Ao analisar as crises sanitária, econômica e política do Brasil, o filósofo Renato Janine Ribeiro classifica “a atitude do governo” como “desastrosa; nunca tivemos um presidente tão incompetente na história do país”, diz em entrevista concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Segundo ele, o registro de mais de 300 mil mortes na noite da última quarta-feira [24-03-2021] é um indicativo de que possivelmente o país ultrapassará o número de 500 mil mortos na pandemia. “Mesmo que os governadores, prefeitos, o poder Judiciário e o poder Legislativo ajam do jeito que puderem na ausência da presidência da República, nós não teremos menos de 500 mil mortos. A doença no país está numa curva de subida e vai subir mais ainda”, afirma.
O mesmo diagnóstico sobre o número de mortos e a inabilidade do presidente Jair Bolsonaro em lidar com as crises é feito pelo economista Luiz Carlos Bresser-Pereira. “Esse governo não soube impedir que o vírus se espalhasse por todo o Brasil e matasse mais de 300 mil pessoas, e não comprou as vacinas necessárias. As previsões são que só alcançaremos a imunidade de rebanho em 2023. Depois que quase um milhão de brasileiros tiverem morrido pelo coronavírus”, menciona na entrevista concedida por e-mail.
A economista Leda Paulani acrescenta que “a eleição de Bolsonaro trouxe a combinação de dois projetos de destruição: de um lado, a destruição do mundo moralmente menos repressor que se construíra no país nas últimas décadas (com o progresso das lutas das mulheres, a desvalorização da heteronormatividade e o avanço de direitos e oportunidades de não brancos), projeto explícito do ex-capitão; de outro, a conclusão da destruição do Estado construído pela Constituição Federal de 88, plano já em marcha desde o governo Temer, e que constituía o ponto mais importante da agenda ultraliberal de Paulo Guedes. A essa parceria nefasta veio se somar a pandemia”.
Dando continuidade às análises publicadas ontem na Entrevista do Dia, Renato Janine Ribeiro, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Leda Paulani também comentam as possibilidades de saída desta crise, tendo em vista as eleições presidenciais de 2022. Para o filósofo, a atual divisão do país, entre aqueles que apoiam a extrema direita, a direita e o campo progressista, não permitirá uma aliança dos dois últimos grupos contra Bolsonaro, especialmente porque direita e esquerda divergem em pautas essenciais, como a condução da política econômica e das políticas sociais. “Cada lado vai querer uma parte substancial das políticas a definirem depois. Não acho fácil e não sou otimista a respeito. Ou então, terá que passar bastante tempo antes de se ter um resultado”, lamenta.
Bresser-Pereira também não aposta em uma união na disputa eleitoral pela presidência da República. “Não creio que a centro-esquerda se una para o primeiro turno da eleição de 2022; a frente ampla ficará para o segundo turno. A centro-direita, por sua vez, não apoiará a reeleição; o fato de haver apoiado esse senhor nas últimas eleições está lhe custando caro”, especula.
Na avaliação de Leda, apesar de políticos de diferentes partidos denunciarem a irresponsabilidade do presidente Bolsonaro na gestão da crise atual, ainda é difícil prever novas alianças. “Se isso será suficiente para construir uma aliança capaz de viabilizar o impeachment de Bolsonaro e/ou construir uma candidatura capaz de derrotá-lo em 2022, é uma resposta difícil de dar”, conclui.
Renato Janine Ribeiro é professor de Filosofia, escritor e colunista. Foi ministro da Educação, entre abril e setembro de 2015. Atua como professor-titular da cadeira de Ética e Filosofia política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – FFLCH-USP. Entre os seus livros recentemente publicados, destacamos A Pátria Educadora em colapso – reflexões de um ex-ministro sobre a derrocada de Dilma Rousseff e o futuro da educação no Brasil (São Paulo: Três Estrelas, 2018), A boa política – Ensaios sobre a democracia na era da Internet (São Paulo: Companhia das Letras, 2017) e A imprensa entre Antígona e Maquiavel: a ética jornalística na vida real das redações (São Paulo: ESPM, 2015).
