Sete entidades de classe ligadas ao direito trabalhista, entre elas a Anamatra, divulgaram na segunda (5/6) nota técnica conjunta sobre o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/2017, que trata da reforma trabalhista, em tramitação no Senado Federal. No documento, as Associações posicionam-se frontalmente contra o projeto e ao parecer do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e afirmam que a proposta atual fortalece as fraudes, fomenta vínculos precários e empregos sem qualidade, retira ou permite a retirada de direitos, permite a renúncia de direitos pelos sindicatos, entre outros problemas. “A pretensão de uma reforma como a proposta é na verdade tornar lícitas condutas vedadas pela CLT e pelas Convenções Internacionais, esvaziando o conjunto mínimo de proteções ao trabalhador”, alertam as associações.
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NOTA TÉCNICA CONJUNTA A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – ABRAT, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, a Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas – ALAL, a Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho – ALJT e a Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA vêm apresentar ao Senado Federal e à sociedade brasileira NOTA TÉCNICA acerca do Projeto de Lei da Câmara nº 38 de 2017, que altera especialmente a Consolidação das Leis do Trabalho e também as Leis nº 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, supostamente com o fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. O PLC nº 38/2017, conhecido como Reforma Trabalhista, tramita atualmente no Senado Federal, após sua aprovação, como Projeto de Lei nº 6.878/2016, na Câmara dos Deputados no final do mês de abril do corrente ano. A Reforma Trabalhista, encaminhada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo no dia 23 de dezembro de 2016, trazia, em seu texto inicial, autuado como PL 6787/2016, tão somente a modificação de 7 artigos da CLT e de 8 artigos da Lei nº 6.019/1974, tendo como objetivo inicial alterações legislativas no trabalho a tempo parcial, na representação dos trabalhadores perante as empresas, nos limites do negociado prevalecer sobre o legislado para reduzir direitos e no trabalho temporário. Após poucos meses de efetiva tramitação (especialmente março e abril de 2017), com a realização de audiências públicas no âmbito da Comissão Especial destinada a proferir parecer sobre referido projeto, o texto substitutivo foi votado e aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados com uma alteração muito mais drástica e perniciosa da legislação trabalhista, modificando cerca de 100 artigos da CLT e alterando mais de 200 dispositivos, que desconstroem totalmente o espírito das relações trabalhistas e do Direito do Trabalho no Brasil, encontrando-se atualmente em tramitação no Senado Federal. Ao contrário do alegado inicialmente pelo Governo Federal e pelos parlamentares defensores da referida proposta legislativa, que afirmam que essa Reforma Trabalhista tem como principais objetivos a criação de empregos, a consolidação de direitos e o implemento da segurança jurídica nas relações de trabalho, as entidades signatárias, com sua expertise e atuação cotidiana na área, vêm, por meio desta nota técnica, comprovar que, da forma aprovada pela Câmara dos Deputados, a reforma, na realidade, aumentará os níveis de desemprego, diminuirá a qualidade dos empregos no mercado brasileiro, reduzirá direitos e fomentará o descumprimento da legislação trabalhista e, por fim, aumentará a insegurança jurídica nas relações trabalhistas. Após intensa leitura e debate das entidades signatárias sobre o texto do PLC 38/2017, verificamos que a proposta de Reforma Trabalhista segue uma perversa lógica: a) ao invés de combater o descumprimento da legislação trabalhista, dificulta o acesso à justiça pelo trabalhador; b) ao invés de buscar a prevenção de acidentes do trabalho, limita as indenizações por dano extrapatrimonial (moral, estético e existencial) desses infortúnios; e c) em nenhum momento, o projeto garante alguma regra para manutenção dos empregos daqueles que já estão empregados. A proposta em comento cria um cardápio de contratos de trabalho e de emprego precários, facilitando a redução da proteção social dos trabalhadores brasileiros e fomentando a mera substituição dos contratos de trabalho a tempo indeterminado (com mais proteção e mais direitos) por contratos fraudulentos, por contratos temporários e por contratos de trabalho em que o empregado pode receber abaixo do salário mínimo mensal. E escorada nos argumentos de que o texto visa a modernização da legislação, o crescimento da economia, a geração de empregos e a diminuição da litigiosidade no mundo do trabalho, revelou-se a proposta de reforma trabalhista, em verdade, um instrumento de redução expressiva da proteção trabalhista, que, se aprovada, causará um abalo sísmico sobre os alicerces do Direito do Trabalho. DA FALTA DE DEBATE DEMOCRÁTICO E APROFUNDADO Não há dúvida alguma de que há um enorme déficit democrático em torno da discussão da proposta, pois ela é fruto da total ausência de um debate social amplo, especialmente entre os trabalhadores brasileiros, que serão os principais atingidos pelas profundas mudanças na legislação trabalhista. Como já afirmado pelo Ministério do Trabalho, o PL 6787/2016 Executivo foi gestado sem a efetiva participação dos trabalhadores na sua discussão, em claro descumprimento às Convenções nºs 144 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas