Seguindo a série de entrevistas com trabalhadores de aplicativos do projeto “Trabalhadores de Apps em Cena”, esta entrevista foi realizada com Ana Rafaela Medeiros, entregadora de plataforma digital em João Pessoa e membra do grupo Motogirls JP. .
Confira a entrevista.
DANIELA MURADAS ANTUNES: O trabalho em plataformas vem acompanhado de narrativa do empreendedorismo. As empresas alegam que os trabalhadores atuam por conta própria e por isso assumem o custeio dos recursos para o desenvolvimento da atividade, tais como smartphones, veículos e contratos de seguro e outras despesas, inclusive as decorrentes da depreciação. Você se percebe empresário de si mesmo ou acredita que é um trabalhador e vive de sua atividade? Você conhece ou teve notícia de composição de custos para a sua atividade? Sabe qual é o ganho que o aplicativo obtém de cada operação?
É… não, assim, em relação ao ganho que ele tem de cada operação, nós temos algum tipo de visibilidade em relação a isso, porque nós vemos na comanda. Porque, às vezes, é repassado pra gente um valor e o aplicativo está ganhando, às vezes, um pouquinho a mais. E, às vezes, é ao contrário. O cliente tá pagando pela entrega um valor baixo e o aplicativo é pelo mínimo. Ele pega e nos paga um pouquinho mais. Assim, não, assim, não me considero é… me considero empregada ainda justamente por esse fato, a gente gasta bastante pra poder estar trabalhando. Gastamos com o nosso transporte, o nosso celular. Gastamos, enfim, com várias partes da qual o aplicativo não cobre, certo? E é tanto que, às vezes, a gente fica até é… meio que injusto, achando injusto os valores que são pagados pra nós, referentes às quilometragens que ele quer que a gente percorra. É um pouco injusto. O aplicativo poderia estar fazendo mais por nós, né, já que nós fazemos tanto por eles, mas, infelizmente, essa injustiça, a gente vê em várias áreas. [Composição de custos] não, a não ser que tenha sido assim: no período de pandemia até o ano passado, ele nos dava R$30,00 ou, então, nos dava quatro máscaras e um álcool gel para que nós possamos estar nos protegendo. E, depois de um tempo, isso aí foi cortado para nós, entendeu? Aí, depois, acabou sendo nós mesmos. Mas referente à gasolina, só por duas vezes o aplicativo deu R$ 60,00 a R$ 75,00 pra cada um de nós. Inclusive, achávamos que iria continuar recebendo esse benefício pra gasolina. Só que foi cortado, que nem também o do produto do álcool em gel e das máscaras, que também foi cortado pra nós. [Composição de custos] sim, assim, a gente tem noção do que que vamos gastar em relação tanto à gasolina, que a gente usa gasolina não só para o trabalho, mas também pra coisas pessoais. A gente consegue ter noção do que que a gente gasta de gasolina, de óleo. Os aparelhos, quando pegam chuva ou alguma queda no meio do caminho, assim, é bem custoso, assim, pro nosso lado, entendeu? Aí, a gente tem que fazer a troca, né, do que a gente ganha pra o que a gente gasta.
GUILHERME LEITE GONÇALVES: Nas últimas décadas, temos observado um processo intenso de privatização e mercantilização de serviços, bens e espaços públicos e coletivos. Com isso, trabalhadoras e trabalhadores se veem cada vez mais dependentes do mercado para satisfazer necessidades básicas (transporte, saúde, habitação, educação etc.). Como a remuneração ao trabalho é cada vez mais insuficiente, a pressão por obtenção de crédito junto a bancos tem sido cada vez maior. Trabalhadoras e trabalhadores de apps têm vivenciado esta dinâmica de expropriação e endividamento? Ela tem contribuído para a aceitação de condições ainda mais precárias de trabalho?
