Os trabalhadores franceses resistem; confira entrevista com o sindicalista da Solidaires, Christian Mahieux

O barulho era ensurdecedor. Pessoas corriam de um lado para outro, tentando escapar da fumaça que queimava os olhos. Algumas buscavam abrigo dentro da estação de metrô. Outras procuravam furar a barreira compacta da tropa de choque que fechava todas as saídas de acesso às ruas laterais. A Place de Italie, no centro de Paris, transformou-se rapidamente em um campo de batalha. Eram cerca de 5 horas da tarde de um sábado chuvoso, quando dezenas de integrantes da CRS, companhia republicana de segurança, começaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Eles respondiam as agressões de um grupo de jovens que, ao estilo dos Black Blocs brasileiros, estavam na passeata com o claro objetivo de provocar. As pedras atiradas contra as forças policiais foram rechaçadas com uma violência assustadora e desproporcional. Tornava-se claro que aproveitavam o enfrentamento para dissolver a marcha, determinando um fim precoce e nostálgico ao ato daquele 9 de abril.

Convocado pelos secundaristas e estudantes em geral, junto com as centrais sindicais lCGT, FO, FSU e Solidaires, fez parte da serie de manifestações contra a chamada “Lei do Trabalho”, que vem suscitando debates e protestos logo após vir a público, em 17 de fevereiro deste ano. Sob o pretexto de melhorar a competitividade das empresas e aumentar o número de postos em um contexto de desemprego em massa, foi proposto pela ministra da pasta, Myriam El Khomri, e integra uma das últimas tentativas de reformas do governo François Hollande. De inspiração neoliberal, tem angariado forte oposição não apenas entre as organizações de juventude e os sindicatos, que no dia 9 de março deram uma impressionante demonstração de união e força ao reunir cerca de meio milhão de pessoas na Place de La République, mas também no seio da população em geral.

Acusando o governo autoproclamado de “esquerda”, de proteger os privilégios de uma minoria por meio de medidas retrógradas, que viriam retirar uma série de direitos duramente conquistados ao longo de intensa luta, a França proclama um sonoro “NÃO”. Porque, como ressaltam os panfletos distribuídos durante os atos, o código do trabalho, até então, baseava-se na noção de proteger o teoricamente mais fraco contra o mais forte. Agora, a proposta abandona esta ideia, fazendo crer em uma pretensa igualdade de forças que, na pratica, inexiste. Dentre as diversas mudanças, o projeto que viria aprofundar a flexibilização das relações trabalhistas propõe, por exemplo, que a duração da licença saúde ou por invalidez superior a um ano não será mais garantida por lei; as horas extras podem tornar-se mais baratas; a data de pagamento poderá ser alterada sem aviso prévio; uma empresa pode, por acordo, baixar os salários e alterar o período de trabalho, aumentando o número de horas.

Alastrando-se pelo país inteiro, os movimentos de oposição prometem não arrefecer até a derrubada da Lei, que agora enfrenta a maratona na Assembleia Nacional e, depois, no Senado. As mobilizações atingem todas as grandes cidades que, no rastro da polarização e conscientização suscitado pelo tema, deram também ensejo a uma vigília ininterrupta para implementar o debate e decidir conjuntamente sobre as ações a serem tomadas, no sentido de ampliar o movimento social. Inspirados no “Occupy Wall Street”, o movimento de contestação pacífico cujos mil integrantes, a partir de 17 de setembro de 2011, acamparam no Parque Zuccotti, na área da Bolsa de Nova Iorque, para denunciar os abusos do capitalismo financeiro, criaram-se as “Nuits Débout”. Estas “Noites em pé”, com assembleias diárias a cada por do sol, não tem data para terminar. É a classe trabalhadora resistindo ao capitalismo predador.

Com a palavra, Christian Mahieux, um dos fundadores do sindicato SUD-Rail, em 1996, e um dos seus secretários federais e membro da Secretaria Nacional da União Sindical Solidaires, que reúne os sindicatos SUD. De Paris, ele fala especialmente para a CSP-Conlutas sobre o assunto que tem feito a manchete dos jornais nas últimas semanas e mobilizado a população francesa.

