Plataforma cooperativa: alternativa concreta à precarização

plataformas cooperativas
Fotografia: Señoritas Courier

A nova plataforma Señoritas, das Señoritas Courier, cooperativa de entregas formada por mulheres e pessoas trans, foi apresentada na noite de sexta-feira, dia 10 de maio, na Biblioteca Mário de Andrade, no Centro de São Paulo durante a CryptoRave, evento anual voltado para a difusão de conceitos e softwares de criptografia e privacidade. A plataforma cooperativa foi desenvolvida em Núcleo de Tecnologia do MTST e estruturada para garantir modelos de transporte de documentos e mercadorias baseados em condições justas de trabalho. O evento fez parte da programação da edição de 2024 do festival.

Participaram da apresentação Aline Os, entregadora e fundadora da cooperativa Señoritas Courier; Alexandre Boava, integrante do Núcleo de Tecnologia do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); Gustavo Nicolau, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (FEEC/UNICAMP) e Rafael Grohmann, professor da Universidade de Toronto (Canadá) e responsável pelo DigiLabour. A mediação foi conduzida por Daniel Santini, coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo.

Aline Os, que tem defendido o direito à remuneração justa de entregadores e denunciado a precarização do trabalho da categoria, reforçou a ideia de se criar plataformas cooperativas pensadas para garantir condições adequadas de trabalho. O diálogo constante e o desenvolvimento da plataforma de maneira conjunta com as trabalhadoras da cooperativa foi ressaltado por Alexandre Boava, representante do MTST, e Gustavo Nicolau, desenvolvedor que trabalhou com o algoritmo utilizado – durante o processo, ele chegou a escrever um artigo científico sobre o desenvolvimento de algoritmo gerador de rotas com valores solidários.

A importância de articulações nacionais e internacionais com a formação de redes de cooperação e solidariedade foi ressaltada por Rafael Grohmann, do DigiLabour. Mais cedo, o pesquisador da Universidade de Toronto, havia apresentado em outra mesa o projeto de pesquisa reunindo olhares de Brasil e Argentina sobre infraestruturas autônomas, ao lado das argentinas Cecília Munoz (Código Libre), Elena Ficher (Alternativa Laboral Trans) e Laura Arcuri (Animus), todas vinculadas à Federação de Cooperativas de Tecnologia da Argentina, além de Alexandre Costa Barbosa, do Núcleo de Tecnologia do MTST, e de integrantes da associação MariaLab.

Plataforma cooperativa

desenvolvimento da plataforma das Señoritas Courier, lançada um dia antes no Al Janiah em São Paulo, é resultado da evolução do debate sobre alternativas à precarização do trabalho gerido por empresas de aplicativos, modelo que ficou conhecido como uberização. A ideia de se trabalhar com estruturas digitais criadas e geridas por trabalhadores e trabalhadoras ganhou força no Brasil a partir da publicação do livro Cooperativismo de Plataforma, de Trebor Scholz, publicado em 2017 pela Fundação Rosa Luxemburgo junto com a Editora Elefante e a Autonomia Literária (baixe grátis o PDF). O livro foi lançado na edição de 2017 da CryptoRave e tornou-se referência para pensar em mais soluções para novas formas de organização de sistemas de entrega.

Em 2021, o DigiLabour, iniciativa de acompanhamento de impactos de plataformas, dados e inteligência artificial, organizou o lançamento do Observatório do Cooperativismo de Plataforma, acompanhado de uma série de vídeos sobre o tema e um documentário sobre a experiência das Señoritas Courier. Em 2022, a articulação resultou em um encontro em Porto Alegre, seguido da formulação de um Plano de Ação para o Cooperativismo de Plataforma no Brasil. O documento foi entregue ao então candidato e hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2023, o avanço de políticas públicas relacionadas foi discutido em encontro em Brasília com representantes do Governo Federal, de órgãos públicos e de prefeituras municipais, em evento que reuniu representantes de nove ministérios diferentes. 

A criação de plataformas cooperativas desenvolvidas e geridas diretamente por trabalhadoras abre espaço para novas soluções em um ecossistema novo de alianças e políticas públicos, um desdobramento das políticas tradicionais de Economia Solidária, sobre as quais o Brasil tem amplo apoio. Mais do que regular apenas as plataformas, o país tem chance de incentivar e criar mecanismos para favorecer iniciativas como a mencionada, em um modelo que já está sendo chamado de Economia Solidária 2.0 ou Economia Solidária Digital.

Fonte: Jacobin Brasil
Texto: Daniel Santini
Data original da publicação: 13/05/2024

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *