Patricia Villen
Fonte: Revista da ABET, v. 14, n. 2, p. 186-198, jul./dez. 2015.
Resumo: Este estudo tem como objetivo situar a problemática do trabalho forçadamente indocumentado no contexto brasileiro, trazendo em discussão sua ligação com o crescente aumento e com a importância em escala internacional dos fluxos migratórios (notadamente nos países centrais, mas igualmente nos periféricos), e sua interface com o funcionamento do mercado de trabalho, mais especificamente com a precarização das condições de trabalho e de vida dos migrantes internacionais. Serão tratadas as características da base social periférica (em situação indocumentada) dos fluxos migratórios em escala global e sua manifestação no Brasil. O estudo também traz elementos para se compreender como a indocumentação, no que se refere ao trabalho, não é sinônimo apenas de informalidade, discutindo essa questão a partir da bibliografia sobre o trabalho dos bolivianos na indústria têxtil em São Paulo.
Sumário: 1. Introdução | 2. O peso crescente da indocumentação forçada e sua manifestação no Brasil | 3. A situação kafkaniana dos forçadamente indocumentados | 4. Considerações finais | Referências bibliográficas
1. Introdução
Depois da repercussão mundial provocada pela trágica “emergência” imigratória na Europa de 2015, ficará mais difícil esconder o que significa, para um contingente sempre maior de pessoas, hoje, migrar internacionalmente. As imagens fornecidas pela grande mídia nesse ano são bastante claras no explicitar cruamente a massa indissociável de refugiados e migrantes internacionais – homens, mulheres, crianças e até bebês – disputando um espaço flutuante no que há tempos pode ser considerado, a todos os efeitos, o “cemitério geral do Mediterrâneo”, embora para muitos represente melhor a esperança de vida do que poderia representar a permanência em seus próprios países.
A dimensão assumida por esses fluxos impossibilita, no contexto atual, seu tão comum silenciamento, mesmo porque aos “retirantes do mediterrâneo” se somaram as massas determinadas a entrar no Norte caminhando pelo Leste, sem temer o enfrentamento da violência das fronteiras, as naturais e as artificiais, altamente vigiadas e controladas, que separam o continente europeu de todas as periferias do sistema.
Mais do que a reprodução do sensacionalismo midiático que apresenta esse fato como novo – quando se trata, na verdade, de um problema antigo e com raízes na própria formação e no desenvolvimento do mercado mundial e do mercado de trabalho (BASSO, 2003) –, essas imagens são aqui evocadas por tornarem mais concreta a fisionomia nitidamente não branca ocidental desses fluxos na atualidade.
Como mostra claramente o estudo acima citado, depois da segunda metade do século XX, em particular no contexto neoliberal, falar de imigração e refúgio, hoje mais do que nunca fenômenos imbricados (MAKCAY, 2008), significa falar de massas de pessoas, não mais provenientes do continente europeu, mas de países periféricos, que se deslocam principalmente para os países centrais. Em menor escala, porém, deslocam-se também aqueles que, a despeito de ocuparem uma posição subordinada no mercado mundial, se encontram em uma situação um pouco menos dramática, como é o caso do Brasil.
Pela dimensão que a situação forçadamente indocumentada assume hoje nos diferentes fluxos migratórios internacionais, dentre eles o refúgio, torna-se urgente discutir esse fenômeno no que concerne sua relação com o trabalho. Em particular, é necessária a discussão do que explica, em sua essência, a situação forçadamente indocumentada como uma forma imposta de entrar e permanecer em países estrangeiros, portanto também de neles trabalhar.
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Patricia Villen é Doutora em Sociologia pela Unicamp e diplomada no Master sulI’immigrazione (Univerdidade de Veneza – Itália).