No dia da votação do projeto de “reforma” trabalhista, o PLC 38, o juiz Jorge Luiz Souto Maior escreveu em seu blog sobre a iminência de um juízo final. Aprovado o texto no Senado, isso não aconteceu, apenas “juízos de valor claramente expostos”, avalia o juiz, para quem a história continua, mas a derrota não pode ser menosprezada. “Tem de tudo (o projeto). Centralmente, eu diria que é uma demonstração de poder do capital de colocar a classe trabalhadora e os movimentos sociais num grau de rebaixamento.”
Essa reação tem precedentes históricos, observa o magistrado. “Em cada momento em que a classe trabalhadora se reorganiza e cresce, há um movimento de retrocesso. Você verifica isso na década de 30, na década de 60 e agora.”
Faz parte dessa demonstração de poder o ataque à Justiça do Trabalho, que, segundo Souto Maior, vinha “atuando concretamente numa linha ascendente, jurisprudencialmente falando, no sentido de assegurar direitos”. Não inventar direitos, aponta, mas recuperar dispositivos constitucionais “esvaziados” após a onda neoliberal dos anos 1990. “O que a Justiça do Trabalho vinha fazendo, e de forma limitada, é aplicar a Constituição”, afirma.
A atuação do Judiciário desagradava o capital, que “quer uma intermediação dentro dos limites de seu interesse”, acrescenta o juiz. Segundo ele, se nada for alterado, o acesso do trabalhador à Justiça será dificultado pela imposição de custos processuais. “Claramente favorece o que já é a prática corrente na realidade, que é a não aplicação do Direito.”
Expressão repetida durante todo o processo de tramitação do projeto, para justificá-lo, “modernização” é mera frase de efeito, diz o magistrado. Uma medida que “incentiva uma negociação individual sem limites legais não tem nada de moderno, cronologicamente falando”. Isso era o que existia antes da existência de uma legislação trabalhista, lembra. “A intervenção do Estado (via Justiça do Trabalho) é fruto do reconhecimento desse efeito da liberdade contratual.”
Ele também contesta o argumento de uma suposta atualização da lei às condições de trabalho. “Fala-se muito na questão da revolução tecnológica, mas isso já está regulado na CLT”, afirma o juiz, para quem o texto visa a permitir a exploração do trabalho também nessa área de atuação. “O que fez com essa questão, juridicamente falando, foi se aproveitar da tecnologia para aumentar a exploração.”
No texto, Souto Maior afirma que aqueles defensores do projeto como instrumento de criação de empregos não leram o texto. “Ao ampliar as possibilidades de ajustes individuais entre empregados e empregadores a reforma retoma a lei de locação de serviços, que vigorou no Brasil a partir 1830 e que foi mundialmente superada desde o compromisso assumido no pós-guerra, no Tratado de Versalhes, em 1919.”
“Ao criar o trabalho intermitente, possibilitar a terceirização na atividade-fim das empresas e possibilitar a permitir a redução de direitos via negociação coletiva, notadamente no que se refere à ampliação da jornada de trabalho, a “reforma” impulsiona a transposição de empregos efetivos para empregos precários, com menor remuneração (e prejuízo para o consumo) e maior vulnerabilidade dos trabalhadores, sobretudo em ambiente de desemprego estrutural, potencializando as más condições de trabalho que induzem ao assédio moral, às doenças e aos acidentes de trabalho, que geram, além disso, enormes custos previdenciários, o que se agrava com a completa despreocupação com a proteção da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho, reduzindo-se, ainda, sensivelmente, as possibilidades de reparação por danos pessoais experimentados pelos trabalhadores nas relações de trabalho precarizadas”, argumenta.
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Vitor Nuzzi
Data original da publicação: 12/07/2017