Assim, em relação a crédito é… o início da pandemia fez com que essa questão de aumento de delivery, aumento de demanda, poderia vir a crescesse bastante e pra um ramo, que é o ramo que eu tô atualmente, cresceu bastante em relação a outros. E você acredita que foi nesse período de aumento de ganho que eu comecei a me endividar? Eu comecei a não conseguir me estabelecer nas minhas dívidas em relação a cartão de crédito, em relação a algum tipo de crediário que eu tinha. E, hoje em dia, todo o dinheiro que eu consigo ganhar da minha plataforma, eu não consigo quitar as dívidas, porém eu consigo me manter. Eu consigo ter a minha manutenção do que eu preciso diariamente. Aí eu fico me perguntando: é tanto dinheiro que a gente recebe, querendo ou não, por semana, por mês, que a gente não sabe por que esse dinheiro não dá pra se sair de dívidas, se sair pra limpar o seu nome, tirar o seu nome de restrição. Assim, pra mim, no meu ponto de vista, pra alguns casos, pra algumas pessoas, sim. Pessoas, digamos, depende do grau de organização, do grau de muita coisa de vida de cada um, entendeu? No meu sentido, causou uma certa bagunça, mas eu consigo ter manutenção. Consigo me manter de acordo com aquela manutenção que eu tinha, quando eu tinha meus cartões de crédito, quando eu tinha meus crediários. Eu consigo me manter hoje em dia, sem isso, no à vista. Porém eu gostaria de voltar, porque ter crédito na praça é uma das melhores coisas que uma pessoa pode ter. Atualmente mesmo, eu trabalho com moto de aluguel. Se eu tivesse crédito na praça, eu já taria trabalhando com a minha moto, porque eu teria o meu nome limpo. Eu não teria nenhuma restrição pra poder tá comprando o meu veículo, entendeu? E, mesmo com o aluguel, eu consigo me manter graças a Deus. Mas também é muita correria. Teve um dia é… teve quatro dias, três dias da semana passada, que eu não trabalhei. Fez um diferencial muito grande de valores. E a gente sente isso como uma pancada forte. E não fica só referente aos dias que nós paramos, mas referente a dias seguintes. É uma questão de elevação de conta. A conta cai e, daqui a algum tempo, a gente tem que elevar de novo pra gente ter os valores bacanas no bolso pra não tá precisando, tá pedindo dinheiro emprestado, tá abrindo mais crédito, sem nem ter ele, entendeu? Mas, pra mim, de um certo modo, ficou um pouquinho mais apertado por conta também de todos os valores que nós pagamos. Hoje em dia, é consumação de alimentação, é combustível, que a gente gasta bastante, manutenção de peças, valores das peças que aumentaram. Enfim, todo esse rebuliço, né.
JOSÉ RICARDO RAMALHO: A solidariedade de classe é uma das características marcantes da história dos trabalhadores e dos sindicatos no capitalismo. Como a construção dessa solidariedade se coloca para os trabalhadores de aplicativos? Como se constrói uma identidade coletiva de resistência aos mecanismos de exploração exercidos pelas empresas?
Ah, sim, a questão, deixa eu ver se eu consegui compreender a tua pergunta, a questão de uma certa união que há entre os entregadores. Bom, assim, é até amedrontador pra algumas pessoas, porque a galera fala assim, aqui, em João Pessoa: “Se mexeu com um, mexeu com todos.” Então, às vezes, a gente até procura saber se realmente aquele parceiro numa briga de trânsito ou numa situação em restaurante ou até numa briga entre entregadores mesmo, se a gente tá defendendo o lado certo, porque, às vezes, querendo ou não, o ramo, esse lado de cá, também erra bastante, entendeu? E procura justiça juntamente com os companheiros, às vezes, de uma maneira errada. Semanas atrás, tivemos aí um caso de uma entregadora que foi agredida e tal. E juntou uma quantidade grande de motoqueiros e motoqueiras pra ir até o local buscar uma certa justiça, de uma certa maneira. Assim, eu acho bacana a união. Mexeu com um mexeu com vários, mas tem também que saber a forma certa de buscar o que é realmente seu de direito, sem ser com baderna, sem ser com a violência que possa afetar uma terceira pessoa. Não aquela pessoa que ofendeu ou que machucou aquele entregador, aquela entregadora. Assim, às vezes, há um momento muito explosivo, assim, da gente, da galera, entendeu, desse ramo. Não sei se por conta das coisas que já tem na sua mente, do seu dia a dia, as coisas do trânsito, que o trânsito é algo também muito perturbador. Você