O MPT poderia ter ajuizado uma ação de R$ 500 milhões no caso das vinícolas?

Fotografia: wirestock/Freepik

MPT não atua com viés punitivista, uma diferença em relação à desastrada Lava-Jato. A prioridade é conduzir a atividade para os marcos legais, respeitando a dignidade dos trabalhadores.

Sandra Lia Simón e Leomar Daroncho

Fonte: RBA
Data original da publicação: 23/04/2023

Ganhou as manchetes o resgate pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de pessoas em situação análoga à de escravo em vinícolas. O feito soma-se ao vergonhoso aviltamento de 2.575 brasileiros libertados em 2022, apesar de dificuldades criadas por um governo que se propôs a asfixiar as instituições de defesa da cidadania e do trabalho digno. Desde 1995, são 60 mil resgatados.

Respeitados formadores de opinião miraram o valor e o destino da compensação por danos morais coletivos. O texto é dirigido a esses.

O debate público respeitoso é interessante momento para compreensão da atuação institucional em defesa da coletividade afetada pelo grave ilícito. Além dos trabalhadores resgatados, a sociedade inteira padece.

O acordo é instrumento jurídico com previsão na Lei 7.347/85. Estipulou-se, com concordância das empresas infratoras, a obrigação de corrigir a conduta, para o futuro. Foram fixadas mais de 20 obrigações visando retirar a atividade da situação de ilicitude e assegurar dignidade aos trabalhadores.

Previu-se, ainda, que transgressores realizem campanha publicitária para conscientização de clientes, empregados, comunidade, produtores e fornecedores de uva sobre a proibição do trabalho escravo e as condições adequadas de saúde e segurança no trabalho, bem como campanhas de combate a xenofobia e discriminação racial. Em caso de descumprimento, as empresas infratoras pagarão multas.

Conduta aviltante agride ética do indivíduo na dimensão coletiva

Nas atuações do Ministério Público do Trabalho, o valor ajustado para compensar dano moral coletivo tem por objetivo ressarcir a sociedade, pois a conduta aviltante agride o padrão ético dos indivíduos, na dimensão coletiva.

A compensação pelo dano moral individual é mais rara, pois há caminhos próprios para que sejam buscados. O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) prevê que os trabalhadores poderão pedir compensação por dano moral individual, o que está sendo articulado pela Defensoria Pública. No caso, dadas as dificuldades imediatas dos trabalhadores resgatados, uma parte do valor foi a eles destinada, em caráter emergencial. É importante ler o TAC.

Quanto à destinação de valores a título de danos morais coletivos, o MPT (Ministério Público do Trabalho) não gere um fundo nem recebe recursos acordados com infratores. Talvez aqui formadores de opinião confundam com um dos tantos desvios da Lava-Jato, que tentou criar fundo próprio.

Na falta de fundo específico, conforme prevê a Lei 7.347/85, as Procuradorias Regionais do Trabalho cadastram projetos de interesse social apresentados pela comunidade. Em muitas situações a compensação não envolve dinheiro. Dá-se pela prestação de serviços ou fornecimento de produtos. Isso foi frequente durante a pandemia: máscaras, álcool e equipamentos fornecidos a hospitais. Cestas básicas, para instituições carentes. A destinação visa sempre a recomposição do bem lesado, beneficiando a sociedade em comunidades afetadas pela prática ilícita. Isso pode ser discutido e aperfeiçoado, mas é importante ler o acordo.

MPT, clamor público e os labirintos do sistema judicial

No TAC das vinícolas, estabeleceu-se que o valor a título de compensação por dano moral coletivo será revertido a entidades, projetos ou fundos que permitam a recomposição dos danos coletivos causados, tudo nos termos da Lei 7.347/85.

Alguns consideraram o valor baixo, dado o nível de aviltamento. De fato, o valor não é alto. Foi o acordo possível. É preciso considerar que a atuação do MPT não tem viés punitivista, que poderia inviabilizar as empresas desse importante setor (mais uma diferença em relação à desastrada Lava-Jato). A prioridade é retirar a atividade da margem da lei, conduzi-la para os marcos legais, respeitando a dignidade dos trabalhadores.

O MPT poderia ter ajuizado uma ação de R$ 500 milhões? Poderia. Talvez agradasse o clamor público. Porém os labirintos do nosso sistema judicial tendem a arrastar essas ações por anos ou décadas, como nos casos da Boate Kiss e das barragens rompidas em Minas Gerais. A demora seria ruim para os trabalhadores e para a sociedade. Talvez fosse uma disputa nefasta para as próprias empresas, que teriam dificuldades em retomar as atividades, de forma lícita.

A atuação, como todas as atividades públicas, pode ser discutida e deve ser aperfeiçoada. O mais relevante é que foi dada uma resposta célere e efetiva para uma triste situação, que infelizmente não é rara, em que brasileiros foram enganados com promessas vantajosas, submetidos a jornadas abusivas, com violência física, recebendo comida estragada, ameaçados com armas de choque e spray de pimenta.

Sandra Lia Simón é subprocuradora-geral do Trabalho.

Leomar Daroncho é procurador do Trabalho.

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