ratificadas pelo Estado Brasileiro, que preveem a necessidade de discussão entre as representações dos trabalhadores e dos empregadores e os Estados quando da apresentação de propostas que possam modificar o ordenamento jurídico laboral. E nem se alegue que essas discussões foram feitas perante a Câmara dos Deputados nas audiências públicas realizadas na Comissão, pois o Senhor Relator do PL 6787, Deputado Rogério Marinho, praticamente não acatou quaisquer das inúmeras ponderações e sugestões feitas por estas e outras entidades e instituições, incluindo em seu relatório apenas normas que prejudicam os trabalhadores e retiram direitos e proteções hoje existentes. Ademais, a maior parte dos temas e dispositivos constantes do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados não foi sequer mencionada, tampouco objeto de debate naquela Casa. A proposta de Reforma Trabalhista em trâmite perante o Senado Federal tem, em nossa concepção, a intenção de precarizar o trabalho, aumentando os ganhos do capital a partir da redução de direitos dos trabalhadores. Cabe ressaltar, desde já, que a tramitação do PLC 38/2017 também tem sido feita de modo totalmente açodado pelo Senado Federal, pois o Senador Ricardo Ferraço, relator do projeto em duas das comissões pelas quais PLC tramita (CAE e CAS), apresentou parecer mantendo, na íntegra, o texto aprovado na Câmara dos Deputados, mesmo discordado de vários pontos, com o absurdo posicionamento pelo veto e pela edição de medidas provisórias sobre algumas matérias ali constantes, como o trabalho intermitente, a jornada 12×36 e o trabalho da gestante ou lactante em ambiente insalubre. Se discordava de vários pontos do projeto, o mínimo que Sua Excelência, o Senador Ricardo Ferraço, deveria fazer, em respeito à seu mandato, seria apresentar voto com essas modificações e não abrir mão da prerrogativa do Senado Federal de legislar, repassando essa tarefa para o Poder Executivo. Mostram-se a seguir as razões pelas quais as Entidades signatárias desta Nota são contrárias à pretendida mudança na legislação trabalhista, sempre com o objetivo de demonstrar que esta “Reforma”, além de retirar direitos dos trabalhadores, dificultar o acesso à justiça e trazer insegurança jurídica, não criará empregos no mercado de trabalho brasileiro, fortalecendo fraudes nas relações de trabalho. REFORMA FORTALECE FRAUDES O texto atual do PLC nº 38/2017 fomenta fortemente a prática de fraudes nas relações de trabalho. A sua redação atual, conjugada com a redação vigente da Lei nº 6.019/74 (modificada recentemente pela Lei nº 13.429/2017), permitirá que trabalhadores com carteira de trabalho assinada e vínculo de emprego formalizado sejam demitidos e recontratados como falsos trabalhadores autônomos e como falsas pessoas jurídicas, prestando o mesmo tipo de serviço e com a presença dos elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego. Vejamos a redação do artigo 442-B do PLC 38/17: “Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.” A proposta possibilita a existência da figura do autônomo prestando serviços em regime de exclusividade, ou seja, a um só tomador do seu serviço, e de forma contínua, o que certamente fará com que empregados sejam dispensados e recontratados como falsos autônomos, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, ou seja, com a presença dos elementos configuradores da relação de emprego. Sabe-se que o trabalhador autônomo não possui contrato de trabalho registrado em sua CTPS, não possuindo, portanto, grande parte dos direitos previstos no artigo 7º da Constituição Federal, tais como salário mínimo, férias, 13º salário, FGTS, jornada de trabalho, horas extras, dentre outros. A condição de autônomo, no âmbito das relações de trabalho regidas pela CLT, é a exceção ao contrato de trabalho e a própria negação deste. No dispositivo em destaque, o autônomo é tratado como categoria, que existe, mesmo que apenas formalmente, pois se caracterizará ainda que o trabalhador trabalhe de forma contínua e com exclusividade para um determinado empregador. Ademais, ao remeter-se a “cumpridas as formalidades legais” nada expressa sobre o que seria característico do autônomo. Ao contrário, infere-se do texto proposto que mesmo diante do elemento da não eventualidade da prestação de serviço, da onerosidade, requisitos legais do contrato de trabalho, e com a existência de subordinação, o trabalhador contratado como autônomo, e só por isso, não será reconhecido como empregado. Assim, o artigo 442-B, além de contrariar o princípio da primazia da realidade, que informa o direito do trabalho, atinge também o disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que garante o acesso à justiça, pois obsta o reconhecimento da condição de empregado ao trabalhador contratado como autônomo, ainda que caracterizada, na realidade, a relação de emprego, nos termos do art. 3º da CLT. Fere, ademais, o art. 7º, inciso I, da Constituição, que assegura a trabalhadores urbanos e rurais a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”, na medida em que retira o próprio direito à relação de emprego e seus consectários do trabalhador contratado como autônomo, ainda que este trabalhe em regime de não eventualidade e com exclusividade para o empregador. Exclui o trabalhador da proteção trabalhista, prevista nos incisos do art. 7º da Constituição, e também da Previdência Social. Daí a sua inconstitucionalidade. Da mesma forma, a proposta possibilita, com a ampliação da prestação de serviços em todos os tipos de atividades