tem que ter muita atenção, você tem que dar muita atenção. Às vezes, você tem que deixar passar algumas coisas que dá vontade até de mexer, mas, assim, que não valem a pena, que é um desgaste, que é uma energia negativa, entendeu? Mas, assim, a classe, eu acredito que a classe tenha uma certa união também é… muito grande, entendeu, do mesmo jeito que há em alguns outros também, entende? Mas só que, às vezes, a maneira de buscar justiça é que tem que ter um pouquinho de cautela, entendeu? Não tá afetando muito os outros de uma determinada forma, principalmente, com agressão, com quebra de portão, que vai afetar um porteiro que vai trabalhar a madrugada todinha ali em vulnerabilidade, entendeu? De soltar bomba onde pode afetar uma criança ou um idoso que não tem nada a ver com a situação. Eu sou a favor de alguém fez com um entregador e realmente aquela pessoa tem culpa, aquela pessoa ser lichada ou fazer o que seja necessário para ela sentir na pele que não é assim que tem que reagir com o ser humano. Só que eu também tô errada de tá tendo esse tipo de pensamento, entendeu? Enfim, é aquela questão de justiça que, às vezes, a gente quer de uma outra maneira, entendeu? E, da maneira como a gente gostaria de ter, demora ou, então, alisam bastante, porque quantos casos aí de motoqueiros ou motoqueiras que foram afetados por outra pessoa irresponsável e que, tipo, foi passado a mão na cabeça daquela pessoa, entendeu? É aí onde geram certas revoltas, entende? Enfim, mas realmente a classe tem uma certa união bacana.
MAGDA BARROS BIAVASCHI: Quem controla tuas atividades? Como prestas contas delas à plataforma e aos usuários do teu trabalho? Quem define o valor das corridas e o percentual retido à plataforma? Como é feito o controle do teu trabalho para fins de pagamento das atividades desenvolvidas?
Bom, olha só, a plataforma que eu trabalho do iFood, eu vou falar mais dele, porque a moovery, eu nem uso tanto, mas eu vou falar mais do iFood. É tudo computadorizado, determinado por eles, né. Os valores mínimos chega a R$ 5,31 e o máximo vai, vai variando, entendeu? Então, eles determinam, de acordo com a quilometragem, de acordo com a minha posição no mapa, até o restaurante e até o cliente. A questão de horários, assim, é bem livre. Aí que o entregador de plataforma, principalmente do iFood, tem isso. Se você trabalha bem todos os dias, se você dá dedicação, se você está online para o aplicativo, ele realmente vai te mandar corrida uma atrás da outra, que isso é bom, mas, quando a gente determina “vou tirar hoje minha folga”, “não quero trabalhar durante um ou dois dias” ou não quer trabalhar à tarde, então, essa determinação é nossa. Então, a gente é livre pra isso, principalmente, nós que somos nuvens. E tem o outro lado da plataforma, que são os OLs, e já tem horários a cumprir. Porém o nuvem atualmente, hoje em dia, no iFood, tá cumprindo agendamento, que cumprir agendamento também significa que você tem que tá ligado naquele momento em que você disse que está. E, quando a gente desliga, podemos também desligar, temos a capacidade de poder fazer isso e parar o trabalho, mas também vai gerar problemas na nossa conta, problemas no nosso login. Então, às vezes, a gente acha que a gente que é dono do nosso dia a dia, a gente que é dono dos nossos valores a receber. De fato, somos, mas, quando a gente diz não ao aplicativo, a gente consegue levar respostas em relação a isso que são financeiramente dolorosas, entendeu? Você, às vezes, é acostumado em fazer dois dias R$ 300,00; R$ 400,00. Você deixar de fazer isso, porque passou um ou dois dias parados, você não fica só sem esse valor de R$ 300,00; R$ 400,00. Você fica além, porque ele leva para outros dias o seu login como um login baixo. E, assim, tem um lado bom e um lado ruim, né? Se você quer ganhar bem, você trabalha muito. Se você quer ganhar mal, você trabalha pouco. Então, tem essa variação. E tudo é… toda sistemática do iFood, pra essa questão de cálculos de valores que vem do restaurante pra ele, entendeu, ele tira certo valor do restaurante e repassa uma porcentagem também muito alto pra eles. Quem determina mais são eles os valores a passar, tanto pro restaurante, de acordo com a venda que o restaurante fez na venda do aplicativo, quanto pra nós que estamos indo fazer a entrega do produto, a coleta e a entrega do produto.
