Sem regulamentação, normas de salubridade e submetendo os funcionários a constante pressão, os chamados call centers (ou empresas de telemarketing) representam, hoje, um paradigma do atual trabalho precário das cidades. Uma série de reportagens publicadas pela Agência Paco Urondo, da Argentina, mostra que tanto os atendentes que atuam com vendas quanto aqueles que prestam atendimento ao cliente sofrem ritmos de trabalhos que beiram a perseguição por parte das empresas.
“É um trabalho que pode te deixar louco, pode te deixar surdo e várias coisas mais”, afirma Alejandro Arazi, diretor do documentário “Cortenla – Um filme sobre call centers”, lançado em setembro deste ano na Argentina. Em entrevista à Agência Paco Urondo, Arazi conta que já atuou como operador de telemarketing, trabalho que rendeu inspiração para o filme, mas também a má experiência de quem atua na linha de frente da tensa relação entre empresa e cliente.
Arazi relata que a falta de regulamentação da atividade faz com que não haja convênios trabalhistas que garantam a proteção do trabalhador de call center. Segundo ele, existe um Projeto de Lei na Argentina para regulamentar a atividade, mas que não avança no Parlamento por conta da pressão das câmaras empresariais, acomodadas em não atender às necessidades do trabalhador e baratear os custos de serviço. Nesse cenário, a capacidade de organização dos trabalhadores do setor também perde, convivendo com uma intensa rotatividade dos que passam pelo cargo e uma política persecutória das empresas. “Dificulta ter uma organização estável”, explica o cineasta.
O ex-operador de telemarketing portenho Dío Fuente (pseudônimo) relata que, quando iniciou na atividade, o trajeto ao trabalho passou a ser uma grande angústia. A perspectiva de passar horas em um cubículo cercado de pressão e ligações conflituosas com os clientes fazia com que ele só pensasse em “ir embora”. “Não era um simples ‘quero ir embora’ do trabalho, era um ‘quero ir embora’ de tudo, da vida”, conta. “Depois de um tempo, cerca de seis meses, passou e eu me acomodei ao ritmo de trabalho, me domestiquei ou me automatizei, sem deixar de me sentir fétido a cada jornada”, narrou à Agência Paco Urondo.
Fuente conta que, na empresa em que trabalhava, ele tinha que fazer uma série de tarefas como atender a consultas, reclamações, pedidos de informação e tratar da fidelização dos clientes, diferentemente de outras empresas, onde há setores especializados para cada assunto. “Para isso, me acompanhava um PC [computador] bastante lento e castigado, que ia alternando, já que não tinha um posto fixo de trabalho; devia usar diferentes programas para distintas funções”, complementa.
O portenho, que trabalhou por três anos na atividade, conta que o tratamento com os clientes também é era grande fator de desgaste físico e emocional. “A histeria das pessoas por não poderem enviar uma mensagem de texto ou por não poderem entrar na Internet, muitas vezes, chegava a se aproximar do desespero. (…) Mas o mais violento era o tratamento da minha líder”, afirma. “Não somente me sentia fétido, também me sentia cúmplice da negligência dos serviços que deveriam funcionar como públicos e que são oferecidos por empresas privadas sem o menor interesse nas pessoas”, complementa.
Problemas de saúde
Dentre os principais problemas que enfrenta o trabalhador desse setor estão: o baixo salário, em primeiro lugar, depois o estado de saúde, ameaçado por problemas de coluna, audição, visão e até psiquiátricos. “Além da violência que geram os supervisores, nossos chefes. É típica a situação de um supervisor gritar com um companheiro que está a um metro dele”, acrescenta Celia Báez, membro de um corpo de delegados de funcionários da empresa de telemarketing ACC Group.
Regulamentação da atividade
Militante do grupo “Telemarketers en luta”, que há cinco anos reúne operadores de telemarketing de Buenos Aires (capital argentina), Gustavo Cutelier aponta como demandas urgentes o fim da terceirização no setor e da insalubridade da atividade, além da necessidade de criação do Estatuto do Teleoperador. “Hoje, todo mundo sabe quais são as más condições nas quais trabalha um teleoperador, mas isso não é reconhecido no momento da remuneração salarial. Estamos lutando por isso”, afirma.
De acordo com ele, hoje, o operador de call center argentino trabalha em uma jornada reduzida de seis horas diárias. O que a categoria quer é seguir com a carga horária, mas recebendo por uma jornada completa. Além disso, enquanto não possuem regulamentação própria, propõem a adequação dos funcionários aos convênios dos setores para os quais trabalham. “Ou seja, se o call center trabalha para um banco, queremos que o trabalhador receba de acordo com o convênio bancário”, explica.
Trabalhadores organizados
Ainda que seja uma minoria, trabalhadores de call centers conseguem se organizar para construir um mercado de trabalho mais receptivo para a atividade. Saiba mais sobre essa luta acessando a página do Movimento Livres de Call Center, encabeçado por um grupo de trabalhadores de telemarketing na Argentina. A organização popular reivindica melhores condições de trabalho para os funcionários junto às empresas e ao Poder Público. Assim como esta entidade, o grupo Telemarketers em lucha também se articula em torno das principais necessidades desse público.
Para conhecer mais das condições e lutas desses trabalhadores, assista também ao trailer do documentário Cortenla – Um filme sobre call centers, produzido pelo coletivo de audiovisual Ojo Obrero e dirigida por Alejandro Cohen Arazi.
Fonte: Adital
Data original da publicação: 01/12/2014