da empresa, inclusive a sua principal, que empregados sejam dispensados e passem a prestar os mesmos serviços como falsas pessoas jurídicas, precisando para isso cumprir tão somente os seguintes requisitos: inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, registro na junta comercial e um capital de R$ 10.000,00 (dez mil reais), podendo, nesse caso, prestar serviços sozinho ou com até dez empregados. REFORMA FOMENTA VÍNCULOS PRECÁRIOS E EMPREGOS SEM QUALIDADE Do teor do PLC 38/2017 extrai-se, também, o estímulo à substituição dos contratos por prazo indeterminado, que têm garantias mínimas legais, por vínculos precários e empregos sem qualidade, como os contratos a tempo parcial e o intermitente. Além disso, permite a mais ampla e indiscriminada terceirização e o trabalho temporário sem os requisitos hoje existentes, propiciando, assim, a alta rotatividade para o mercado de trabalho brasileiro. Da terceirização O art. 2º do PLC 38/2017 promove a alteração da Lei nº6019/74 fixando no art. 4º-A desta lei a ampla e indiscriminada permissão para a terceirização de serviços em benefício das empresas tomadoras de serviços. O trabalhador brasileiro conhece os problemas da terceirização e que ela representa apenas lucro para o patrão no fim do mês. Em nada beneficia o trabalhador! O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). A terceirização também provoca desemprego, sendo seu índice de rotatividade no mercado de trabalho quase o dobro dos empregados diretamente contratados (33% x 64,4%). Terceirizados trabalham 3 horas a mais por semana, em média, do que contratados diretamente. Com mais trabalhadores fazendo jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores. Se o processo fosse inverso e os terceirizados passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os contratados, seriam criadas 882.959 novas vagas de emprego, segundo o Dieese. A terceirização também cria uma verdadeira fábrica de acidentados no Brasil. Os trabalhadores terceirizados são prejudicados porque as empresas de menor porte não têm as mesmas condições econômicas das grandes para garantirem segurança na atividade de trabalho. Além disso, elas recebem menos cobrança para manter um padrão de segurança e saúde, equivalente ao seu porte. Na Petrobrás, por exemplo, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. Os trabalhadores terceirizados são os que sofrem mais acidentes. Hoje em dia, a terceirização do trabalho, ainda que bastante utilizada pelas empresas para superexplorar a mão-de-obra, não é autorizada de forma irrestrita. Ela é permitida em algumas atividades, especialmente em serviços de vigilância e limpeza. O que o Projeto de Lei nº 38/2017 prevê é a possibilidade de terceirização ser utilizada largamente em qualquer contrato de trabalho e sem quaisquer garantias para os trabalhadores terceirizados, sobretudo de isonomia de direitos com o empregado da empresa tomadora de serviço, oficializando o tratamento discriminatório entre empregados diretos e terceirizados. Não se trata de modernização. Trata-se da retirada de direitos e de retrocesso. Nem a responsabilidade solidária é garantida a este trabalhador que, se sofrer calote, o que é muito normal dentre empresas terceirizadas, terá que acionar na Justiça do Trabalho primeiro sua empresa formalmente empregadora para só depois poder atingir o patrimônio da empresa tomadora dos seus serviços. Do contrato a tempo parcial Propõe o PLC 38/2017 alterar a CLT para flexibilizar contratos que possibilitem pagamento abaixo do salário mínimo, passando a considerar regime de tempo parcial de trabalho (art. 58-A/CLT) aquele cuja duração seja de trinta horas semanais, sem possibilidade de horas extras semanais, ou aquele com jornada de vinte e seis horas semanais ou menos, que pode ser suplementado com mais seis horas extras semanais. Hoje a CLT fala em até vinte e cinco horas semanais, o que equivale a cerca de 57% da jornada do contrato a tempo integral (considerada a jornada semanal de 44 horas). Com esse acréscimo de tempo de jornada nos contratos a tempo parcial, esse tipo de contratação passaria a contemplar jornadas que correspondem a até 73% da jornada admitida no contrato a tempo integral, desnaturando, ao aproximar a jornada dessas duas espécies de contrato, o próprio contrato a tempo parcial e fomentando a substituição de empregados para esse tipo de contratação. Do trabalho intermitente ou contrato a zero hora Nos termos da redação dada ao artigo 443 da CLT pelo PLC 38/2017, o contrato de trabalho poderá ter como objeto a prestação de trabalho intermitente. O projeto em análise define como intermitente “o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” Nesta modalidade de contrato de trabalho, o trabalhador só trabalha e recebe remuneração quando chamado pela empresa, não havendo garantia de jornada mínima e de renda mínima. Assim, ao contrário do que ocorre no sistema vigente, em que o tempo à disposição da empresa é pago ao trabalhador, o trabalhador poderá trabalhar algumas horas em uma semana, em um mês, em um ano, fazendo jus apenas às horas efetivamente trabalhadas. Dessa forma, poderá nada receber ou auferir remuneração inferior ao salário mínimo, em flagrante ofensa ao disposto no art. 7º, inciso IV, da Constituição, segundo o qual trabalhadores urbanos e rurais têm direito ao salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, que deve ser suficiente para atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família. Além disso, o pagamento de direitos como 13º