por Igor Natusch
Há 100 anos, os povos do mundo se reuniam para pensar, coletivamente, os direitos de trabalhadoras e trabalhadores em escala global. Estabelecida a partir do surgimento da Liga das Nações, em abril de 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) iniciou sua existência efetiva em 29 de outubro daquele ano, quando teve início a histórica conferência inaugural da entidade, na cidade norte-americana de Washington.
A necessidade de um mecanismo coletivo capaz de dar diretrizes para uma legislação trabalhista internacional foi um dos consensos mais fortes em torno do Tratado de Versalhes, assinado pelas potências europeias para pôr fim à Primeira Guerra Mundial. Mas essa preocupação, na verdade, estava inserida em décadas de profundos debates intelectuais e políticos, disparados pelo aspectos desumanos da Revolução Industrial. O industrial Robert Owen, mais tarde considerado uma das mentes fundadoras do socialismo utópico, já havia sugerido, em 1818, o estabelecimento de medidas coletivas para a classe trabalhadora, além de cunhar o conceito de oito horas diárias de trabalho, com períodos iguais para descanso e lazer.
Em paralelo, ia se consolidando também a ideia de organizações globais para pensar politicamente a classe trabalhadora – como, por exemplo, a Associação Internacional dos Trabalhadores, ou a Primeira Internacional, surgida em 1864. Dois anos depois, o primeiro Congresso Operário Internacional lançou a ideia de uma legislação trabalhista internacional – bandeira reforçada pela chamada Segunda Internacional, fundada em 1889 e que se manteve atuante até 1916. De certa forma, a ideia era uma tentativa de estimular leis nacionais a partir de exigências globais, já que poucas nações tinham sequer rudimentos do que se pudesse chamar de uma legislação social, e a repressão violenta a movimentos da classe trabalhadora era regra.
Estimuladas por esse cenário em ebulição, iniciativas começaram a surgir. Em 1890, representantes de 14 países se reuniram em Berlim, na Alemanha para discutir condições de trabalho em minas e fábricas. Mesmo sem resultar em compromissos de caráter internacional, a conferência pioneira consolidou preocupações com o trabalho infantil e a necessidade de períodos mínimos de descanso, abrindo caminho para movimentações futuras.
Fundada em 1900, em Paris, a Associação Internacional para Proteção dos Trabalhadores (em inglês, International Association for Labour Legislation, ou IALL) funcionou como um embrião da futura OIT. Com sede na cidade holandesa de Basel, a entidade tinha como objetivo declarado aproximar pessoas e grupos que atuavam, em diferentes partes do mundo, para criar e fortalecer mecanismos de proteção aos trabalhadores, facilitando a troca de informações sobre diferentes legislações locais por meio de um periódico trilíngue e pela realização de congressos internacionais. A IALL encampou propostas pelo fim do trabalho noturno para mulheres na indústria e pela proibição do uso de fósforo branco na fabricação de palitos de fósforo, buscando concordância global quanto a essas questões. O trabalho da entidade esvaziou-se a partir da Primeira Guerra Mundial, levando ao encerramento definitivo das atividades em 1925, mas sua existência foi fundamental para abrir caminho para a OIT.
Com a proximidade do fim da Grande Guerra, começou a ganhar força uma ideia coletiva de que o encerramento das hostilidades seria a oportunidade para criar uma espécie de “mundo possível”, potencializado a partir de acordos internacionais capazes de formar consensos pelo bem-estar coletivo. Além de combater injustiças e a degradação das condições de vida da classe trabalhadora, um organismo sólido e de alcance global seria desejável também para harmonizar o relacionamento entre as nações, evitando disputas econômicas desleais geradas pela exploração de trabalho precário e diminuindo a margem para conflitos internos e regionais. A ascendência de linhas de pensamento como o socialismo, o anarquismo e o comunismo teve, é claro, influência significativa nesse panorama – afinal, o poder de persuasão desses discursos políticos tinha relação direta com a má situação em fábricas e fazendas, colocando em risco a estabilidade interna de nações já bastante fragilizadas pelo período de guerra.
Assim, o texto final do Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, contém, entre os artigos 387 e 399, os termos gerais da constituição da OIT. O rascunho para esse estatuto começou a ser preparado em fevereiro, com o histórico sindicalista norte-americano Samuel Gompers conduzindo as discussões. Uma das propostas, trazidas pela delegação inglesa, era a instituição de um parlamento internacional do trabalho, capaz de elaborar leis que seriam seguidas pelos países signatários. A ideia vitoriosa, porém, foi trazida pelos EUA: uma organização que deliberaria sobre normas e recomendações, sem força de lei e com cumprimento incentivado e conduzido pela nascente Liga das Nações.
Na primeira Conferência, ocorrida pouco mais de seis meses depois do acordo de paz, foram adotadas seis convenções. A primeira delas trazia a limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias, ou 48 horas semanais, acolhendo uma demanda histórica de mais de um século. As outras disposições aprovadas no encontro referem-se à proteção à maternidade, à luta contra o desemprego, à definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e à proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos.
Desde então, a OIT tem se mantido fiel a seu princípio fundamental, de que só é possível alcançar a paz por meio da justiça social. A sede oficial em Genebra foi estabelecida em 1920, mesmo ano em que Albert Thomas assumiu como primeiro diretor-geral. Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, o órgão manteve-se ativo, mudando temporariamente sua sede para a cidade canadense de Montreal e adotando, em 1944, a Declaração de Filadélfia, anexada à constituição da OIT e até hoje servindo como carta de princípios da organização. Esse mesmo documento seria, anos depois, modelo para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de nortear os esforços que gerariam, em 1945, a Carta fundadora da Organização das Nações Unidas (ONU), substituta da Liga das Nações.
Entre as bandeiras encampadas pela OIT, estão a necessidade de instituir sistemas de seguridade social (1925), a abolição progressiva do trabalho forçado ou obrigatório (1930), a igualdade de remuneração para homens e mulheres (1951), a adoção de idade mínima para admissão em emprego (1973) e a proibição imediata, entre os países signatários, de formas consideradas degradantes de trabalho infantil (1999). Em 1960, a OIT criou o Instituto Internacional de Estudos do Trabalho, consolidado seis anos depois a partir do Centro Internacional de Formação da OIT, localizado em Turim, na Itália.
Agraciada em seu 50º aniversário (1969) com o Nobel da Paz, a Organização Internacional do Trabalho segue exercendo importante papel no estabelecimento de legislações trabalhistas entre seus 187 estados membros. Atualmente presidida pelo cientista político britânico Guy Ryder, é a única entidade tripartite da ONU, com representação de governos, organizações de empregadores e entidades ligadas aos trabalhadores. Em anos recentes, o órgão adotou importantes diretrizes para encarar os desafios das relações de trabalho contemporâneas, como a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho (1998) e a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa (2008).