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, atuou como professor visitante de desenvolvimento econômico na Universidade de Paris I (1978), de teoria da democracia no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP (2002/03), e de Novo-Desenvolvimentismo na École d’Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, entre outras universidades pelo mundo. Também foi ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia no governo Fernando Henrique Cardoso. Bacharel em Direito pela USP, é mestre em Administração de Empresas pela Michigan State University, doutor e livre docente em Economia pela USP. Entre os livros publicados destacamos A construção política do Brasil: Sociedade, economia e Estado desde a Independência (São Paulo: Editora 34, 2016), Desenvolvimento e Crise no Brasil (1968/2003), Construindo o Estado Republicano (2004), Macroeconomia da Estagnação (São Paulo: Editora 34, 2007) e Globalização e Competição (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2009).
Leda Paulani é graduada em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA-USP e em Comunicação Social pela Escola de Comunicações e Artes – ECA-USP. É doutora em Teoria Econômica pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo – IPE/USP. É livre-docente junto ao Departamento de Economia da FEA-USP e professora do Departamento de Economia e da Pós-graduação da FEA/USP. De 2004 a 2008 foi presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política – SEP. De janeiro de 2001 a abril de 2003 foi assessora chefe do gabinete da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo, e de janeiro de 2013 a março de 2015 foi secretária municipal de planejamento, orçamento e gestão da Prefeitura de São Paulo.
Confira entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a posição do presidente na gestão das crises sanitária, política e econômica que o país vive neste momento?
Renato Janine Ribeiro – A atitude do governo Bolsonaro em relação às crises pelas quais passa o Brasil é desastrosa; nunca tivemos um presidente tão incompetente na história do país. Ele não entende de economia, como já deixou muito claro na campanha eleitoral, quando dizia que iria fazer tudo conforme o “Posto Ipiranga” – Paulo Guedes – que, por sua vez, é ignorante no assunto. Tanto é assim que depois da eleição, quando o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, perguntou o que ele [Guedes] queria fazer com o orçamento do ano seguinte, o ministro deixou claro que não sabia que o orçamento de um ano é votado no ano anterior. O primeiro ano do governo é sempre [organizado] com o orçamento do governo que o precedeu e Rodrigo Maia estava abrindo uma grande oportunidade de alterar o orçamento para alinhá-lo às políticas que tinham sido defendidas não por Bolsonaro, que não entende de economia, mas pelo próprio Guedes, que não o fez. O ministro da Economia também prometeu um trilhão de reais que entrariam, em decorrência das privatizações, no primeiro ano de governo, e nem sinal disso.
A crise política vem sendo gerida pelo presidente na direção de proteger a sua família, basicamente, acirrando o ódio no Brasil. Não é assim que se faz política; o governo tem que ser sempre para todos.
Crise sanitária
A crise sanitária é o caso mais estrondoso. O presidente negou a existência da dimensão e da gravidade da doença da Covid-19 e fez uma campanha sistemática contra a vacina. Mais terrível ainda é o fato de ele ir à TV e dizer que fez exatamente o contrário do que fez: nega ter dito coisas que estão muito claras, como, por exemplo, que não iria comprar vacina chinesa, que a Covid-19 seria apenas uma gripezinha, que quem quisesse comprar [a vacina], que fizesse a mãe pagar etc. Agora ele aparece, já com trezentos mil mortos, com esse pronunciamento.
Vamos deixar claro: trezentos mil mortos em 24 de março significa que, mesmo que os governadores, prefeitos, o poder Judiciário e o poder Legislativo ajam do jeito que puderem na ausência da presidência da República, nós não teremos menos de 500 mil mortos. A doença no país está numa curva de subida e vai subir mais ainda. Mesmo que conseguíssemos, por milagre, uma vacinação mais rápida do que essa que está indo a um milésimo da população por dia – nesse ritmo vai demorar mil dias, três anos, para vacinar o povo todo –, mesmo que acelerem a vacinação veementemente, teremos muitos mortos neste rescaldo. O Brasil terá cerca de 500 mil mortos na perspectiva mais otimista, podendo subir várias centenas de milhares – não me atrevo a dizer um milhão. Mas este governo não tem nenhuma medida nessa direção e estamos a depender dos outros gestores.
Luiz Carlos Bresser-Pereira – O Brasil não tem um presidente; quem ocupa o Palácio do Planalto há dois anos é alguém que governa o Brasil mas é um psicopata – uma pessoa sem empatia, que não se sente responsável pelo mal que está fazendo ao povo, à economia e à política brasileira.
Leda Paulani – No caso do governo de Bolsonaro, é difícil utilizar a palavra “gestão”, a respeito de qualquer que seja a instância de atuação que se tenha em mente (economia, política, saúde etc.). Não é por acaso que se fala hoje amiúde nas redes sociais no “desgoverno Bolsonaro”. De fato é disso que se trata.
A eleição de Bolsonaro trouxe a combinação de dois projetos de destruição: de um lado, a destruição do mundo moralmente menos repressor que se construíra no país nas últimas décadas (com o progresso das lutas das mulheres, a desvalorização da heteronormatividade e o avanço de direitos e oportunidades de não brancos), projeto explícito do ex-capitão; de outro, a conclusão da destruição do Estado construído pela Constituição Federal de 88, plano já em marcha desde o governo Temer, e que constituía o ponto mais importante da agenda ultraliberal de Paulo Guedes. A essa parceria nefasta veio se somar a pandemia. O surgimento do surto mundial da Covid-19 explicitou de forma dolorosa a criminosa falta de gestão do governo de Bolsonaro. Se ela existe em literalmente todas as áreas, na saúde, por conta da pandemia, ela se traduz no número assustador de mortos e na transformação do país numa sorte de colônia de leprosos do planeta, no dizer da agência Bloomberg.
IHU On-Line – O atual governo tem saída ou não? Se sim, quais são as possibilidades de sairmos da crise atual?
Renato Janine Ribeiro – Este governo é irrecuperável. Não existe nenhuma capacidade, neste governo, de enfrentar as situações, porque há um déficit fantástico de conhecimento por parte dos seus membros: recusam todo o conhecimento e estão destruindo a administração pública federal. Veja, não é a privatização que estou apontando, mas a destruição da administração. Se o Estado privatizar tudo, precisará ter uma administração forte que seja capaz de checar as empresas privatizadas e verificar se elas estão fazendo o que prometeram no dossiê de privatização, se estão agindo corretamente ou não. Então, é preciso uma administração forte, mas que sumiu.
Miriam Leitão, que não é uma pessoa de esquerda, contou que outro dia – nos últimos dias da gestão Pazuello –, conversando com um alto integrante do governo que foi ao Ministério da Saúde resolver um assunto, ele lhe disse que ficou assustado com a sala vazia. O próprio novo ministro, quando foi se dirigir ao setor de comunicação do Ministério, viu os integrantes da equipe sem máscara. No Palácio do Planalto – os jornais informam – quem usa máscara é malvisto pelo entorno do presidente. Então, as pessoas estão sendo expostas a essa situação pela recusa absoluta do conhecimento e da ciência.
Existe uma quantidade gigantesca de fake news difundidas em apoio a essas políticas insanas. Uma coisa é haver divergência entre direita e esquerda, querer privatizar e ter uma política econômica liberal – que é o que teria feito um governo de direita. Outra coisa é ter uma política de esquerda, em que o Estado tem setores estratégicos e vai investir pesado em programas sociais. Agora, o que temos é simplesmente incompetência, a incompetência mais absoluta erigida em critério de governo, a submissão total ao presidente como critério de manutenção no cargo. De modo que há uma espécie de paranoia quando alguém se destaca. Quando um ministro se destaca, o presidente “se rala de inveja”, mesmo quando são pessoas que fazem tudo que ele mandou, como o Sérgio Moro, que acatou as decisões dele sem tugir nem mugir, apenas refugando um pouco quando Bolsonaro tentava interferir no “quintal do Moro”, onde ele tinha colocado as pessoas que o ajudaram na ilegalidade da Operação Lava Jato.
Luiz Carlos Bresser-Pereira – Esse governo não soube impedir que o vírus se espalhasse por todo o Brasil, matando mais de 300 mil pessoas, e não comprou as vacinas necessárias. As previsões são que só alcançaremos a imunidade de rebanho em 2023. Depois que quase um milhão de brasileiros tiverem morrido pelo coronavírus.
Não vejo saída econômica porque até agora nada foi feito para enfrentar o vírus a não ser o Auxílio Emergencial, que foi decidido pelo Congresso sem o apoio do poder Executivo. Não houve uma política contracíclica, porque a área econômica é liberal e acredita que o mercado resolverá a crise. Sim, resolverá, mas de maneira muito ineficiente e demorada.
