O governo Jair Bolsonaro apresentou na quarta-feira (20/02) sua proposta de reforma da Previdência. O presidente espera vê-la aprovada pelo Congresso no segundo semestre de 2019. Enquanto a tramitação não começa oficialmente, com possíveis modificações a partir das pressões dos mais diferentes grupos, o texto vai recebendo avaliações públicas.
A tramitação segue um rito específico na Câmara e no Senado, mas não tem prazo determinado. O ritmo vai depender do apoio do governo dentro do Congresso. Por ora, a base aliada não está consolidada. Bolsonaro e seus ministros tentam articulá-la.
Em paralelo a negociações partidárias (que envolvem mais espaço a legendas aliadas, cargos e recursos), o Palácio do Planalto tem recorrido a números e previsões econômicas na tentativa de sensibilizar parlamentares e trabalhadores quanto à necessidade de aprovação do texto como ele está. Segundo a equipe econômica, sem a reforma, o país entra em recessão a partir do segundo semestre de 2020.
R$ 4,497 trilhões é a previsão de redução dos gastos públicos em 20 anos com a reforma da Previdência, segundo o governo Bolsonaro.
O governo precisa do voto de 308 dos 513 deputados (três quintos), em duas votações, para a reforma ser aprovada na Câmara e enviada ao Senado. Lá, o projeto deve ser aprovado por 49 dos 81 senadores (três quintos), em duas votações.
Trata-se de uma votação complexa e, como a reforma da Previdência mexe com praticamente todos os setores da sociedade, a tramitação tende a ser permeada por muitos debates. As primeiras reações indicam que a base aliada terá de conciliar interesses diversos.
Reações na Câmara e entre governadores
As manifestações públicas de deputados e governadores (estes exercem forte influência nos parlamentares de seu estado) servem de termômetro para indicar o grau de dificuldade do Planalto para aprovar a reforma sem mexer muito no texto original.
Dos integrantes do PSL vieram os elogios. Entre os demais partidos favoráveis à proposta e próximos do governo, deputados destacaram os pontos mais sensíveis e que tendem a ser o alvo de mais debates durante a tramitação.
Pontos mais sensíveis
Benefício a pobres
O BPC (Benefício de Prestação Continuada) atualmente é um salário mínimo pago a idosos pobres ou aqueles com alguma deficiência a partir dos 65 anos. A reforma sugere um pagamento de R$ 400 a idosos a partir dos 60 anos e de um salário mínimo a partir dos 70 anos. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu nesta segunda-feira (25) a retirada desse item.
Idade mínima
A proposta estabelece uma idade mínima de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens). O texto também aumenta o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 20 anos. O trabalhador da iniciativa privada só terá direito a 100% do benefício com 40 anos de contribuição.
Aposentadoria rural
O texto também muda as regras para trabalhadores do campo, que passariam a se aposentar com 60 anos (homens e mulheres), com tempo mínimo de contribuição de 20 anos. Atualmente é possível se aposentar com 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) com contribuição mínima de 15 anos. A proposta repercutiu mal em especial entre deputados e governadores do Nordeste, onde mais trabalhadores seriam afetados.
Militares de fora
A ausência dos militares na proposta inicial da reforma foi um dos pontos criticados por deputados de legendas como DEM, PP e do próprio PSL. Para eles, essa opção passa a mensagem de que o grupo será protegido, o que pode dificultar a tramitação. Militares atualmente contam com regras diferentes (como menos tempo de contribuição, por exemplo) e em geral se opõem a mudanças mais bruscas. O governo diz que militares também serão atingidos pela reforma e o projeto de lei será enviado para Câmara até 20 de março de 2019.
“Tem de trazer todos juntos, não podemos tratar de forma separada. (…) Temos de conhecer os dois textos para saber que o tratamento está sendo igualitário”
-Delegado Waldir líder do PSL na Câmara, em declaração a jornalistas na quinta-feira (21/02)
A oposição. E os governadores
Alguns dos pontos questionados pelos governistas coincidem com as principais queixas de parlamentares de partidos da oposição, como PT, PCdoB e PDT.
Para lideranças dos partidos de oposição, a proposta afeta mais duramente os mais pobres, em razão, principalmente, das propostas de mudança nos benefícios aos idosos pobres, na aposentadoria rural e na exigência de contribuir 40 anos para ter acesso ao benefício integral.
“A máscara do bolsonarismo continua a cair. A nova proposta de desmonte da Previdência aumenta o tempo de trabalho para se aposentar, prejudica ainda mais as mulheres, reduz os valores e deixa de fora os militares. Vergonhosa, indecente e maléfica aos trabalhadores brasileiros”
-Ivan Valente, líder do PSOL na Câmara, em seu perfil no Twitter na quarta-feira (20/02)
Situação semelhante ocorre entre governadores, com quem o Planalto conta para influenciar os votos dos deputados federais. Os gestores são em sua maioria favoráveis à reforma, mas sinalizam que vão condicionar o apoio em troca de mais ajuda para que as gestões estaduais consigam tirar as contas do vermelho. Um dos exemplos é o pedido de criação de um fundo público para cobrir o déficit das previdências estaduais.
As centrais sindicais
As reações mais críticas à reforma partiram de entidades de classe e centrais sindicais. Algumas das maiores entidades, como a Força Sindical, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a UGT (União Geral dos Trabalhadores) divulgaram notas nas quais afirmam que a reforma penaliza os trabalhadores mais pobres e dificulta o acesso ao benefício integral.
