Pato, castor ou ornitorrinco? O dilema legalista da jornada de trabalho dos docentes dos institutos federais

Roniel Sampaio Silva
Cristiano das Neves Bodart

Fonte: Revista de Ciências Sociais: Política & Trabalho, João Pessoa, n. 43, p. 279-295, jul./dez. 2015.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar algumas reflexões em torno do legalismo que dita o regime de trabalho docente nos Institutos Federais brasileiros. Para tanto, tomou-se um estudo de caso a fim de realizar análises e discussões mais concretas. Como ponto de partida, esclarece-se que há aqui um viés assumidamente partidário de uma causa: as melhores condições de trabalho do docente. O presente tema é oportuno em um cenário marcado pela apropriação do legalismo como forma de legitimação da precarização do trabalho do professor. Dentre as considerações finais realizadas, destaca-se que existe um “jogo” de interesses marcado pela utilização apenas dos deveres jurídicos do docente em detrimento dos seus direitos para determinar e delimitar sua jornada de trabalho.

Sumário: Introdução e procedimentos metodológicos | Um breve histórico da educação profissional no Brasil | Análise da instrumentação legal dos Institutos Federais | Enquadramento do docente | Jornada de trabalho | Quanto ao conceito de hora/aula e hora/atividade | Portarias de recomendações do Conselho Nacional de Educação que se somam à discussão | Marcos legais da composição da carga horária para professores que lecionam para o magistério superior | Considerações finais | Referências

Introdução e procedimentos metodológicos

Este paper tem suas origens nas inquietações vivenciadas no seio da docência no serviço público e nos discursos legalistas que fomentam a precarização do trabalho docente. Tais inquietações nos conduziram a problematizar essa realidade vivenciada como docentes e compartilhada com diversos colegas de trabalhos de diferentes Institutos Federais de Ensino Superior (Ifes). Embora muitas das questões aqui tratadas se reproduzam em outras esferas educacionais, nos limitaremos a um caso específico, o qual denominamos de “Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Legalinópoles” (Ifle) . Embora se trate de um estudo de caso, o mesmo traz questões, assim acreditamos, que se repetem em outros Institutos Federais, tornando possível, com cuidados e contextualizações devidas, pensarmos as condições de trabalho docente nos Institutos Federais brasileiros. Outro recorte foi necessário para viabilizar essa reflexão: a legislação em torno da carga horária de trabalho docente.

As reflexões aqui contidas são fruto de debates entre os autores desse paper e outros docentes que vivenciam a realidade em questão, entre os anos de 2012 e 2015. Um dos autores lecionou no Instituto Federal de Legalópolis (Ifle) durante o período das discussões que serão aqui esboçadas. O Instituto Federal de Legalópolis (Ifle) possui cerca de 150 docentes, estando localizado na Região Norte do Brasil. O outro autor desse artigo, ainda que não lecionando em Instituto Federal, envolveu-se no debate e nas reflexões em torno dos impactos do legalismo sobre as condições de trabalho docente no interior desses institutos. Essas vivências deram-se de forma militante, marcadas por questionamentos das condições precárias de trabalho docente, tendo um dos autores participado ativamente das discussões legalististas que regem o campus e os Institutos Federais. Assim os autores discutiram por meses as questões identificadas na realidade do Ifle.

O locus empírico é baseado no diálogo dos pesquisadores com outros docentes de institutos brasileiros. A partir desses diálogos, procuramos problematizar a questão da carga horária docente com base nos dispositivos legais que a regem. Buscaremos contextualizar o trabalho para além de questões legais, objetivando compreender seu movimento e suas conexões com as múltiplas dimensões do trabalho. Sobre tal análise, Eduardo F. Chagas traz as contribuições:

A investigação, ou o método de investigação (Forschungsmethode), é o esforço prévio de apropriação, pelo pensamento, das determinações do conteúdo do objeto no próprio objeto, quer dizer, uma apropriação analítica, reflexiva, do objeto pesquisado antes de sua exposição metódica. E a exposição, ou o método de exposição (Darstellungsmethode), não é simplesmente uma auto-exposição do objeto, senão ele seria acrítico, mas é uma exposição crítica do objeto com base em suas contradições, quer dizer, uma exposição crítico-objetiva da lógica interna do objeto, do movimento efetivo do próprio conteúdo do objeto (CHAGAS, 2012, p. 3).

Partimos do pressuposto de que nas relações sociais há contradições e conflitos que são as bases da organização da sociedade capitalista; contradições essas que estão impregnadas no legalismo trabalhista docente, objeto de reflexão deste paper. Acreditamos que três noções são bastante caras, a saber: totalidade, mudança, e contradição. Por totalidade entende-se que a realidade é marcada pela inter-relação dos fatos e fenômenos que a constituem. Por mudança entende-se que a natureza e a sociedade estão em constante transformação. Já a noção de contradição é importante por entendermos que são justamente as contradições que provocam as mudanças e estruturam as relações sociais, sendo elas intrínsecas à realidade (CURY, 2000). Desta forma, a fim de refletirmos sobre o legalismo que regimenta a carga horária do docente, buscamos compreender o contexto legal no qual o professor está inserido, assim como os interesses dos indivíduos e instituições envolvidos, isso para nos debruçarmos sobre a legislação de forma crítica.

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Roniel Sampaio Silva é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Rondônia (UFR) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), Brasil.

Cristiano das Neves Bodart é Doutorando em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP), Brasil.

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