Leda Paulani – Trata-se de uma contradição em termos. Não existe “saída” para esse governo que não seja continuar a tocar a destruição, que é o que ele vem fazendo. Mas essa devastação em marcha acelerada finalmente vem trazendo consequências do ponto de vista da avaliação de Bolsonaro, cenário ao qual vem se somar a ressurreição política do ex-presidente Lula. Teríamos assim um conjunto de elementos a apontar para um horizonte menos pessimista. Todavia, como o mandatário da Nação e os militares que o cercam não nutrem o menor apreço pela assim chamada Democracia, esses bons sinais podem indicar também oposto: o endurecimento do regime.
IHU On-Line – Quais são as possibilidades de aliança na cena política daqui para frente?
Renato Janine Ribeiro – Neste momento tem um Brasil que está muito dividido. Existem duas linhas de divisões que geram três posições diferentes. De um lado, temos a extrema direita que está no governo. Extrema direita é basicamente o bolsonarismo: os 15% de adeptos fiéis em quaisquer circunstâncias e os 30% de adeptos que ainda acham que o governo é ótimo ou bom. O bolsonarismo com uma ponte para o Partido Novo, que, apesar de serem pessoas mais educadas, compartilham as mesmas ideias e posições sobre muita coisa, tanto que eles se dizem – o que é um contrassenso – liberais na economia e conservadores nos costumes. Eles conseguiram votos, mas hoje o partido está se corroendo e, em caso de segundo turno, há uma forte chance de eles perderem.
O campo progressista
Uma segunda posição, que é o lado oposto, mas não extremista, é o campo progressista, que não quer acabar com a democracia ou com as liberdades. É um campo que tem como principal protagonista o PT e tem a força também de Ciro Gomes, embora ele esteja procurando fazer alianças mais à direita. Em todo caso, é um segmento que reúne outros atores, como Flávio Dino, Manuela D’Ávila, líderes do PSB em certos casos e do PDT. Esses setores seriam capazes de ter um protagonismo.
Acredito que a maior chance de final nas eleições de 2022 é entre alguém do campo da extrema direita, talvez o próprio Bolsonaro, e alguém do campo progressista. A pessoa com mais chance disso é, inegavelmente, o Lula, a não ser que ele faça uma mudança de planos. Mas essa é uma área que está rachada, porque Ciro Gomes tem feito uma campanha muito forte contra Lula e o que ele chama de lulopetismo – que não sei bem o que quer dizer.
Direita não fascista
Entre os dois, temos a direita não fascista, uma direita que apoiou o golpe de 2016, que percebeu que já tinha perdido quatro eleições consecutivas para a presidência da República. Em suma, um segmento político que era centro em parte, com o PSDB, mas que foi deslizando para a direita à medida que o PT ocupou o espaço social-democrático que está no nome do PSDB, mas que nunca foi a prática do PSDB. À medida que o PT ocupou o espaço social-democrático, o PSDB foi indo para a direita, culminando com a submissão de Aécio [Neves] a Eduardo Cunha, já da extrema direita, para tirar Dilma. Isso foi um erro notável no PSDB, perante o qual outros líderes históricos, como Fernando Henrique, [José] Serra, [Geraldo] Alckmin, não tiveram coragem e vontade de lutar. Isso acabou levando ao esvaziamento do PSDB, que hoje, inclusive, em vários casos, na Câmara, funciona próximo ao bolsonarismo.
Três forças e duas questões cruciais
Então, temos três forças, que se marcam pela sua posição por duas questões cruciais. A primeira questão é se são contra ou a favor da vida e dos valores civilizados. A favor da vida e dos valores civilizados temos o campo progressista e temos a direita não fascista, o PSDB, o DEM e outros partidos. Contra os direitos civilizados e contra a vida, temos a extrema direita, que está claramente promovendo os descasos com os programas de saúde, e vemos isso todos os dias. Estou falando na quinta-feira, 25 de março, depois de ter havido a troca de ministros, e o Ministério da Saúde continua fazendo uma guerrilha, impedindo a divulgação de dados corretos sobre a mortalidade relacionada à Covid-19, ou seja, continua essa brincadeirinha nada séria com a saúde e a vida das pessoas.