salário, férias, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e repouso semanal remunerado será sempre proporcional às horas trabalhadas, sendo que o trabalhador não terá qualquer garantia de que será contatado pela empresa para trabalhar, nem quando, nem por quantas horas. Trata-se de uma situação de total insegurança que impede o trabalhador de ter a previsibilidade da remuneração que ganhará para pagar as contas do mês. Tampouco poderá esse trabalhador, em jornadas intermitentes, assumir uma dívida para comprar a casa própria, por exemplo. A prestação de trabalho intermitente iguala o trabalhador a uma máquina, que é ligada e desligada conforme a demanda. Além de transferir o risco da atividade para o trabalhador, o trabalho intermitente indiscriminado, porque independe do tipo de atividade do empregado e do empregador, ofende frontalmente o art. 1º da Constituição, que em seu inciso IV estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito o valor social do trabalho. Também o princípio da valorização do trabalho humano, em que se funda a ordem econômica, resta violado no texto do art. 170 da Constituição Federal. E tornando esse tipo de relação de trabalho ainda mais precária, impõe-se ao trabalhador o pagamento de multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, caso, depois de aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, não possa trabalhar. Trata-se, em verdade, da “formalização” e institucionalização do popularmente conhecido “bico” ou “biscate”. As empresas eliminam o custo com o contrato de trabalho formal, digno, lançando mão da força de trabalho dos muitos trabalhadores que terão à disposição somente quando houver demanda para tanto. Tal medida visa, certamente, baratear os custos das empresas, o que seria legítimo não fosse fundada na retirada de direitos e precarização das relações de emprego. A jornada intermitente contraria, portanto, tudo o que o direito do trabalho preconiza, negando a própria razão de existir deste. Ademais, não há qualquer dispositivo no PLC 38, nem no voto do relator Senador Ricardo Ferraço que garanta a manutenção dos atuais níveis de emprego para se utilizar mão desta contratação, de modo que nada impede que, após aprovada e sancionada essa Reforma Trabalhista, trabalhadores como garçons, cozinheiros, vendedores, por exemplo, sejam demitidos do contrato de trabalho a prazo indeterminado para serem recontratados como trabalhadores intermitentes, sem quaisquer garantias de renda e com grande possibilidade de receber menos do que o salário mínimo mensal. Do teletrabalho Da mesma forma, o teletrabalho, que poderia representar, no mundo tecnológico de hoje, uma modalidade de trabalho atrativa e interessante para o trabalhador, tal como colocada, se apresenta como mais um instrumento de flexibilização da relação de trabalho sem contrapartida, de transferência do risco da atividade para o trabalhador, e em síntese, de retirada e sonegação de direitos. O trabalho remoto estava inserido na proposta da reforma trabalhista (PL 6787/2016). Contudo, houve alteração da proposta original para adequar o instituto à correta denominação, tratando o substitutivo de teletrabalho. Surgiu assim mais uma exceção ao trabalho controlado e fiscalizado, e com limitação de jornada de trabalho, posto que foi incluído o teletrabalho no Art. 62 da CLT, com o acréscimo do inciso III. Assim, os empregados em regime de teletrabalho não estão sujeitos às normas previstas no capítulo II da CLT, que trata da duração do trabalho, a exemplo dos empregados que exercem jornada de trabalho externa e não submissa a controle de jornada e aos gerentes com poder de gestão. Sabemos que, atualmente, pelos meios telemáticos disponíveis, é plenamente possível ao empregador controlar a jornada e a produtividade de um trabalhador que labore em sua casa ou fora do ambiente da empresa. Com essa malfadada exceção, a esses trabalhadores poderá ser exigido o trabalho além das 8 horas diárias, 44 semanais, além do trabalho em domingos e feriados, sem contar a perda do direito à adicional noturno, já que não possuem controle de jornada. Além de tudo, foi acrescentado mais um Capítulo à CLT, denominado CAPÍTULO II-A – DO TELETRABALHO, com o acréscimo de artigos, quais sejam, 75-A, 75-B, 75-C, 75-D e 75-E, dispondo de algumas regras para o teletrabalho, sempre imputando responsabilidades ao empregado, que deveriam ser do empregador, como por exemplo, a aquisição e manutenção dos equipamentos necessários para a realização do trabalho, transferindo para o trabalhador, portanto, os ônus do empreendimento. E por último, no caput do Art. 611-A, do substitutivo, houve alteração para dizer que a convenção e o acordo coletivo têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: … VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; Ou seja, está colocado exatamente entre os direitos que poderiam ser reduzido por negociação, na prevalência do negociado sobre o legislado, o que não é adequado, posto que o trabalho a domicílio, previsto no art. 6º da CLT, realizado fora da empresa, é mais uma das formas de flexibilização, pois limita a subordinação do empregado para com o empregador, assim também não podem ser objeto de negociação o regime de sobreaviso e o trabalho intermitente. Não é adequado permitir-se que o teletrabalho seja objeto de livre negociação entre patrões e empregados. O instituto já faz parte do nosso Direito, estando previsto na CLT, que estabelece que deve haver controle da jornada de trabalho à distância. O fator subordinação sempre se fez