A desindustrialização e o predomínio das políticas neoliberais de revisão do papel do Estado têm conferido a reconfiguração da estrutura das sociedades e o esvaziamento da classe média assalariada.
Marcio Pochmann
Fonte: Rede Brasil Atual
Data original da publicação: 08/11/2015
A ampliação da participação no conjunto das sociedades urbanas e industriais da classe média assalariada foi uma marca inegável do século 20. Concomitante com o crescimento das economias prevaleceu a trajetória de medianização da estrutura social.
No âmbito do aprofundamento dos regimes democráticos, a industrialização de natureza fordista e o avanço do Estado de Bem-Estar, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mudou consideravelmente a estrutura das sociedades. A substituição das antigas classes médias proprietárias geralmente assentadas nos micro e pequenos negócios, pela difusão do emprego assalariado na grande empresa privada e no interior das ocupações da administração pública, concedeu formato de figura de barril à distribuição das pessoas segundo o rendimento efetivamente recebido.
Desde o último quarto do século passado, contudo, o movimento de desindustrialização associado ao predomínio das políticas neoliberais tem conferido a reconfiguração da estrutura das sociedades. De um lado, o esvaziamento da classe média assalariada em decorrência das mudanças significativas na indústria.
O deslocamento da produção de manufatura do ocidente para a Ásia conformou a desindustrialização em vários países, com a fragmentação da estrutura produtiva através das cadeias globais de produção e enxugamento de ocupações nitidamente de classe média. Além disso, diversos postos de classe média assalariada foram convertidos em condição de proprietários, na forma de microempreendedores individuais e mesmo de pequenas empresas.
De outro lado, os programas de austeridade fiscal adicionados pelas políticas neoliberais de revisão do papel do Estado liquidam mais acentuadamente com empregos de classe média na administração pública. O avanço da terceirização, ampliação da presença das OS (Organização Social) e de consultorias especializadas comprimem o emprego assalariado da classe média, fortalecendo, em contrapartida, o reaparecimento da classe média proprietária.
Estas mudanças realçam a distribuição territorial da classe média no mundo. Segundo o relatório anual sobre a riqueza no mundo do banco Credit Suisse para o ano de 2015, a classe média global se constitui de indivíduos adultos com renda anual que varia de US$ 50 mil a US$ 500 mil dólares por ano nos Estados Unidos, de US$ 28 mil no Brasil, Chile e China, de US$ 22 mil na África do Sul e Turquia, de US$ 18 mil na Malásia, Rússia e Tailândia, e US$ 13.700 na Índia – série Paridade de Poder Aquisitivo (PPP), do FMI.
Em função desses critérios, a classe média global se constituiria de 664 milhões de pessoas, o que representa 14% de toda a população adulta mundial. A maior concentração da classe média global encontra-se cada vez mais concentrada na Ásia, sendo somente a China responsável por abrigar 109 milhões de pessoas (16,4% do total) seguida dos Estados Unidos (92 milhões) e Japão (62 milhões).
A América Latina teria 43 milhões de adultos na condição de classe média global, equivalendo a 6,5% do total. Somente o Brasil registraria a presença de 11 milhões de pessoas de classe média (1,7% do mundo e 25,6% da América Latina), enquanto o México apresentaria um conjunto de 13,7 milhões de indivíduos (2% do mundo e 30,2% da América Latina).
Neste início do século 21, a classe média aumentou 30,6% o seu tamanho, significando o crescimento médio anual de 1,8% entre 2000 e 2015. Para o mesmo período de tempo, a classe média no EUA cresceu 22,1% (1,3% ao ano, em média), enquanto na China a expansão da classe média foi de 60,3% (3,2% com média anual).
Em síntese, o deslocamento da classe média para a Ásia transcorre em meio ao esvaziamento das fontes geradoras da condição do processo de medianização social anteriormente verificado no Ocidente. O que resta, em contrapartida, tem sido o contexto da polarização social, com expansão da ideologia de direita, especialmente gerada pelas classes médias proprietárias.