O comércio global começa a esgotar seu crescimento. Os últimos relatórios que mostram a atividade econômica do comércio internacional mostram uma clara desaceleração no número de transações, que segue nos piores ritmos de crescimento desde a grande crise financeira.
Eduardo Camín
Fonte: CLAE
Tradução: DMT
Data original da publicação: 20/02/2020
Não há dúvidas: nossa economia capitalista está doente e sua doença é grave. Além do fato de a maioria dos estudiosos ter um diagnóstico preciso e talvez até uma cura, ela permanece doente, reproduzindo os mesmos sintomas incessantemente.
O comércio global começa a esgotar seu crescimento. Os últimos relatórios que mostram a atividade econômica do comércio internacional mostram uma clara desaceleração no número de transações, que segue nos piores ritmos de crescimento desde a grande crise financeira.
De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), as previsões comerciais globais para os próximos anos não são as boas que se esperava. Embora, a priori, se esperasse altas taxas de crescimento para os próximos anos, a deterioração da balança de riscos levou a uma desaceleração adicional.
Como a incerteza econômica é um impedimento ao investimento, ela pode ter um impacto negativo no comércio, uma vez que as despesas em investimento tendem a depender das importações.
Vários indicadores econômicos avançados e estatísticas comerciais parecem indicar a persistência do enfraquecimento do comércio e da produção durante o primeiro trimestre de 2020. A OMC vem desenvolvendo uma série de indicadores para fornecer informações em tempo real sobre as tendências do comércio global.
O Barômetro do Comércio de Bens, anteriormente chamado de World Trade Outlook Indicator, é um índice fundamental que mostra as mudanças no crescimento do comércio mundial entre dois e três meses antes que as estatísticas sobre o volume de comércio de mercadorias sejam conhecidas.
O Barômetro do Comércio de Bens combina uma variedade de índices parciais relacionados ao comércio em um único índice composto que destaca os pontos de inflexão do mercado mundial de bens e oferece uma indicação de sua provável trajetória no futuro próximo.
O índice barométrico do comércio – que é atualizado trimestralmente – mostra como os dados mais recentes são comparados com as tendências de curto prazo no comércio de bens. Um índice de 100 indica uma expansão do comércio em linha com as tendências recentes. Índices acima de 100 indicam crescimento acima da tendência, enquanto índices abaixo de 100 indicam crescimento abaixo da tendência.
Barômetro sobre o comércio de bens
Enquanto isso, como complemento ao Barômetro do Comércio de Bens e, como sua contrapartida relacionada aos bens, o Barômetro do Comércio de Serviços é um indicador coincidente que mostra a situação atual do comércio de serviços com algum aviso prévio sobre as estatísticas oficiais.
Ambos os barômetros destinam-se a complementar estatísticas comerciais e previsões convencionais. Esse barômetro destaca os pontos de inflexão e ilustra as mudanças nos padrões do comércio mundial de serviços.
O Índice de Atividade de Serviços oferece uma medição aproximada do volume do comércio mundial de serviços e é calculado ajustando seu valor para levar em conta alterações de preço e taxas de câmbio.
Os índices de 100 no barômetro de serviços indicam crescimento em linha com as tendências de médio prazo; aqueles acima de 100 indicam um crescimento acima da tendência, enquanto os índices abaixo de 100 indicam o contrário. A direção do câmbio reflete o impulso em comparação com o mês anterior.
Comércio global cresce no seu pior ritmo desde a grande crise
Logo após a primeira etapa do ano 2020, o relatório da OMC dá uma sensação negativa de que a situação não será revertida. A desaceleração econômica que vive o mundo e que está arrastando para baixo todas as previsões de crescimento das principais economias desenvolvidas que compõem o planeta, agrava ainda mais a situação. Devemos ter em mente que um dos principais motores do crescimento da economia mundial é o comércio global.
Tudo isso, não devemos esquecer, é precedido pelas tensões e explosões protecionistas de certos países. Os tambores da guerra comercial e as contínuas tensões protecionistas dos Estados Unidos e da China acabaram enfraquecendo as transações comerciais e os acordos de livre comércio.