presente para distinguir a existência ou não de controle de jornada de trabalho. É importante referir que a CLT foi modificada em 2011 com o surgimento da Lei 12.551, de 15/12/2011, cuja redação passou a ter o seguinte teor: “Art. 6º – Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. (Redação dada pela Lei n. 12.551, de 2011). Parágrafo único – Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Incluído pela Lei n. 12.551, de 2011).” A proposta aprovada no PLC 38 visa em síntese, tratar o teletrabalho como trabalho externo, sem qualquer controle, e portanto, sem gerar pagamento de horas extras. O empregado pode trabalhar quantas horas diárias lhe forem exigidas, estar conectado o dia inteiro, sem que isso gere o pagamento de jornada extraordinária. Não se pode concordar, no entanto, com esse pensamento precarizante, que obriga o empregado a trabalhar em longas jornadas, sem a respectiva contrapartida pecuniária. É indispensável que a regulamentação seja feita por meio de lei específica, regulamentando-se o trabalho à distância; como vai ser medida a produtividade, a remuneração, o controle da jornada, e, principalmente, o direito do empregado de se desligar, de não permitir o controle do empregador a partir de determinado momento, enfim, que a legislação garanta ao empregado, o direito de ter uma jornada normal de trabalho e o amplo direito de descanso e lazer. REFORMA RETIRA OU PERMITE A RETIRADA DE DIREITOS Os defensores da malfadada Reforma Trabalhista propalam aos gritos o argumento de que ela não retira direitos trabalhistas e que os direitos do art. 7º da Constituição encontram-se totalmente preservados, o que é totalmente falacioso. De fato, o PLC 38/2017 não suprime, nem poderia suprimir os direitos constitucionais trabalhistas, pois é uma proposta de lei ordinária, estando, portanto, abaixo da Constituição. Todavia, a Reforma Trabalhista, ao fomentar vínculos informais e precários no mercado de trabalho, possibilita o esvaziamento dos direitos ali previstos, fazendo com que eles sejam apenas formalmente garantidos, sem quaisquer garantias de sua efetivação em favor dos trabalhadores. Não bastasse o esvaziamento de direitos constitucionais, que passarão a valer efetivamente apenas para alguns vínculos de trabalho, o texto do PLC 38, mantido integralmente no parecer do Senador Ricardo Ferraço, retira vários direitos do trabalhador brasileiro. Exemplos de direitos totalmente suprimidos no texto são as horas in itinere (art. 58, § 2º), aquele tempo despendido da residência do trabalhador para seu local de trabalho, quando em locais de difícil acesso ou não servido por transporte público, o que prejudica especialmente trabalhadores no meio rural e em grandes parques industriais distantes dos centros urbanos; o intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada normal e o início da extraordinária para as mulheres, direito recentemente declarado constitucional pelo STF; retirada da natureza remuneratória da não concessão do intervalo para repouso e alimentação, tornando apenas indenizatório, sem reflexo em outras verbas salariais e a retirada da incorporação da função de confiança quando exercida por longos períodos. O projeto em tela tem como propósito fazer prevalecer a autonomia da vontade individual ou coletiva, permitindo acordos feitos pelo próprio empregados e por sindicatos para retirar direitos trabalhistas. Pelo seu texto, mantido no relatório do Senador Ricardo Ferraço, várias situações jurídicas poderão ser objeto de acordo individual entre patrão e empregado, possibilitando que direitos sejam sonegados com o objetivo de baratear o custo da mão de obra. O projeto permite, por exemplo, que, por negociação individual, sejam firmados quaisquer tipos de formas de compensação e estipulado o banco de horas, o que fará com que o empregado, na prática, não passe mais a receber, por exemplo, o adicional de horas extras de 50%, mesmo trabalhando habitualmente acima das 8 horas diárias. Atualmente, o banco de horas só pode ser firmado por acordo ou convenção coletiva, portanto, com a participação obrigatória do sindicato representativo do trabalhador. Preocupante demais é a permissão, trazida no artigo 59-A, de que a jornada 12×36 seja definida a partir de acordo entre patrão e empregado, inclusive em atividades insalubres (artigo 60, parágrafo único). Atualmente, apenas por meio de negociação coletiva pode ser firmada esta jornada (Súmula 444 do TST). É sabido que essa jornada pode trazer diversos males para a saúde do trabalhador, deixando-o mais exposto a doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Tem sido comum trabalhadores que laboram nesse tipo de jornada ter outro emprego, também com a mesma jornada, algo muito perigoso, vez que deixa o empregado extremamente cansado, pois, nesse caso, ou trabalha 24 horas seguidas e descansa 24 horas ou trabalha 12 horas e descansa 12 e não 36 horas. Não bastassem os riscos dessa jornada, o projeto é mais perverso ainda, pois retira dos empregados o direito ao pagamento em dobro dos feriados trabalhados, o repouso semanal remunerado e o adicional por prorrogação do trabalho noturno. O PLC 38 cria, outrossim, nova situação que permite a sonegação de direitos trabalhistas, a chamada rescisão por acordo mútuo. Nesse caso, havendo “acordo” entre empregador e empregado para o término da relação de emprego, o trabalhador receberá como aviso prévio e como multa do FGTS metade do que teria direito se fosse demitido sem justa causa. Isso certamente trará situação simuladas em que o empregado