Ampla pesquisa na Islândia mostra que trabalhar menos não reduz a produção — e, mais importante, faz populações mais felizes e saudáveis. Apoio dos sindicatos foi essencial. Seu cerne: recuperar o controle sobre o próprio tempo.
Annina Claeson
Fonte: Outras Palavras
Tradução: Gabriela Leite
Data original da publicação: 23/07/2021
Mais de um ano após o início da pandemia, percebe-se que o rei está nu, quando se diz respeito à realidade da vida dos trabalhadores. Quer tenhamos percebido quantas reuniões intermináveis via Zoom poderiam ter sido resolvidas com um e-mail, ou quantos caixas foram forçados a arriscar serem infectados para manter os lucros de redes de restaurantes, os absurdos do trabalho se tornaram mais claros do que nunca para muitos de nós. O que naturalmente leva à pergunta: por que o trabalho continua a consumir uma parte tão importante de nossos dias?
Felizmente, em um número crescente de países, essa questão se tornou mais do que retórica. A perspectiva de redução da jornada de trabalho, uma velha reivindicação da esquerda, continua cada vez mais perto de tornar-se um objetivo político aceito de forma geral, graças a anos de mobilização e um crescente acúmulo de evidências sobre os benefícios de trabalhar menos.
Na Islândia, a Câmara Municipal de Reiquiavique, a confederação sindical BSRB e o governo nacional realizaram uma série de testes de semanas de trabalho de quatro dias, entre 2015 e 2019. Esta foi a maior experiência do mundo para reduzir as horas de trabalho sem corte de salários até então. Em junho de 2021, pesquisadores do think tank britânico Autonomy e da Associação Islandesa para Sustentabilidade e Democracia publicaram um relatório descrevendo sua avaliação sobre as evidências. O resultado? Um “sucesso esmagador”, tanto em termos de bem-estar do trabalhador quanto em níveis de produtividade.
Os ensaios islandeses foram uma resposta direta à pressão de sindicatos e outras organizações de base. Mais de 2.500 trabalhadores do setor público (mais de 1% de toda a força de trabalho do país) passaram de uma jornada de trabalho de 40 horas a uma de 35 ou 36 horas semanais, sem redução de salário. A envergadura do teste, combinada com a variedade de locais de trabalho envolvidos (incluindo trabalhadores das nove às cinco e também aqueles em turnos atípicos) mostra que o experimento islandês agora fornece alguns dos melhores dados disponíveis sobre a perspectiva de encurtar a semana de trabalho.
Não surpreendentemente, os dados são positivos. Os trabalhadores relatam melhor saúde e menos estresse e esgotamento, além de terem mais tempo para ficar com as famílias ou se dedicar às atividades de lazer. A produtividade e a entrega de serviços permaneceram em níveis semelhantes ou melhoraram na maioria dos centros de trabalho.
Os sindicatos islandeses desempenharam um papel fundamental em todos os momentos e não perderam tempo para utilizar o sucesso do julgamento para negociar uma redução permanente das horas de trabalho. Graças a uma série de contratos negociados com sucesso entre 2019-2021, 86% da população ativa na Islândia já mudou para a jornada de trabalho reduzida ou ganhou o direito de negociar tais reduções no futuro.
A Islândia junta-se assim a alguns dos seus vizinhos nórdicos no fornecimento de provas claras dos benefícios da redução do horário de trabalho. Por ser um bastião da social-democracia, essa ideia gozou de um nível mais alto de aceitação política nos países nórdicos do que poderia ser encontrado em outros lugares. No ano passado, a primeira ministra finlandesa, Sanna Marin, criou um grupo de trabalho para propor medidas concretas de redução da jornada de trabalho no país, 20 anos depois das pesquisas sobre os expedientes de seis horas diárias realizadas em seu país, na década de 1990. A Suécia também fez testes de jornadas de seis horas para os trabalhadores aposentados em 2015. Ambos experimentos mostraram resultados semelhantes aos da Islândia: trabalhadores mais felizes e mais saudáveis, e pouca ou nenhuma redução do que realmente foi produzido no fim do período.
No entanto, não trata-se de uma história de excepcionalidade nórdica. Outros países do mundo também começaram a internalizar a ideia. No outono de 2021, a Espanha seguirá o exemplo com seu próprio projeto-piloto de uma semana de quatro dias, fornecendo assistência financeira a empresas que reduzem a semana de trabalho para trinta e duas horas, sem reduzir salários. Espera-se que participem mais de 6.000 trabalhadores. A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, também sugeriu uma semana de quatro dias para ajudar na recuperação econômica da pandemia, e várias empresas seguiram o exemplo, oferecendo a seus funcionários semanas mais curtas sem redução salarial. Mesmo no Japão, onde as horas extras crônicas são um problema tão difundido que existe uma palavra para “morte por excesso de trabalho”, o governo recomendou que as empresas permitissem que seus funcionários optassem por uma semana de quatro dias.
Trabalhar menos funciona?
O que esses ensaios têm em comum? Eles mostram duas condições necessárias para o seu sucesso: o apoio financeiro em grande escala (muitas vezes do governo), bem como a necessidade de envolver os sindicatos como atores centrais. Porque, ao lado das histórias de sucesso, também existem muitos exemplos de testes com resultados mais desiguais, especialmente aqueles conduzidos em empresas individuais, sem apoio governamental.