“Privilégio é o alto escalão do Judiciário, é a cúpula militar. E a reforma não acaba com privilégios, simplesmente acaba com o direito à aposentadoria do povo trabalhador, que na maioria dos casos recebe o benefício de um salário mínimo pra sobreviver”
-Vagner Freitas, presidente da CUT, em declaração na quarta-feira (20/02)
A Força Sindical apresentou nove sugestões como alternativa à proposta do governo, entre elas cobrar de grandes empresas as dívidas com a Previdência e melhorar a fiscalização a fim de combater fraudes. As mudanças na aposentadoria dos trabalhadores rurais também está entre os pontos em que entidades cobram mudanças.
“É importante observar que as mulheres têm um trabalho penoso, com uma jornada dupla, tripla na área rural. Não têm fins de semana, muitas vezes, para descansar. É preciso reconhecer que o tempo de atividade na área rural para a mulher é uma sobrecarga de trabalho e precisaria ter um tempo de idade diferenciado”
-Leandro Morello, assessor jurídico da entidade da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), em declaração ao Globo Rural
Os servidores públicos
Outro foco de reação à reforma vem dos servidores públicos, que passariam a ter a mesma idade mínima que os trabalhadores do setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens). Para os trabalhadores do setor público, a alíquota de contribuição progressiva, que aumenta de acordo com a faixa salarial, pode chegar a 22%.
A cobrança progressiva é o ponto de crítica das entidades que representam os servidores públicos. A reforma foi mais dura com os servidores. Reações nesse sentido vieram de associações de juízes, procuradores, auditores fiscais e de funcionários do Banco do Brasil.
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirma que, se a proposta for mantida assim, vai questioná-la no Supremo sob argumento de que a alíquota é abusiva e equivale a um confisco do salário. A alíquota mais alta foi proposta a quem ganha acima de R$ 39 mil. Nas contas da entidades, se somada à contribuição à Previdência, quase metade do salário ficaria comprometido.
“A reforma da Previdência, como apresentada, joga para a população e para os servidores públicos a responsabilidade pela má gestão do dinheiro público, da corrupção, da sonegação fiscal e da dívida ativa da União”
–nota assinada por 17 entidades e associações de servidores do Judiciário, Ministério Público, entre outros
A indústria
Entidades que representam o setor industrial disseram que a proposta é positiva e é passo importante na direção de sanear as contas públicas. Para seus representantes, a reforma cumpre a promessa de Bolsonaro de mexer com todos e de acabar com privilégios. Para essas entidades, a reforma é importante por sinalizar um maior controle das finanças públicas e pela mensagem de confiança a empresários, ajudando a atrair investimentos ao país e movimentando a economia.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que publicou anúncios em jornais de grande circulação defendendo a aprovação da reforma, diz que o texto do governo vai estabilizar o custo da Previdência.
“Se nada mudar, em 15 anos, gastará 100% do seu orçamento com previdência. Ou seja, não haverá recursos para educação, saúde, segurança, infraestrutura, etc. (…) Pode-se discutir detalhes do projeto, mas não há como negar que a proposta, ao economizar mais de RS 1 trilhão em 10 anos, estabiliza o custo da previdência para o Tesouro Nacional”
-Paulo Skaf, presidente da Fiesp e do Ciesp, em nota divulgada na quarta-feira (20/02)
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) considerou adequada a proposta de idade mínima e afirma que a reforma vai corrigir distorções do sistema previdenciário.
“Uma de suas virtudes é exatamente estabelecer que todos os setores da sociedade deverão dar sua contribuição para a solução da questão previdenciária no Brasil. (…) Sem realizar uma reforma profunda na Previdência, o país não terá recursos para pagar os benefícios, não apenas no plano federal, mas também por parte dos governos estaduais e municipais, que enfrentam dificuldades extremas de pagar seus servidores ativos e inativos”
-José Augusto Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da CNI, em declaração na quarta-feira (20/02)
O setor bancário Representantes de bancos privados fizeram declarações no sentido de que a aprovação da reforma, tal como proposta, será importante para o país. Mas acrescentam que o governo precisa adotar outras medidas em paralelo para recuperar a situação das finanças públicas.
“A reforma da Previdência é o [passo] mais importante, mas não o único. (…) Não [acredito que as reformas sejam] um passo positivo, mas indispensável, porque obviamente todos aguardam isso. (…) Dada a importância que o país tem para a América Latina, isso é importante para a região”
-Guillermo Ortiz, presidente do BTG Pactual na América Latina, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no domingo (24/02)
“Mas só a reforma não é suficiente [para conter a dívida pública], mesmo que se aprove a proposta, que é ambiciosa. Sem a reforma não tem chance de ajuste. Com a reforma, tem chance, mas vai depender de outras medidas, como estabelecer políticas para o reajuste do salário mínimo e dos servidores públicos”
-Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, em entrevista à revista Época, publicada na quarta-feira (20/02)
“A reforma é ‘o pagamento da primeira parcela’ para estancar o crescimento da dívida pública. O gasto com aposentados consome 58% do Orçamento. (…) A reforma ajuda na expansão do país, traz confiança e mais receita ao governo”
-Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil, em entrevista ao jornal O Globo, publicada na segunda-feira (25/02)
Fonte: Nexo
Texto: Lilian Venturini
Data original da publicação: 25/02/2019
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