acabará por ser obrigado a aceitar a rescisão por acordo mútuo, sob pena de ser dispensado e nada receber, tendo que buscar seus direitos na Justiça do Trabalho. PROJETO PERMITE A RENÚNCIA DE DIREITOS PELOS SINDICATOS – NEGOCIADO SOBRE LEGISLADO Como já demonstrado, o PLC 38/2017 revoga sim direitos sociais trabalhistas penosamente conquistados ao longo do tempo. Representa um abalo sísmico sobre os alicerces do Direito do Trabalho, um atentado contra os mandamentos nucleares do sistema jurídico trabalhista, destacando-se que a violação aos princípios é extremamente mais grave do que a transgressão a uma norma específica, notadamente quando constitucionalmente positivados. Como é o caso, por exemplo, do instituto da negociação coletiva trabalhista, que consiste num instrumento de promoção da melhoria das condições sociais dos trabalhadores, num importante veículo institucionalizado, no seio da sociedade civil, para a busca de maior democratização e inclusão socioeconômica das pessoas humanas. Esse papel lógico, histórico e teleológico atribuído à negociação coletiva pela Constituição Federal de 1988 não pode ser rasgado, com a desfiguração e transmutação da natureza da negociação coletiva, de instrumento de inclusão socioeconômica para mecanismo de rebaixamento das condições de trabalho constitucional e legalmente asseguradas. Para atingir seu desiderato, o malsinado projeto de lei descaracteriza a própria natureza jurídica contratual do acordo e da convenção coletiva do trabalho, consoante se constata através de simples leitura do art. 611-A, § 2º, da CLT, vazado nos seguintes termos: “A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.” Como “negócios jurídicos”, a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho pressupõem uma transação, ou seja, o despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos, condição de produção de normas jurídicas autônomas. Evidentemente, não podem prevalecer se concretizarem ato explícito de renúncia, na forma prevista no dispositivo acima transcrito. E é justamente o que o PLC 38 permite, a simples renúncia de direitos trabalhistas. O Projeto de Lei viola a essência da convenção e do acordo coletivo, demonstrando, de forma clara e despudorada, que o objetivo é unicamente o de promover a redução dos direitos sociais trabalhistas por via transversa. O (indevidamente apropriado) discurso da “valorização da negociação coletiva de trabalho” é um mero disfarce, um invólucro retórico e sofístico. Os limites de atuação da negociação coletiva de trabalho encontram-se objetivamente delineados no ordenamento jurídico pátrio, notadamente o de preservar os direitos fundamentais, gênero do qual os direitos sociais trabalhistas são espécie, o chamado “mínimo existencial”, vale dizer, o conteúdo imperativo mínimo da assimétrica relação jurídica de emprego. As normas coletivas de trabalho não têm o poder de afastar ou reduzir direitos fundamentais constitucionalmente assegurados aos trabalhadores. Juridicamente (à luz dos princípios constitucionais e dos direitos sociais fundamentais assegurados como um patamar mínimo civilizatório), não se sustenta a ideia de que o incentivo constitucional à negociação coletiva trabalhista permite que esse importante instrumento de gestão social detenha a prerrogativa de piorar, rebaixar as condições de vida e de trabalho dos empregados e demais trabalhadores sob sua influência normativa. A preocupação com a “valorização da negociação coletiva de trabalho” exigiria que antes de se introduzir o apregoado “negociado sobre o legislado”, se buscasse assegurar a equivalência entre os contratantes coletivos. Equivalência, diga-se, real, substancial, e não meramente formal. O quer dizer, fundamentalmente, que os sindicatos de trabalhadores têm de ostentar solidez e consistência, com estrutura organizativa relevante, além de efetiva representatividade no que concerne à sua base profissional trabalhista. Sindicato frágil e sem representatividade consiste na antítese da ideia de sindicalismo. Em sentido diametralmente oposto ao do fortalecimento dos sindicatos, o projeto de lei retira, do dia para a noite, sua principal fonte de receita, representada pela contribuição sindical compulsória. Dispõe que o recolhimento das “contribuições devidas ao Sindicato” está condicionado à “prévia e expressa autorização” dos que participam de uma determinada categoria econômica e profissional. Nesta última hipótese, o empregado deverá notificar o empregador autorizando o desconto ao respectivo sindicato em sua folha de pagamento. O que dificilmente ocorrerá, inclusive diante do receio do empregado de receber uma represália do empregador pelo seu envolvimento em atividade sindical. A pura e simples retirada do chamado “imposto sindical”, sem se criar uma outra opção de financiamento, ainda que apenas dos filiados ou dos beneficiados pela negociação coletiva, trará o enfraquecimento apenas dos sindicatos de trabalhadores que, em sua grande maioria, necessitam dessa fonte de financiamento para manter seu poder de negociação. Neste ponto, o PLC é por demais injusto e desleal pois não mexe uma vírgula na destinação da arrecadação do Sistema S, que atualmente gera bilhões de reais e é destinado apenas para os sindicatos empresariais, fazendo com que apenas os sindicatos de trabalhadores sejam enfraquecidos. Para se ter uma ideia do montante da arrecadação do Sistema S, segundo reportagem da Folha de São Paulo veiculada recentemente, do orçamento da Fiesp, apenas 11 % da sua receita provém do imposto sindical. No