MARIA CELESTE MARQUES: Considerando que se trata de um segmento profissional majoritariamente masculino, como você vê a possibilidade de uma maior abertura da atividade para outros gêneros? As plataformas digitais de entrega e de transporte têm fornecido alguma orientação sobre discriminação de gênero no ambiente de trabalho?
Bom, assim, realmente é um trabalho voltado mais pra parte masculina e a gente, há um tempo atrás, via pouquíssimas mulheres no ramo. E, já quando eu entrei, já vi algumas. E, depois, assim, do período em que eu estou, nossa, o crescimento de mulheres no ramo foi muito legal ver isso, porque tem bastante aqui na minha cidade, em João Pessoa, realmente a quantidade de minas entrando. A gente tem um grupo também. Tanto aquelas que não querem entrar no grupo. Tem muitas outras. Eu acho massa, assim, a questão. Eu não vi nenhum problema. Não encarei nenhum tipo de preconceito. A única coisa, porque, assim, eu tenho o cabelo curto e, às vezes, eu tô de cabelo curto, às vezes, eu tô de trança. Ultimamente eu tenho estado com o cabelo curto e alguns caras, quando eu, sei lá, de capacete, de máscara e tal: “Opa, boa noite, senhor.” Aí, quando escuta a voz: “Opa, boa noite, meu filho e tal. Ah, me desculpe e tal.” E, assim, pra mim, essas coisas são super normais, entendeu? É muito aceitável. É muitos elogios também. São muitas pessoas que diz: “Nossa, como você tem coragem?” A minha coragem está aí pra vida. Não é só pra esse tipo de ramo, entendeu? E é bacana quando a gente encontra crescimento de mulheres em ramos em que a sociedade determinou, há um tempo atrás, em visualizar mais homens, entendeu, nessa situação. E é bacana, é bacana de ver… não, assim, sem discriminação, super aceitável, entendeu? É realmente a gente está num ramo, num local em que a gente tem muito mais contato com homens do que com mulheres. Mas é isso, sempre tem respeito dos meninos. Nunca, até agora, teve problema, entendeu? Porque a gente tem que lidar, limitar o que a gente tem que receber e ouvir do outro em relação à brincadeira, em relação a assuntos sérios, mas é muito bacana. Foi bem aceitável, assim, a minha permanência como entregadora no ramo onde tem muito cara, muito homem. [Orientação sobre discriminação de gênero] bom, não, não. Apesar que, assim, a plataforma, ela sempre joga, assim, nas nossas telas, muitos informativos, muitas coisas, em regra, muitas coisas, mas é… referente a esse tipo de abordagem, não, a não ser não que eu lembre. Ela pode até ter feito isso e eu não estar lembrada ou não ter visto na minha tela, entendeu? Mas não.
NOA PIATÃ: Quantas vezes por dia você olha o celular em movimento, no trânsito, conduzindo o carro, a motocicleta ou bicicleta?
Inúmeras vezes, inúmeras vezes. Tanto quando você para ou quando você para em um sinal ou quando você para rapidinho pra uma passagem de alguém ou esperar o companheiro da frente, pilotando também assim. Coisa que nós não deveríamos fazer. Por duas coisas, pelo risco, né, falta de atenção que se tem, que frações de segundo se torna muita coisa, e por multa. Porque a nossa cidade é muito monitorada e a gente nunca sabe quando vai ter uma pessoa da SEMOB lá para querer tirar uma fotozinha e ganhar dinheiro em cima do nosso erro, né. Mas eu uso, tenho uso sim, bastante. Não posso nem dizer a numeração, porque são tantas.