Na verdade, os empregadores têm pouco incentivo para arcar com os custos imediatos da redução das horas de trabalho e, ao mesmo tempo, da manutenção dos salários. É necessária uma compensação financeira para convencê-los não apenas a realmente pagar um salário por hora mais alto, mas também para reduzir o número de horas por dia que podem reivindicar o controle dos trabalhadores. Historicamente, essa rejeição foi constante ao longo das lutas do movimento operário, quando cobrava-se passar a carga horária de dezesseis para doze, dez e oito horas.
O surgimento de ferramentas de vigilância cada vez mais distópicas, usadas pelos empregadores para monitorar os funcionários que trabalham em casa durante a pandemia, mostra até onde os empresários estão dispostos a ir para manter o controle. Portanto, é encorajador que os testes em andamento pareçam reconhecer a necessidade de apoio financeiro significativo do governo para mitigar a resistência dos empregadores.
Como mostra o exemplo islandês, a prevalência dessas propostas nos países nórdicos se deve em grande parte à força institucional relativa dos sindicatos da região. Não foi por acaso. Em vez disso, como na maioria dos lugares, as organizações sindicais há muito lutam intensamente para ganhar terreno contra os interesses do capital, muitas vezes apesar da resistência violenta. Hoje, a região nórdica tem a maior densidade sindical do mundo (embora tenha diminuído nos últimos anos), permitindo maior poder de barganha na negociação coletiva com os empregadores, que continua sendo o processo mais importante através do qual se produzem as reformas trabalhistas.
Na Islândia, os esforços sustentados das confederações sindicais do país transformaram as demandas em mudanças reais no cotidiano dos trabalhadores. Os novos contratos negociados pelas confederações após os testes de 2015-19 não apenas abriram as portas para a redução da jornada de trabalho para todos, mas também trouxeram ganhos significativos em salários e benefícios em muitos setores. No relatório de avaliação do ensaio, o líder da Associação de Enfermeiros da Islândia, Guðbjörg Pálsdóttir, chamou os contratos negociados de “o maior progresso que vimos em mais de 40 anos”.
Vale ressaltar que esse progresso só foi extensível a uma parcela tão grande de trabalhadores graças aos altos níveis de filiação sindical na Islândia: os contratos abrangeram 170.200 sindicalistas da população trabalhadora islandesa, que é composta por cerca de 197.000 pessoas. Esses números de membros ainda podem parecer um sonho em muitos países como os Estados Unidos e o Reino Unido, onde os sindicatos sofreram muitas décadas de supressão. Portanto, aumentar a filiação sindical parece ser um primeiro passo necessário para maximizar o impacto positivo da redução da jornada de trabalho.
Desnaturalização do trabalho
Encurtar a jornada de trabalho não é a panacéia que nos salva de todos os absurdos ou horrores da vida profissional. Tal como acontece com outras propostas que servem para mitigar o capitalismo (como a pressão por uma renda básica universal), a implementação de tais políticas está repleta de armadilhas potenciais. Um dos riscos imediatos é o simples fato de os empresários começarem a incentivar a intensificação do trabalho para compensar a perda de produtividade percebida. A jornada de trabalho de seis horas pode acarretar em uma pausa para refeição mais curta, ou aumento da pressão para cumprir metas e prazos mais exigentes antes de começar o fim de semana na tarde de quinta-feira. Naturalmente, isso é contraproducente para os objetivos dessas políticas, especialmente em termos de bem-estar do trabalhador.
À luz desse risco, o contra-argumento comum de que a redução da jornada de trabalho não precisa levar à redução da produtividade merece alguma desconstrução. Embora esse argumento seja frequentemente visto como necessário para garantir a aceitação pelos empregadores, o fato de que pessoas que trabalham menos são mais felizes e saudáveis não é uma razão suficiente em si mesma? Prevenir o esgotamento de uma equipe de enfermagem e possíveis lesões nas costas não pode ser considerada uma meta suficientemente desejável do ponto de vista político (principalmente durante uma pandemia)? Isso mostra o quanto temos que caminhar para desmantelar a sacralização do trabalho neoliberal.
A boa notícia é que o projeto de redução da jornada de trabalho pode ter um efeito político positivo, especialmente quando combinado com outras medidas para mitigar os danos à vida dos trabalhadores. Pode ajudar a construir uma plataforma para manter a organização e revigorar o otimismo com a luta contra o controle do empregador. Admitir que seria melhor gastar menos tempo no trabalho frustra inerentemente a ideia de que o trabalho tem valor em si mesmo. Além disso, a evidência islandesa mostra que sempre que iniciativas de redução da jornada de trabalho são realizadas com o objetivo de trabalhar menos — e não apenas mais rápido — elas podem trazer benefícios concretos: reuniões são encurtadas, turnos são reorganizados e reduzem tarefas para que nenhum trabalhador tenha uma maior carga de trabalho.
Em seu livro de 2021, Lost in Work, Amelia Horgan argumenta que não há uma receita clara para resolver o problema do trabalho sob o capitalismo. Embora ela seja “mais compreensiva” com soluções que focam em transformações da propriedade, “uma combinação híbrida de táticas poderia ser útil não só para ganhar poder ou conquistar reivindicações, mas para o processo de desnaturação do trabalho”, deixando claro que não há nada natural ou imutável sobre a forma como trabalhamos sob o capitalismo. Simplesmente trabalhar menos pode ser uma dessas táticas.
À medida que a pressão para “voltar ao normal” fica mais forte em todo o mundo, é importante aproveitar o ímpeto desses ensaios que exploram a redução das horas de trabalho para recuperar o controle sobre nosso próprio tempo.
Annina Claeson é pesquisadora e escritora sueco-finlandesa baseada em Paris.
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