entanto, a verba recebida do Sistema S corresponde a 60% do orçamento dessa conhecida federação empresarial. Na Firjan (RJ), esse percentual é ainda mais alto, correspondendo a 73% de sua arrecadação. Merece destaque, outrossim, a pugnada inserção do parágrafo 3º ao artigo 8, da CLT, por ser manifestamente inconstitucional, verbis: “No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, repeitado o disposto no art. 104 da Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.” Pretende-se, pura e simplesmente, afastar o controle jurisdicional da negociação coletiva. À Justiça do Trabalho caberá tão somente analisar a presença dos pressupostos formais da validade do negócio jurídico previstos no Código Civil, quais sejam: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Todavia, inexiste norma jurídica ou instituto jurídico imune ao controle do Poder Judiciário. Juridicamente, é inconcebível a existência de um centro de positivação jurídica, como o é o caso da negociação coletiva de trabalho, imune ao controle pelo Poder Judiciário. Esse dispositivo atenta contra o princípio da inafastabilidade da jurisdição ou do acesso à justiça, consagrado no art. 5o, XXXV, da CF, o qual dispõe que: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Salta aos olhos, portanto, que o Projeto de Lei é eivado do vício da inconstitucionalidade, no seu aspecto substancial. Afronta os mais importantes direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico pátrio, que ocupam o ápice da escala hierárquica normativa. A começar, pelo da dignidade da pessoa humana, erigido como fundamento da República Federativa do Brasil logo no art. 1º, inciso III, da CF. Dentre os temas possíveis de negociação coletiva abaixo da lei (art. 611-A), chamamos atenção para os incisos III, V, VIII, IX e XII. Esses dispositivos permitem a redução pura e simples de direitos importantíssimos do trabalhador, sempre com o viés único de baratear os custos da mão-de-obra. O inciso III, por exemplo, permite o descumprimento de norma de ordem pública de saúde e segurança no trabalho – redução do intervalo intrajornada para 30 minutos – sem qualquer restrição sobre tipos de atividades ou observância de condições mínimas para que o trabalhador efetivamente possa ter algum descanso nesse curto lapso de tempo. Essa previsão pode levar a um aumento do índice de adoecimento e de acidentes de trabalho, impactando ainda mais o sistema de saúde brasileiro e os alarmantes números de infortúnios do trabalho no Brasil. Por seu turno, a previsão da possibilidade de definição de funções de confiança (inciso V) permitirá que funções triviais de determinadas empresas sejam definidas como “de confiança” com o único intuito de não pagar horas extraordinárias. É o caso, por exemplo, do setor bancário, onde, se fixado que determinada função é de confiança, o trabalhador bancário, que tem uma jornada de 6 horas diárias, passará a não receber adicional de horas extraordinárias sobre a 7ª e 8ª horas trabalhadas. O inciso VIII, por sua vez, permite que todas normas legais relativas ao regime de sobreaviso, ao teletrabalho e ao trabalho intermitente, essas duas últimas trazidas no âmbito deste PLC, podem ser simplesmente afastadas por negociação coletiva, retirando a mínima proteção disposta na Consolidação das Leis do Trabalho. Preocupa-nos também a possibilidade de se negociar a remuneração apenas com base na produtividade (inciso IX). Isso pode gerar situações em que os trabalhadores, para terem uma maior remuneração, laborem ao máximo possível, num intenso desgaste físico e mental que pode levar a adoecimento e mortes. Situação apta a exemplificar essa questão é o caso dos cortadores de cana que, para conseguir um melhor resultado salarial, trabalham 13, 14, 15 horas por dia para poder cortar mais toneladas, o que, por já ter gerado mortes no Brasil, acabou por ser proibido pelo Poder Judiciário. Por fim, ao permitir o reenquadramento do adicional de insalubridade (inciso XII), o PLC é extremamente injusto, possibilitando, por exemplo, que o trabalhador que labore submetidos a agentes insalubres em grau máximo (pela CLT, com direito a receber um adicional de 40%) possa vir a receber um adicional de 10%, como se estivesse exposto a um grau mínimo de insalubridade. Não bastassem esses argumentos, o Estado brasileiro, caso venha a aprovar esta legislação, pode vir a ser punido por descumprir compromissos internacionais que prometeu cumprir, a exemplo das Convenções nº 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas ratificadas pelo Brasil. E isso foi dito pela própria OIT. Recentemente, o Ministério Público do Trabalho apresentou consulta técnica ao Departamento de Normas da OIT sobre a incompatibilidade de alteração legislativa que estabelecesse a possibilidade de a negociação coletiva reduzir a proteção legal do trabalhador, com os termos da Convenção OIT n. 98, considerando entendimento do próprio Comitê de Peritos a respeito. Em resposta à consulta, o Departamento de Normas, dentre outras considerações, ressaltou que o Comitê de Peritos da OIT se posicionou recentemente sobre o tema, analisando a aplicação da Convenção n. 98 pelo Brasil, concluindo que uma previsão legal estabelecendo que a legislação trabalhista em geral possa ser afastada pela negociação coletiva – isto é, a prevalência do negociado sobre o legislado – seria contrária ao objetivo da Convenção n. 98 de se promover negociação livre e voluntária. Ademais, ainda de acordo com o documento, o Departamento de Normas lembra que os Estados membros tem a