PHILIPPE OLIVEIRA DE ALMEIDA: Algumas pesquisas têm indicado que o faturamento diário de entregadores de aplicativos negros (pretos e pardos) é menor que o dos entregadores brancos. Isso se deveria a alguns fatores, como, por exemplo, obstáculos enfrentados no momento de entrar em prédios e condomínios fechados – exigência de apresentar documentos de identificação etc. –, o que “atrasaria” a entrega, e reduziria o número de “corridas”. Você já se sentiu discriminado, devido à sua cor de pele, em seu trabalho? Se sim, como aconteceu? O aplicativo te deu algum suporte, nessa situação?
É… bom, assim, eu já, porque, assim, às vezes, eu vou fazer a corrida bem na tranquilidade mesmo. E me aconteceu, ontem, que eu estava com um agendamento de oito horas. Eu tinha me esquecido desse agendamento e, quando eu liguei o celular, era oito e dezesseis. Então, eu liguei o celular e tive que ligar pra me manter, pelo menos, logada alguns minutos. Aí o que que aconteceu? Eu estava fazendo uma faxina em casa. Tive que sair, porque tocou essa corrida e essa corrida era pertinho. Saí sem chinelo, sem máscara. Fui embora. E outra coisa, estava sem bag. Peguei e fui fazer a corrida. Era para deixar um Monster, um energético, os do outro lado. Tranquilo. Deixei esse pedido e fui fazer minha outra rota, que eu fui pra deixar no shopping. Então, foi complicado, porque, assim, eu tava dentro do shopping, na porta do estacionamento, tentando entrar no elevador sem máscara, já não podia. Tentei usar a camisa, já não deu certo. Eu estava parecendo realmente uma jogada. Eu tava com uma sacola de tapioca, que eu tinha pego pra entregar o cliente. Tinha duas tapiocas que estavam bem quentinhas. No final, foi entregue bem fria ao cliente. Sem chinelo no estacionamento. Então, assim, às vezes, eu me pego assim: “caramba, que leseira que a gente faz por não estar trabalhando para a empresa e sim está trabalhando para a plataforma que não tá te vendo, não tá vendo a forma como tu tá indo trabalhar.” Certo? E, assim, e tem lugares que eu chego que realmente a gente nota o grau de elevação de lugar. De alguns lugares que a gente nota, tem a galera mais nariz empinado e tem a galera que é nariz empinado e é super respeitadora e super de braços abertos. E tem aquela que olha você assim, de cabo a rabo, e diz assim: “Nossa, o que é isso?” Aí eu tô assim e eu nem ligo. Dane-se, entendeu? Eu tô ali pra fazer, porque, depois que eu der a finalização, vai tá o dinheiro caindo na minha conta. E eu tô saindo da forma pra onde eu quero, indo pra onde eu quero, entendeu? Às vezes, até pra onde o iFood quer. Não é nem onde eu quero. Mas, assim, o tipo de discriminação mais foi essa, porque é… e assim de cliente, às vezes abusado. Cliente que olha assim. De gente, até na pista, que olha você como entregadora e te vê e olha de uma maneira que você sabe que é inveja, entendeu, de tá vendo uma mulher naquela postura, você tá entendendo? Mas, enfim, são coisas bem relevantes e, assim, a gente segue a vida.
RENATA QUEIROZ DUTRA: Quando observamos os diferentes comandos que recaem sobre os entregadores e os motoristas por meio dos aplicativos, podemos perceber que consumidores podem fazer exigências e avaliações do seu trabalho. Como você se sente em relação às avaliações dos consumidores pelo seu trabalho? Na sua percepção, que consequências elas geram na sua relação com a plataforma e na sua percepção do seu trabalho?
