Rodrigo Trindade
Fonte: Revisão Trabalhista
Data original da publicação: 21/11/2018
Reportagem recente de jornal dos EUA, informa que a brasileira JBS optou por encerrar dois processos trabalhistas, pagando indenizações de US$ 4 milhões.
O caso começou com avaliação por órgão federal que a empresa brasileira discriminava contratação de mulheres, negros, indígenas latinos e pessoas com deficiência em suas unidades dos estados de Utah e Texas. Mesmo negando as acusações, a JBS pagará a expressiva soma, que será distribuída a mais de 12 mil trabalhadores.
Além disso, a companhia brasileira firmou colaboração de cinco anos para cumprimento da normativa para igualdade de trabalho (Equal Employment Opportunity Order 11246). Por fim, comprometeu-se a manter consultoria independente para revisar todos os processos de contratação de trabalhadores em suas unidades de processamento de carne.
O fato é duplamente relevante.
Discriminar não é coisa pouca
Primeiramente, ao pontuar o importante valor defendido nas sociedades civilizadas de repressão a condutas discriminatórias nas relações de emprego. Nos EUA, mais que um conceito, o direito à igualdade no ambiente de trabalho, estabelece-se em ações muito concretas. Nesse tema, é exemplar a estrutura estabelecida para fiscalizar, investigar e impor sanções adequadas. E as ações são duras. Enquanto no Brasil, as multas costumam ser insignificantes e as indenizações do tipo punitive damages ainda ensaiam e costumam ser mal vistas pelos tribunais, ao norte da América fixa-se não apenas o pagamento de indenizações compensadoras de prejuízos, como ordenam-se punições que efetivamente desestimulem à repetição das ilicitudes.
Recentemente, milhares de funcionários do Google promoveram protesto global contra práticas de assédio sexual na empresa. Para evitar condenações e acordos milionários, a gigante de tecnologia já informou que dará maior atenção ao tema. Repressões efetivas chamam acordos e consertos prévios.
Yes, we have Direito do Trabalho
Segundo, em razão da resposta que apresenta para as ordinárias afirmações de que os Estados Unidos não possuem nem Direito do Trabalho, nem estruturas fiscalizadoras.
O caso da JBS se iniciou a partir de investigação pelo Office of Federal Contract Compliance Programs. O departamento existe desde os anos 1970 e é responsável pelo cumprimento das normativas de repressão a discriminações nos contratos de emprego. Subordina-se ao Department of Labor, que soma mais de um século de existência contínua e mantém estrutura de cerca de 17 mil funcionários. Para comparar, o equivalente brasileiro, o Ministério do Trabalho, tinha previsão em 2014 de 11.387 cargos, mas ainda contava com 3.527 não preenchidos.
É comum defensores brasileiros de precarização laboral invocarem mítica opção norte-americana de não regular contratos de emprego, um idealizado lassez faire trabalhista. Mas o santo não baixa.
Em artigo recente, o procurador e professor Cássio Casagrande esclarece que os EUA também contam com vigorosa legislação trabalhista estadual, ativa jurisprudência construtiva (inclusive no nível da Suprema Corte), além de duras, frequentes e expressivas decisões condenatórias.
Fantasias
Caso se pretenda copiar as relações laborais norte-americanas, pode-se pensar na honestidade de replicar as regras mais importantes.
Cabe iniciar com o valor do salário mínimo. Mas se a potência econômica não permitir (e realmente não permite), pelo menos, seria possível seguir a proporção entre menores e maiores salários na mesma empresa.
Além das altas indenizações, podemos cogitar a aplicação das class actions. Por elas, pode o juiz reconhecer a transcendência do caso, ampliar a condenação e repassar a outros trabalhadores afetados, ainda que não litigantes individuais.
Diz-se que a terceirização é comum nos EUA e necessária para a competitividade brasileira. Pois lá, seguindo a doutrina do joint employer, a rede de tomadores de trabalho é considerada plenamente responsável pela relação de emprego.
E para efetivar essas condenações, vale mimetizar a prática muito efetiva de imposição de gravame no imóvel (lien) de proprietário de obra, até que as verbas trabalhistas sejam pagas. E se mesmo isso não funcionar, fechar fraudulentamente a empresa dá cadeia – cadeia de verdade.
Como nos filmes, a verdade norte-americana é muito diferente da fantasiada. Na hora de clamar pela aplicação da experiência estrangeira, lembremos que o pacote vem completo e o conteúdo pode ser bem diferente do idealizado. Ou não passa de fantasia de filme Z – e nem de Hollywood é.