O novo limite de jornada na Uber

Fotografia: Pixabay

Mudança não deve alterar disputa sobre vínculo empregatício dos motoristas.

Luiz Antonio Alves Gomes e Nicole dos Santos Estevão

Fonte: Jota
Data original da publicação: 20/03/2020

A recente e importante alteração no mundo do direito do trabalho, decorrente das novas atividades para-subordinadas prestadas através de aplicativos colaborativos, tem a Uber como um dos seus maiores expoentes, tanto que alguns doutrinadores chegam a denomina-la de “Uber-economy” (Means, Benjamin et. Al.), entre diversas outras denominações como “Geek Economy” (Papadimitriou, Stratos et. Al.), “Sharing Economy” (Matzler, Kurt et. Al.), e “On-demand Economy” (Berg, Janine), motivo pelo qual qualquer novidade nas regulamentações do aplicativo de compartilhamento de viagens é motivo para de novas avaliações jurídicas.

A importância do tema é crescente, visto que os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, desde a promulgação da Reforma Trabalhista até julho de 2019, foram criadas 101,6 mil vagas para a modalidade de trabalho intermitente, cerca de 15,4% do total de vagas de emprego criadas no país neste mesmo período[1].

A principal discussão jurisprudencial travada nos tribunais se dá acerca da existência, ou não, de vínculo de emprego dos trabalhadores em aplicativos para com as empresas que mantém as plataformas de serviços, havendo dezenas de decisões favoráveis e contrárias espalhadas em diversos Tribunais Regionais do Trabalho pelo Brasil.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o Recurso de Revista nº 1000123-89.2017.5.02.0038, no dia 05/02/2020, decidiu pela inexistência de vínculo de emprego entre um motorista e a Uber com maior ênfase em dois pontos: na autonomia do motorista em determinar sua própria jornada e no fato de o motorista receber percentual significativo de cada corrida (normalmente entre 75% e 80%).

Exatamente um destes pontos (a autonomia do motorista em determinar sua própria jornada) que sofre modificações com a recente decisão da Uber de implementar, em sua plataforma digital, um limitador de tempo de uso para seus motoristas determinando que, após 12 horas de uso em um único dia, o aplicativo será automaticamente desconectado por 6 (seis) horas.

Em primeira análise, a nova ferramenta não deve alterar a percepção dos julgadores sobre a subordinação dos motoristas de aplicativo, os que defendem que exista o vínculo de emprego vão reforçar seus argumentos elencando, entre as diversas formas de direção do trabalho, o controle do tempo máximo de jornada.

Os que são contrários ao vinculo de emprego, também devem manter sua posição e argumentar que a questão de segurança no trânsito é questão de ordem pública e que, mesmo em contratos de parceria, há de se respeitar as condições humanas. Provavelmente vão utilizar, por analogia, a Lei 13.103/2015 que estabelece, aos motoristas rodoviários, jornada diária de 8 horas, podendo – no máximo – ser estendida até 12 horas por dia.

No que se refere a questão fática, a medida também não deve trazer grandes modificações na vida destes trabalhadores, visto que existem diversos aplicativos de compartilhamento de viagens e que não há exclusividade na prestação dos serviços, ou seja, ao atingir as 12 (doze) horas de trabalho para o aplicativo Uber, caso o trabalhador ainda precise continuar trabalhando, basta passar a aceitar corrida por outro aplicativo.

Por outro lado, a Uber parece buscar, com esta medida, se afastar de alguns problemas que lhe são recorrentes, tais como a divisão de uma mesma conta por duas ou mais pessoas, normalmente da mesma família, que dirigiam quase que 24 horas por dia e o ônus social das acusações de jornadas sobre-humanas, além de melhorar seus argumentos de defesa nos processos de indenização por acidentes de trânsito em que ela acaba sendo co-responsabilizada.

Essa tendência de modificação crescente no modelo tradicional do trabalho lastreado nas relações de emprego, com o crescimento da Economia de Aplicativos incrementado com a ascensão da inteligência artificial e robótica, merece olhar atento de toda a sociedade como alerta a Organização Internacional do Trabalho – OIT nos documentos intitulados “Strengthening social protection for the future of work” [2], em tradução livre: “Fortalecendo a Proteção Social para o futuro do Trabalho” e “Trabalho para um futuro mais brilhante”[3]

O desafio, alerta a OIT, reside exatamente nas políticas sociais que foram pensadas unicamente para os trabalhadores cujos contratos se enquadrem nas relações de emprego padrão.

“Ao mesmo tempo, a tecnologia digital cria novos desafios para a aplicação efetiva de proteções trabalhistas. As plataformas de trabalho digital fornecem novas fontes de renda para muitos trabalhadores em diferentes partes do mundo, mas a natureza dispersa do trabalho em jurisdições internacionais dificulta o monitoramento da conformidade com as leis trabalhistas aplicáveis. O trabalho às vezes é mal remunerado, muitas vezes abaixo do salário mínimo vigente e não existem mecanismos oficiais para lidar com o tratamento injusto. Como esperamos que essa forma de trabalho se expanda no futuro, recomendamos o desenvolvimento de um sistema de governança internacional para plataformas de trabalho digital que definam e exijam que as plataformas (e seus clientes) respeitem certos direitos e proteções mínimos”

Em síntese, a implementação do controle máximo de 12 horas por dia de trabalho realizada pela Uber não deve gerar uma alteração significativa na disputa judicial acerca do vínculo empregatício, mas também não parece ser capaz de reduzir o tempo real de trabalho desses trabalhadores precarizados e praticamente sem nenhuma política social ou de seguridade que lhes socorram.

Notas:

[1] Dados disponíveis em http://trabalho.gov.br/trabalhador-caged Acessado em 04/03/2020

[2] G20 Employment Working Group. 2017. Hamburg, Germany. “Strengthening social protection for the future of work” Disponível emhttps://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/—ro-geneva/—ilo-berlin/documents/genericdocument/wcms_556986.pdf Acessado em 04/03/2020

[3] Trabalho Para Um Futuro Mais Brilhante – Comissão Global Sobre O Futuro Do Trabalho – Escritório Internacional do Trabalho – Genebra: OIT, 2019. Disponível em https://www.sinait.org.br/docs/trabalho_para_um_futuro_mais_brilhante_oit.pdf. Acessado em 04/03/2020

Luiz Antonio Alves Gomes é coordenador do Curso de Direito da Unicarioca.
Nicole dos Santos Estevão é graduanda em Direito da Unicarioca.

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