obrigação de garantir a efetiva aplicação de Convenções ratificadas na lei e na prática e, em consequência, nenhum acordo individual ou coletivo pode reduzir o patamar de proteção estabelecido em Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil. Assim, isso mostra que o Brasil pode vir a seu penalizado por descumprir tratados internacionais por ele ratificados, o que, no cenário internacional, traz diversos prejuízos. OBSTÁCULOS PARA ACESSO À JUSTIÇA Conforme afirmado acima, o PLC 38/2017 segue uma lógica extremamente perversa, pois, ao invés de criar mecanismos para evitar o descumprimento e a sonegação de direitos, estabelece uma série de empecilhos que dificultam o acesso à Justiça do Trabalho pelo trabalhador. Nesta seara, a “Reforma Trabalhista” cria, por exemplo, os seguintes obstáculos para dificultar o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho para reclamar seus direitos: 1) Dificulta o acesso ao benefício da justiça gratuita A proposta prevê que só poderá obter referido benefício o trabalhador que perceber salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social e aquele que comprovar a insuficiência de recursos. Atualmente, o obreiro precisará receber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou tão somente declarar, sob as penas da lei, que não está em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, não precisando comprovar suas alegações. 2) Estipula o pagamento de honorário periciais pelo beneficiário de justiça gratuita Em seu artigo 790-B, a proposta em tela estabelece a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais à parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita, o que não ocorre atualmente. Se o trabalhador é beneficiário do acesso gratuito à justiça, não há qualquer sentido responsabilizá-lo pelo pagamento dos referidos honorários. 3) Cria no processo do trabalho a sucumbência recíproca Atualmente, em virtude do princípio protetivo, não existe no Processo do Trabalho o instituto da sucumbência recíproca, o que faz com que, mesmo em reclamações julgadas parcialmente procedentes, o trabalhador não necessite pagar honorários ao advogado da parte contrária sobre a parte não reconhecida. O PLC 38, com o viés de restringir o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, cria o referido instituto que passa a ser aplicado mesmo para os beneficiários da justiça gratuita. Assim, caso o trabalhador ingresse com uma reclamação trabalhista pleiteando, por exemplo, 10 pedidos e tenha sua ação julgada parcialmente procedente, terá, mesmo sem qualquer má-fé, que pagar até 15% sobre o valor relativo aos pedidos não reconhecidos para o advogado da parte contrária. Isso poderá deixa-lo até devedor se eventualmente grande parte do seu pedido for julgado improcedente. 4) Pagamento de custas e despesas processuais para propor nova ação (art. 844, §§ 2º e 3º) A PLC prevê que, na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável, sendo seu pagamento condição para propositura de nova ação. Enfim, são esses apenas alguns exemplos dos obstáculos criados para impedir o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho. CONCLUSÃO A origem do Direito do Trabalho sempre revelará a sua função tuitiva. A ideia de mínimos jurídicos assegurados por lei, como salário mínimo, repousos semanais e anuais, intervalos intra e entrejornadas, limites de jornada etc., veio a lume para justamente conferir alguma equipotência nas relações entre empregadores e trabalhadores hipossuficientes, evitando-se assim que prevaleça sempre a condição do mais forte. Assim, os direitos trabalhistas constitucionais e legais mínimos são aqueles que asseguram, afinal, que parte da riqueza gerada pela produção/circulação de bens e serviços seja segura e necessariamente distribuída entre os trabalhadores. A pretensão de uma reforma como a proposta é na verdade tornar lícitas condutas vedadas pela CLT e pelas Convenções Internacionais, esvaziando o conjunto mínimo de proteções ao trabalhador. A modernização das relações de trabalho consiste antes de tudo na erradicação de todas as formas de exploração do ser humano, e não na utilização de uma engenharia artificiosa para fazer desaparecer as irregularidades cotidianamente praticadas no Brasil, alçando-as à condição de legalidade sem bani-las da vida social. Quando a maior parte desses direitos volta ao campo da livre negociação (ainda que coletiva), faltando-nos ainda uma organização sindical universalmente pujante e representativa, descem-se alguns degraus na escada da civilidade. Onde a lei já não garante mínimos, os seus padrões voltam a ser disputados pela força. Por todo o exposto, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas – ABRAT, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, a Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas – ALAL, a Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho – ALJT e a Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho – JUTRA posicionam-se de modo CONTRÁRIO ao Projeto de Lei da Câmara 38/2017 e ao parecer do Senador Ricardo Ferraço, conclamando os senhores Senadores a rejeitarem a malfadada proposta que, se aprovada, só trará retrocesso social para o país, agravando, ainda mais, a crise política, econômica e social. Brasília, 05 de junho de 2017. Ângelo Fabiano Farias da Costa Guilherme Guimarães Feliciano Roberto Parahyba de Arruda Pinto Carlos Fernando da Silva Filho Luiz Enrique Ramirez Hugo Cavalcanti Melo Filho Benizete Ramos de Medeiros |
Fonte: Anamatra
Data original da publicação: 05/06/2017