Sim. Assim, o que o cliente acha de mim, assim, se eu tiver que nem nessa postura que eu te falei, tava descalça, tava sem máscara, tava bem “banda voou”, eu não ligo pra esse tipo de situações. Agora, assim, eu sou uma pessoa muito educada. Trato bem, entendeu? Eu recebo elogios, inclusive, de clientes, assim na hora. Teve uma época que eu recebi tanto da gorjeta que tu não tem nem noção! Então, ficava admirada assim de… “caraca, é muita gente que gosta do que você está fazendo.” E tem também os que não gostam, porque a vida é isso. Não pode ser 100%, entendeu? E, logicamente, aqueles que desagradam alguma coisa, às vezes, porque você derramou ou, então, porque você atrasou um pouquinho no pedido ou porque aquele cliente, às vezes, semana retrasada, aconteceu o quê? Cheguei no local e a pessoa disse o quê? Você demorou, né, naquele dia, naquela rota. O cliente chegou em mim e pá pá pá, falou tanta coisa. E engraçado que, quando eu cheguei lá, eu realmente atrasei. E, quando eu cheguei lá, o cliente tava com um sorriso de ponta a ponta. Eu não sei se ele estava sendo falso comigo ou se ele foi falso com a mulher, mas, logicamente, ele tava puto, porque o produto dele tava demorando a chegar. Mas, assim, eu não recebi dele o que ele tinha passado pro restaurante, entendeu, em relação ao atraso, aí: “Poxa, que legal, mulher e tal. Olha só, fulana de tal, aqui uma menina fazendo uma entrega e tal.” E, assim, têm coisas que são muito relevantes e aí, às vezes, a gente nem entende, entendeu? A questão é justamente essa. Se eu recebo e eu dou e eu estou recebendo educação, então, pra mim, tá massa, tá valendo. Agora, se o cliente também é ignorante, não quer dar um “bom dia”, um “boa tarde”, eu só peço o código e muito obrigado. Nem avaliação eu peço. Mas acredito que minhas avaliações com os clientes estejam boas sim.
CONSIDERAÇÕES FINAIS DE ANA RAFAELA MEDEIROS: Daniele, eu que agradeço! Inclusive, peço desculpa, porque essa nossa entrevista já era pra ter acontecido. Pra você vê como assim é muito aleatório o que acontece na vida de quem trabalha com entregas e quem trabalha com delivery’s. Porque, às vezes, a gente acha que vai conseguir fazer uma coisa de projeto pra nós, mas nós não conseguimos, porque nós estamos logados e temos que depender do que o aplicativo vai querer que nós façamos. Então, é muito bom, é muito complicado. É pra quem gosta mesmo esse tipo de ramo, entendeu, porque fica uma loucura, tudo fica uma turbulência, mas, se você saber encaixar, se você se organizar nos seus horários direitinhos, se organizar nas suas coisas pessoais, você consegue lidar bem com a questão de trabalhar como entregadora, principalmente, pras meninas aí, que tem muita gente que tem medo, não vai. Tem habilitação, tem transporte, tem o aplicativo, mas tem medo. E é se joga, pô, porque naturalmente as coisas vão fluindo, entendeu? E você fazendo tudo com cautela, agradecendo sempre a Deus e pedindo proteção, agradecendo por toda proteção que é dada a cada instante de nossa vida, não só como entregadoras, mas a sua como jornalista, a de várias pessoas aí que tão por aí pelo meio. (…) Você é professora. Pronto, pra você que é professora, que nem a minha irmã também, que é professora, professora de inglês, que, inclusive, eu não pude ajudar ela nas aulas dela online, por conta desse tipo de trabalho que eu tenho, entendeu, que é muito confuso em relação a questão de tempo. E, quanto mais tempo eu me dou pra ele, melhor ele se torna pra mim. Só que, querendo ou não, a gente deixa muita coisa de lado. Quantas vezes a sua entrevista não ficou de lado? Quantas vezes outras coisas da minha vida não ficou de lado e da vida de quem trabalha com isso? Porque, querendo ou não, é uma correria. Uma correria boa, entendeu? Gratificante, quando você faz o que você tá gostando, né, e tá recebendo, mais ou menos, o que gostaria.
Fonte: GGN
Texto: Daniele Barbosa
Data original da publicação: 08/04/2022