejam. As comunidades amazônicas não podem ficar à mercê de grileiros, garimpeiros ou das grandes empresas transnacionais, que exploram recursos naturais e pagam poucos tributos porque exportam quase tudo que extraem. É uma exploração sem valor agregado nenhum e que muito pouco deixa para os Estados, como apontam estudos do Instituto Justiça Fiscal (IJF) sobre o setor da extração do minério de ferro.
Nos centros urbanos, é preciso investir em transporte público, obras de saneamento básico, fornecimento de água tratada, construção de moradias. É chocante pensar que seis milhões de brasileiros e brasileiras não dispõem de banheiro em suas casas; que aproximadamente 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e que quase 100 milhões de brasileiros não dispõem de coleta de esgoto.
Esse projeto de país precisa de políticas industriais, de tecnologia de ponta, de uma grande atuação do Estado para gerar empregos, movimentar a economia e aquecer o mercado para gerar mais empregos e mais renda. Precisa oferecer alternativas e oportunidades concretas de uma vida melhor.
Enfrentar a questão da desigualdade, da concentração de riqueza é urgente. Portanto, precisa de recursos obtidos da tributação dos super-ricos, distribuindo mais renda e riqueza. Não por acaso o número de bilionários brasileiros aumentou e, ao mesmo tempo, mais gente foi jogada na pobreza. A insegurança alimentar está à nossa volta, o número de pessoas passando fome subiu. Quando conseguem alimentos, não conseguem comprar o gás para cozinhar. E, para piorar, a inflação corroendo os salários, afetando muito mais os mais pobres.
A questão climática é outro tema que precisa ser colocado nesse projeto, por questão de sobrevivência, assim como o racismo e a desigualdade de gênero. Estes, longe de serem “pautas identitárias”, fazem parte deste grande projeto de país, em que pensamos a melhoria das condições de vida para todas as pessoas.
Estamos à beira de um colapso social. Hoje choramos a morte de Dom e Bruno. Já choramos muitas outras mortes. Mas, nesse projeto de país, há esperança!
Maria Regina Paiva Duarte é presidenta do Instituto Justiça Fiscal e da coordenação da Campanha Tributar os Super-Ricos