
Filme “Até a última gota” emociona e leva a pensar sobre sistema capitalista, que corrói a alma das pessoas, e é levado ao máximo nos Estados Unidos e no mundo.
Marcos Aurélio Ruy
Fonte: Vermelho
Data original da publicação: 21/07/2025
Do mesmo diretor de Batalhão 6888, Tyler Perry, Até a última gota é protagonizado por Taraji P. Henson, no papel de Janiyah, uma mãe solo que se desdobra em dois empregos para cuidar da filha Aria (Gabby Jackson), que tem uma doença incurável.
O filme, rodado em quatro dias, num período incrivelmente curto, rapidamente se tornou o mais visto na Netflix. E isso se explica pelo realismo da obra que emociona e leva a pensar sobre esse sistema, que corrói a alma das pessoas, e se notabiliza pela contundência com que denuncia o sistema capitalista, levado ao máximo nos Estados Unidos e no mundo Ocidental.
E nesses tempos de tarifação de países por Donald Trump, que pensa ser rei do mundo, o filme escancara o fracasso do capitalismo na metrópole do capital, na qual o “sonho americano” de vida estável com liberdade já sucumbiu há um bom tempo. No atual estágio do capitalismo, como diria Lênin, em sua obra Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, segue a luta dos povos do Sul Global (leia-se também Brics) contra toda a trama imperialista.
Para o seu país e para o mundo, seria melhor que Trump abandonasse o discurso fácil carregado de ódio, discriminação e violência contra os povos oprimidos. E parasse de insuflar Israel no genocídio em Gaza com o assassinato de milhares de crianças.
A ideia da “América grande de novo” talvez pudesse acontecer se o governo dos Estados Unidos cuidasse do seu país e do seu povo, que não tem direitos trabalhistas civilizados, nem um sistema universal de saúde gratuito, como o SUS — neste aspecto, vale lembrar o jornalista estadunidense Terrence McCoy, correspondente do The Washington Post, que ficou abismado com o atendimento que recebeu no SUS após ter sofrido um acidente no Rio de Janeiro.
Além de vivenciar todas essas dificuldades, Janiyah desdobra-se para custear o tratamento de sua filha e mantê-la com o mínimo necessário para sobreviver. A menina é humilhada na escola porque a sua mãe não tem 40 dólares para a sua alimentação. Quando o serviço social arranca Aria de Janiyah, ela se desespera.
E o filme de Perry não deixa por menos. A exploração do trabalho pelo capital de tão desumana que desumaniza as pessoas. Por isso, Janiyah enfrenta a indiferença quando é despejada de sua casa e perde um dos empregos. A crueldade de um gerente que nem tenta compreender o seu lado e a sua necessidade. Em meio a tudo isso, também entra em cena a solidariedade de classe, essa que nenhum dinheiro compra.
Como contou a amiga Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho, em uma entrevista, num processo judicial de uma trabalhadora demitida por justa causa, Valdete quis saber os motivos de tantas faltas. A trabalhadora, com dificuldade de responder, acabou dizendo que sofria violência doméstica e ficou envergonhada em expor as marcas no rosto e no corpo aviltado. A juíza deu ganho de causa à trabalhadora porque a empresa nem se preocupou em saber os motivos das faltas da sua funcionária e não a ajudou em nada.
A desesperança leva ao desespero e à tentativa de mostrar ao mundo que uma mulher negra, mãe solo e trabalhadora, sofre diariamente para sobreviver, já que viver fica muito difícil em um sistema onde predominam a desigualdade, a injustiça e a vulnerabilidade. Porque quem vive de sua força de trabalho não tem tempo nem para sonhar devido às jornadas extorsivas. Por isso, a campanha contra a escala 6×1 e pela redução da jornada sem redução salarial são essenciais para a classe trabalhadora.
Com clareza, Perry expõe que as questões de raça, gênero e classe caminham juntas na dinâmica da classe trabalhadora pela derrotada do capitalismo.
Enfim, Até a última gota remete à necessidade da superação da exploração capitalista e à construção de um mundo diferente desse que conhecemos, um mundo onde predominem a generosidade e a solidariedade.
Porque “deixe em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa, e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d’água”, como canta Chico Buarque em parceria com Paulo Pontes. Quem sabe a gota d’água esteja próxima.
Marcos Aurélio Ruy é jornalista