Porque lutar contra a escala 6×1 é lutar contra a desigualdade racial?

Taís Dias de Moraes

Resumo: O artigo analisa como a despadronização das normas do tempo de trabalho, especialmente aquelas que se expressam por meio da escala 6×1, impacta de forma diferenciada a população negra no Brasil. Argumenta-se que trabalhadores negros, em especial as mulheres, estão não apenas sobrerrepresentados em regimes exaustivos e precários, mas também enfrentam maiores desafios nos âmbitos da saúde mental, pobreza de tempo, acesso à cidade, lazer, sociabilização e remuneração. A sobrecarga de trabalho dificulta ainda mais a superação de obstáculos em relação à escolarização e, consequentemente, à mobilidade social, contribuindo para a transmissão intergeracional da pobreza. 

Sumário: Introdução | Despadronização do tempo de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores: as diferenças da experiência da população negra | Considerações finais

Introdução

Desde a abolição da escravidão, a população negra (pretos e pardos) permanece em posições de desvantagem estrutural no mercado de trabalho brasileiro, resultado de um racismo que se mantém como traço central da sociedade e se manifesta na persistente desigualdade de oportunidades e condições (De Moraes, 2025). O Estado brasileiro teve papel decisivo nesse processo, seja por meio da exclusão da população negra das principais proteções sociais na Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, seja pela negligência da questão racial durante a consolidação do mercado de trabalho e mesmo após a Constituição de 1988 (De Moraes, 2025). 

Embora períodos de crescimento econômico e políticas sociais tenham promovido avanços pontuais, tais conquistas foram frágeis e sujeitas a retrocessos, especialmente após a crise de 2015-2016 e a adoção de agendas que enfraqueceram a proteção social e trabalhista (De Moraes, 2025). A partir da Contrarreforma Trabalhista de 2017, intensificou-se a despadronização das relações de trabalho, ampliando contratos atípicos e a despadronização da jornada, com impactos mais severos sobre os grupos mais vulneráveis (Cardoso, 2022) – especialmente jovens, mulheres e negros. Essa dinâmica resultou em aumento da informalidade, da subocupação e da exaustão (Cardoso, 2022; Junqueira, 2024), fenômenos nos quais a população negra está sobre representada, perpetuando ciclos de exclusão e adoecimento (De Moraes, 2025). A perspectiva racial é, portanto, fundamental para compreender os impactos da despadronização do tempo de trabalho, pois revela como as desigualdades históricas se atualizam e se aprofundam diante das transformações recentes no mercado de trabalho. 

Frente a essa problemática, o presente artigo tem como objetivo analisar como a despadronização do tempo de trabalho afeta a qualidade de vida dos trabalhadores no Brasil, com especial atenção às diferenças entre grupos raciais. A pergunta que orienta este estudo é: de que maneira jornadas de trabalho mais longas impactam de forma diferenciada trabalhadores negros e brancos? Parte-se da hipótese de que a despadronização das normas referentes ao tempo de trabalho, em favor dos interesses dos empregadores, agrava as desigualdades raciais, uma vez que afeta de maneira mais intensa a população negra por ser a maioria dentre os ocupadas em trabalhos ditos precários. Logo, a defesa de uma legislação trabalhista protetiva seria fundamental para a promoção de um mercado de trabalho mais igualitário racialmente. 

 

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Taís Dias de Moraes é cientista Econômica formada pela UNICAMP, Mestra e doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela mesma instituição na área de Economia Social e do Trabalho (CESIT). Membra do Grupo de Trabalho de Economia Política das Relações Raciais, da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP)


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