A extrema direita está de um lado, e a direita não fascista e o campo progressista, de outro. Isso permitiria uma vitória fácil sobre Bolsonaro, considerando a frase que viralizou: “Somos 70%”. Se os 70% se unirem, eles devolvem o Brasil para o mundo civilizado e dão de novo expectativa de vida para o nosso povo.
Segunda linha de divisão – política econômica e social
Porém, há uma segunda linha de divisão, relativa à política econômica e às políticas sociais. A direita fascista e a direita não fascista concordam quanto às privatizações, quanto à redução dos direitos trabalhistas, e isso as aproxima, tanto que em várias votações no Congresso, como a questão da Reforma da Previdência, elas convergiram. Na eleição do presidente da Câmara, elas convergiram. Temos aí uma posição que é muito diferente da posição do campo progressista, que pode aceitar algumas reformas nessa direção, mas quer, sobretudo, uma economia na qual se tenha uma transferência de renda para os mais pobres e a inclusão social deles.
Então, é muito difícil conseguir uma aliança entre o PT e o que restou do PSDB – digo restou porque o PT é o partido que teve o maior número de cadeiras na Câmara na eleição de 2018 e o PSDB, que já foi o partido mais importante do Brasil, ficou em nono lugar, embora tenha conseguido alguns deputados depois, que deixaram seus partidos para ir para o PSDB. Mas ele ficou em nono lugar, empatado com o DEM, outro partido que teve importância bem maior no passado do que tem hoje.
Nesse sentido, uma aliança, uma fusão entre, vamos dizer, essas forças políticas que foram representadas por Lula, que continua na ativa, e Fernando Henrique, que hoje não tem nem o apoio e nem o controle do seu próprio partido, é difícil. Independentemente dos olhos do passado, eles expressam políticas econômicas e sociais diferentes. Em termos de votação, isso que chamei de direita não fascista minguou muito na última eleição: somando Alckmin, [Henrique] Meirelles, Álvaro Dias e mais alguns nomes menores, não chegaram a 10%. Enquanto o conjunto da extrema direita, somando Bolsonaro e o Partido Novo, de Amoedo, chegou a 50% já no primeiro turno. A direita não fascista é forte na mídia, no capital, nas propriedades, mas é fraca eleitoralmente. Esse é um traço importante. É inteiramente natural, num regime democrático, que aqueles que defendem políticas de inclusão social tenham os votos dos mais pobres, que é o caso do PT e dos seus possíveis aliados à esquerda. Contra eles, a única forma de a direita conseguir votos é apelando para a demagogia, para a denúncia ininterrupta de corrupção mesmo sem provas, condenações injustas e ilegais, como o Supremo Tribunal Federal – STF expressou no caso do julgamento de Lula. Tudo isso torna um pouco difícil neste momento uma aliança contra Bolsonaro. Cada lado vai querer uma parte substancial das políticas a definirem depois. Não acho fácil e não sou otimista a respeito. Ou então, terá que passar bastante tempo antes de se ter um resultado.
Luiz Carlos Bresser-Pereira – Não creio que a centro-esquerda se una para o primeiro turno da eleição de 2022; a frente ampla ficará para o segundo turno. A centro-direita, por sua vez, não apoiará a reeleição; o fato de ter apoiado esse senhor nas últimas eleições está lhe custando caro.
A gravidade da crise indica a necessidade de um grande acordo político, mas para isto é necessário que o ódio que surgiu nas elites econômicas brasileiras em 2013 tenha sido superado. Quando há ódio não há política, porque a política é a arte dos compromissos, das concessões mútuas. É uma arte incompatível com o ódio.
Leda Paulani – Não tenho a expertise dos cientistas políticos para falar sobre esse tema, mas o que me parece é que a situação vai ficando objetivamente tão difícil, que os acordos vão emergindo quase naturalmente; vide o artigo publicado ontem em O Globo, criticando a omissão e irresponsabilidade do governo federal na gestão da crise sanitária e que foi assinado por parlamentares de 14 partidos diferentes, num arco que vai do PSL ao PSOL (em qual cenário alguém poderia imaginar Kim Kataguiri e Marcelo Freixo assinando um mesmo artigo?) Se isso será suficiente para construir uma aliança capaz de viabilizar o impeachment de Bolsonaro e/ou construir uma candidatura capaz de derrotá-lo em 2022, é uma resposta difícil de dar.
Fonte: IHU On-Line
Data original da publicação: 26/03/2021