O ‘direito ao trabalho’, saúde, educação e o nascimento do Estado social

Raquel Varela
Luisa Barbosa Pereira

Fonte: Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 11-32, jan./mar. 2016.

Resumo: O golpe militar de 25 de abril de 1974 em Portugal determina a entrada em cena dos trabalhadores e sectores intermédios da sociedade. Há uma ligação histórica entre as conquistas dos direitos sociais e o desenvolvimento do controlo operário no processo revolucionário a partir de fevereiro de 1975. O Governo vai neste momento pôr em prática uma série de medidas sociais que visavam impedir a insurreição e que, grosso modo, vão constituir aquilo que se determinou chamar Estado social, isto é, a alocação de recursos para o trabalho através das funções sociais do Estado (educação, saúde, segurança social, lazer, desporto, transportes públicos subsidiados, rendas subsidiadas, etc.), contra, aliás, as ordens da própria direção militar que tinha posto fim à ditadura, o Movimento das Forças Armadas. A partir de março de 1975, com a generalização da constituição de comissões de trabalhadores e de moradores, o início da reforma agrária, e o questionamento da propriedade privada (processo que se dá por ação dos trabalhadores, muitas vezes em luta contra os despedimentos ou a descapitalização e abandono de empresas e não por estratégia da sua direção política principal, o Partido Comunista Português), a revolução portuguesa sofre um salto qualitativo, transformando-se numa situação revolucionária de tipo ‘soviético’.

“Todos têm direito ao trabalho.”
(Portugal, 1976)

O golpe militar de 25 de abril de 1974 em Portugal abre portas à entrada em cena de milhões de trabalhadores, iniciando uma situação revolucionária em Portugal de tipo democrático. São as lutas pelas liberdades democráticas, o ódio à ditadura, que determinam a entrada em cena dos trabalhadores e sectores intermédios da sociedade, contra, aliás, as ordens da própria direção militar que tinha posto fim à ditadura, o MFA (Movimento das Forças Armadas). A partir de março de 1975, com a generalização da constituição de comissões de trabalhadores e de moradores (que designaremos genericamente por organismos de duplo poder), o início da reforma agrária, e o questionamento da propriedade privada (processo que se dá por acção dos trabalhadores, muitas vezes em luta contra os despedimentos ou a descapitalização e abandono de empresas e não por estratégia da sua direcção política principal, o Partido Comunista Português (PCP), a revolução portuguesa sofre um salto qualitativo, transformando-se numa situação revolucionária de tipo ‘soviético’, que em setembro de 1975, com a irradiação da dualidade de poderes nas forças armadas (Soldados Unidos Vencerão-SUV, comissões de soldados etc.), pensamos, é já uma crise revolucionária, ou seja, o momento em que ou se dá o deslocamento do Estado ou um golpe contrarrevolucionário que põe fim à crise do Estado. Com o golpe de 25 de novembro de 1975, a revolução sofre uma derrota e inicia-se um processo de contrarrevolução.

Em primeiro lugar, a revolução é determinada pela combinação das revoluções anticoloniais com a irrupção das lutas na metrópole e vice-versa, a revolução na metrópole reforça a legitimidade dos movimentos de libertação nas colônias e precipita a independência destas num curto espaço de tempo (em 19 meses todas as ex-colônias se tornam independentes). A revolução na metrópole começa como resultado da guerra colonial em África, que se expressa através de um golpe militar levado a cabo pela oficialidade intermédia das Forças Armadas, o Movimento dos Capitães. O arrastamento da guerra ao longo de 13 anos sem vislumbre de qualquer solução política no quadro do regime de Marcelo Caetano e a iminência de derrota abriram a crise nas forças armadas, coluna vertebral do Estado (Rosas, 2004, p. 136).

Em segundo lugar, a radicalização da revolução portuguesa deve-se também à recessão mundial que começa em 1973 e se tornou na mais grave crise económica do pós-guerra, arrasando o sistema de Bretton Woods, erguido a seguir à II Guerra Mundial. É exato que, como assinala o historiador Valério Arcary, as causas das revoluções caminham de forma desigual:

a disposição revolucionária das massas e a crise nacional [são] factores que caminham em paralelo mas de forma variável e desigual (…). As crises económico-sociais podem-se agravar antes que as massas entrem em cena, ou, inversamente, os sujeitos sociais explorados podem-se lançar à luta primeiro em países onde a crise pareceria menos severa que em outros (Arcary, 2004, p. 38).

Mas no caso português caminharam em conjunto, e esse factor não pode ser ignorado por quem estuda a revolução. Como assinala Schmitter, “não há dúvida” sobre o impacto da “crise actual do capitalismo mundial” no desmoronamento económico em Portugal (Schmitter, 1999, p. 226).

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Raquel Varela. Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

Luisa Barbosa Pereira. Colégio Estadual João de Oliveira Botas, Armação de Búzios, Rio de Janeiro, Brasil.

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