Clemente Ganz Lúcio
Os impactos da Reforma Trabalhista, a maior já realizada no sistema de relações de trabalho do país, só serão percebidos, de fato, ao longo do tempo. Isso acontecerá à medida que: o mercado de trabalho promover, por meio da rotatividade, a demissão de trabalhadores contratados nas “velhas” regras e a admissão de outros, seguindo as novas; houver migração de parte do enorme contingente de trabalhadores sem registro em carteira e autônomos para as modalidades de contratação criadas pela nova lei; a renovação anual e continuada das convenções e dos acordos coletivos de trabalho rebaixar direitos adquiridos e consagrados por diversas categorias profissionais nas negociações com os patrões. Os efeitos maléficos serão observados, portanto, no processo de reconfiguração do mercado de trabalho e das negociações coletivas, que, no longo prazo, constituirá as bases reais das novas condições laborais e de representação dos trabalhadores brasileiros.
No primeiro ano de vigência da Reforma, foi possível notar: ampla extensão das alterações, com efeitos variados e entrecruzados; onde há sindicato atuante, a implantação das regras passa por um complexo processo negocial, em que os trabalhadores mostram força, resistem e formulam propostas; tem sido possível tratar, nas negociações coletivas, das modificações que a lei pretende implementar; aumentou o poder dos empregadores para a imposição de novas regras; as negociações ganharam nova substância, especialmente com a introdução de pautas patronais com propostas de supressão ou rebaixamento de direitos; a lei que autoriza a terceirização ampla e irrestrita é parte complementar e essencial da Reforma; a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm cumprido papel relevante na definição dos contornos, parâmetros e efeitos das normas.
As novas formas de contratação começam, ainda que de forma marginal, a marcar presença. O contrato intermitente, segundo o Ministério do Trabalho, com base nos dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), ainda tem baixa participação no total das admissões (perto de 0,5% ao mês), mas, em um ano de Reforma, foram somadas mais de 47 mil contratações nessa modalidade, em praticamente todos os setores da economia, com destaque para os serviços, que concentrou em torno de 48% desses vínculos. Assistentes, serventes, auxiliares e faxineiros são as ocupações predominantes nesse tipo de admissão.
O contrato em jornada parcial também representa cerca de 0,5% das contratações mensais. Uma das características desse tipo de contratação é a alta rotatividade. Vendedores, auxiliares e assistentes administrativos, pessoal de manutenção, caixas e bilheteiros, garçons, professores e recepcionistas são as ocupações preponderantes nesse tipo de contrato.
O trabalho temporário é outro tipo de contrato flexível e representa aproximadamente 12% da força de trabalho ocupada, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As informações relativas à jornada semanal de trabalho, também da Pnad Contínua, reafirmam a baixa qualidade dos postos de trabalho gerados após a Reforma. Dados referentes ao terceiro trimestre de 2018 revelam que aumentou a proporção de ocupados com jornadas reduzidas ou superiores à média em relação ao terceiro trimestre de 2017: 5,2%, entre os que cumprem jornada inferior a 14 horas semanais; 4,4% entre os que trabalham de 15 a 39 horas; e 8,5% entre os que realizam jornadas iguais ou superiores a 49 horas por semana.
A Reforma Trabalhista também introduziu a possibilidade de desligamento do emprego por comum acordo entre trabalhador e empregador, com redução dos direitos previstos para os demitidos sem justa causa. As informações sobre os tipos de desligamentos registrados pelo Caged, em setembro de 2018, mostram que demissões sem justa causa, por iniciativa do empregador, correspondem a 76% do total de desligamentos. Outros 22% ocorrem por encerramento de contratos temporários ou por prazo determinado. Somente 2% das demissões realizadas naquele mês se valeram do instrumento de comum acordo entre as partes, que, inclusive, vem sendo mais utilizado no desligamento de trabalhadores com salários mais altos. Entretanto, aumentou o número de demissões nessa modalidade no decorrer de 2018: em janeiro, correspondia a cerca de 10 mil; e, em setembro, a 13 mil.
Nas negociações coletivas de trabalho, os processos estão mais longos e difíceis de serem concluídos. Dados do Sistema Mediador, do Ministério do Trabalho, mostram que o número de convenções coletivas fechadas entre janeiro e outubro de 2018 caiu em relação ao mesmo período do ano anterior (- 25%).
Os temas relacionados à Reforma mais pautados nas negociações coletivas foram: hierarquia das normas que regem as relações de trabalho, ou seja, disputa pela prevalência do legislado ou do negociado, e intervalos intrajornada (13% cada); cômputo das horas in itinere na jornada de trabalho e participação dos sindicatos na homologação das rescisões contratuais (11% cada); banco de horas (9%); jornada de 12 x 36 (7%); fracionamento das férias e regime de trabalho em tempo parcial (6% cada); normas para pagamento das rescisões contratuais, comissão de representação de empregados e contrato intermitente (5% cada).
O financiamento sindical, regularmente tratado em acordos e convenções coletivas, passou a ser objeto de conflito nas negociações, em decorrência das mudanças referentes à contribuição sindical introduzidas pela Reforma Trabalhista. Em 86% das convenções coletivas registradas no Mediador foram incluídas normas relacionadas a alguma forma de custeamento. Quase dois terços dessas regras referem-se à contribuição negocial, taxa definida pelos trabalhadores, em assembleia, para ser destinada às entidades sindicais pela condução das negociações.
De maneira geral, cerca de 83% das negociações trataram de temas relacionados às condições e aos contratos de trabalho; 46% referiram-se à organização sindical; e 23%, à negociação coletiva. Das negociações assessoradas pelo DIEESE, em 55%, o patronato apresentou uma pauta para a negociação; em 86%, questionou direitos e garantias que eram renovados há anos; e, em 18%, não alterou a postura.
Os trabalhadores, por sua vez, priorizaram nas mesas de negociação os seguinte temas: participação dos sindicatos na homologação das rescisões de contrato, terceirização na atividade-fim, demissões coletivas, parcelamento de férias, representação sindical, insalubridade para a trabalhadora gestante, rescisão de contrato por comum acordo, contratação de PJ (pessoa jurídica) ou autônomo, trabalho intermitente, banco de horas e horas in itinere.
Em um ano de vigência, a Reforma se impôs nas negociações. Os trabalhadores e os patrões, na defesa dos próprios interesses, debateram essa nova agenda, disputando cada item. Predominantemente, os empresários partiram para o ataque e os trabalhadores jogaram na defesa. Os resultados revelam um jogo difícil para os trabalhadores, sobretudo porque a atuação sindical ficou um pouco prejudicada, pois a Reforma também atacou o financiamento dos sindicatos. Claramente, o jogo social que regula as relações de trabalho está em novo campo, com novas regras e novo juiz. Jogo para ser jogado, história para ser construída, resultado em aberto. A vida segue!
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.