O emprego doméstico no Brasil na pandemia e depois

É bastante provável que muitas das domésticas atingidas pela perda de emprego na pandemia tenham engrossado as estatísticas de crescimento da pobreza.   

Por Virginia Rolla Donoso e
Carlos Henrique Horn

Como quer que se avalie, a crise sanitária iniciada em março de 2020 provocou um brutal impacto no mercado de trabalho brasileiro. O indicador mais expressivo desse choque foi a brusca queda no nível geral da ocupação no primeiro semestre daquele ano, mas há que se assinalar a elevação subsequente nos níveis de subutilização e desemprego e, mais recentemente, a grande redução dos rendimentos reais do trabalho. O Gráfico 1 tornou-se bem conhecido: ele apresenta a evolução do número de ocupados no contexto da pandemia. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE estima que havia pouco mais de 95 milhões de pessoas ocupadas no início do 2020. No pior momento da crise, esse número caiu para 82,7 milhões de pessoas. Desde julho de 2020 e sobretudo com o avanço da vacinação no ano seguinte, a atividade foi retomada até que, no primeiro quadrimestre de 2022, o país conseguiu retornar ao patamar ocupacional de dois anos antes.

As pessoas ocupadas no emprego doméstico foram afetadas mais intensamente do que a média dos ocupados, como mostra o Gráfico 2. Esse grupo de trabalhadores com presença majoritariamente feminina, menor escolaridade e rendimentos mais reduzidos, sofreu uma diminuição de cerca de 30% no total da ocupação entre o início de 2020 e o pior momento da crise no mercado de trabalho. E diferentemente do que ocorreu com o nível geral da ocupação, o emprego doméstico ainda não havia recuperado o patamar pré-crise no início de 2022.

Tomando-se as médias anuais do triênio 2019-2021, a crise da pandemia provocou uma redução de 1.224 mil postos de emprego doméstico em 2020: uma em cada cinco empregadas domésticas perderam sua ocupação e renda. Em 2021, com uma lenta recuperação, o número de ocupadas foi menor em 904 mil pessoas. E em abril de 2022 ainda se mantinha abaixo do patamar de 2019 em 304 mil pessoas. A perda ocupacional atingiu tanto as domésticas com carteira, quanto as sem carteira. O Gráfico 3 mostra as médias anuais de ocupadas dos dois segmentos.

Ambos os grupamentos foram atingidos pela forte contração ocupacional de 2020. O segmento mais expressivo das domésticas sem carteira, que constituíam mais de 70% do total em 2019, mostrou uma redução de quase 20% entre 2019 e 2020 e pequena recuperação no ano seguinte. Já o segmento das domésticas com carteira teve queda relativa um pouco maior em 2020 e nova redução no número de empregadas no ano seguinte. Por se tratar de um grupo de trabalhadoras com inserção mais precária e menor ou nenhuma proteção social vinculada ao emprego, é bastante provável que muitas das domésticas atingidas pela perda de emprego na pandemia tenham engrossado as estatísticas de crescimento da pobreza, as quais vêm ganhando novamente destaque no país após anos de vitórias sucessivas que ficaram no passado. Antes que um novo ciclo recoloque a questão da desigualdade no centro da política pública.

Virginia Rolla Donoso é economista e trabalha no site Democracia e Mundo do Trabalho. É mestre em Economia e especialista em Relações de Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Carlos Henrique Horn é economista e professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É doutor em Industrial Relations pela London School of Economics and Political Science.

Crédito da imagem: Goran Gataric

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