O governo alega que a nova Lei vai criar empregos tão necessários neste momento. O que o Sindicato Solidaires pensa a respeito?

Há anos que a classe patronal e os governos que a representam reivindicam medidas a seu favor, em nome dos “empregos que elas poderiam gerar”. Eles obtiveram enormes vantagens, mas o número de desempregados não para de aumentar! Não será porque os assalariados tenham menos direitos, não será porque a precariedade crescerá para milhões de trabalhadores, que haverá menos desemprego. Ou o contrário. O único objetivo dos patrões, dos acionistas e dos banqueiros é o de sempre pressionar mais e mais os assalariados para manter e multiplicar seus lucros. A precariedade e o desemprego fazem parte do seu arsenal. Por isso torna-se importante lutar em conjunto. Empregados do setor público e privado, desempregados e desempregadas, aposentados e jovens em formação.

Como conseguiram reunir a maioria das centrais sindicais em torno de um movimento de resistência comum?

No plano sindical, há um quadro unitário que reúne a CGT, FO, Solidaires et FSU, além de organizações de jovens como UNEF, FIDL, UNL; no seio do Solidaires, existe o Solidaires-estudantes e alguns sindicatos SUD secundaristas. Outras organizações como a CNT-SO, a CNT ou ainda a LAB do País Basco, chamam também as jornadas de greves e manifestações. No outra corrente, a CFDT, UNSA, CFTC e CGC combatem o movimento e sustentam o projeto de lei do patronato e do governo. Mas uma das ideias é ir além das jornadas de ação para construir uma greve nacional prorrogável nos setores profissionais onde for possível, para chegar a uma greve geral interprofissional. Uma parte dos responsáveis pelas outras organizações sindicais se opõem a tal projeto. Porém, milhares de sindicalistas apoiam o apelo “Paramos tudo!” (www.onbloquetout.org), que reúne militantes e estruturas sindicais do Solidaires, da CGT, da FSU, da CNT-SO, da CNT, da LAB, FO, da CFDT.

A única maneira de ganhar e de dobrar o governo é intervir na economia em defesa dos trabalhadores. São eles que devem, de fato, apoderar-se dos seus próprios interesses nesta luta e não devem se submeter aos políticos que têm em vista apenas as eleições de 2017. E para travar a economia, o que é preciso é confirmar o processo da greve, preparar sua generalização e sobretudo, sua recondução em todos os lugares onde possível durante os dias e semanas que se seguem! Assim conseguiremos a retirada do Projeto de lei El Khomri. Assim poderemos preparar nossa contraofensiva, popularizando as reivindicações que permitam reunir, sob as centrais sindicais que poderão se engajar conjuntamente, pela base e dentro da unidade.

Quais as próximas ações programadas?

A próxima jornada de greves e manifestações está prevista para 28 de abril. Até lá, as organizações da juventude organizam encontros, realizam manifestações e ocupações de universidades e escolas, notadamente entre os dias 12, 14 e 20 de abril, com o apoio dos movimentos sindicais. Espera-se uma forte repressão policial, pois desde o começo o movimento não para de se ampliar. Assim como em todas as organizações sindicais presentes, testemunhos vindos de diversas cidades reportam um dispositivo policial agressivo, buscando o confronto e atacando os manifestantes com bombas de gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral, com policiais à paisana infiltrados entre eles. Sob responsabilidade do governo, as agressões são particularmente sistemáticas e violentas contra o jovens. Isso mostra a que ponto os governantes estão dispostos a ir para fazerem passar o projeto de lei dos patrões! Portanto é preciso um movimento de massa lutando contra aquilo que interessa aos patrões: o lucro. Por isso, a necessidade de se construir este movimento de greve nacional não se trata de um slogan encantado, mas sim de se de ater a transformá-lo em realidade.

Fonte: CSP Conlutas
Texto: Márcia Camargos
Data original da publicação: 12/04/2016

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