Mesmo que os dois países tenham encontrado caminhos para negociações, uma solução que faça o comércio retornar à normalidade ainda não foi encontrada.
Os relatórios mostrados pelo órgão indicam como, caso as tensões comerciais não sejam corrigidas entre as duas principais economias, as previsões do comércio internacional poderão sofrer ajustes adicionais nos próximos anos.
O comércio global está ameaçado e, nesse caso, sua atividade continuará a cair. Deve-se notar que a isso foi adicionado um novo problema, que consiste no aparecimento do COVID-19 (coronavírus).
A crise se dilui no discurso
Há algum tempo, estudamos alguns relatórios premonitórios anunciando a crise que está por vir -ou que já está instalada há muito tempo entre nós – ressentida como o flagelo da injustiça. Outros relatórios, mais otimistas, descrevem o relatório para o ano atual (2020).
Pelo menos, os dados das diferentes organizações internacionais confirmaram isso. No entanto, e apesar do empirismo eloquente, sempre temos dúvidas sobre os aspectos teóricos da crise, ou sua dialética e retórica, em sua avaliação discursiva.
A evidência, em cada relatório da OMC sobre o comércio mundial, nos desvia dos efeitos mais permissivos da crise. Não há dúvidas que a semântica desempenhe um papel importante na minimização dos fatos, daquilo que realmente ocorre. Para isso, são usados eufemismos com os quais pretendem ocultar a realidade.
A negação evidenciada por esses fatos é um genuíno expoente de uma mentira vital do sistema capitalista, porque é disso que se trata. Se a força dos fatos é brutal demais para ser ignorada, é sempre possível alterar seu significado.
A mentira vital do sistema, oculta, protegida pelo silêncio, pelo disfarce e pela negação, não é revelada. Os indícios são minimizados, quando não ridicularizados ou explicados de uma ou outra maneira. Por acaso temos visto muitos líderes mundiais expressarem sua ira ao se referir a esse problema? A conivência é sustentada ao desviar a atenção do fato concreto (a crise) ou reformular seu significado para que seja aceitável.
Hoje, a realidade indica que estamos enfrentando uma dívida global recorde de 320% do PIB. Nunca houve uma dívida dessa dimensão: dívidas no setor privado, dívidas corporativas e domésticas. E quando vemos esses dados, não deveríamos nos perguntar se o mundo tomou emprestado, mas para onde foi toda essa liquidez… para a economia real?
Entretanto, o Fundo Monetário Internacional alerta que o aumento da dívida das famílias pode desencadear outra crise. Apesar das variadas experiências vividas na sociedade no que diz respeito a uma crise, esta não se tornou mais cautelosa ao tomar empréstimos, como se poderia pensar.
Por meio desses exemplos, podemos observar a força que tem uma atenção desviada para ocultar uma realidade histórica, que nada mais é do que a profunda crise do capitalismo.
As lacunas na experiência, ocultas pelos vazios no vocabulário, são numerosas em alguns dos relatórios. E, portanto, é necessário oferecer um olhar mais lúcido ao analisar alguns aspectos que cobrem a área marginal da consciência, esses véus geralmente aparecem nos campos de maior importância para nós, em nossos pensamentos, em nossos relacionamentos e, fundamentalmente, na construção de uma realidade.
Se somos tão facilmente induzidos a esse sonho sutil do sistema capitalista, como podemos fazer para acordar? Pensamos que o primeiro passo nessa direção seria entender por que estamos dormindo. Na realidade, o que está oculto é que assistimos ao espetáculo vergonhoso do capitalismo neoliberal; que hoje não pode simplesmente se limitar à crise do multilateralismo.
Vimos surgir alguns efeitos nefastos relacionados à globalização, promovendo políticas de liberalização e de livre comércio em virtude da defesa das finanças transnacionais, propriedades e investimentos em detrimento dos direitos dos seres humanos.
A perplexidade é tão grande que algumas vozes no Fórum de Davos, paladino do neoliberalismo mundial, se perguntam no quê o capitalismo falhou, esse capitalismo selvagem, desregulado, que devastou tudo. E se eles invocam esta questão, o problema é consistente e perigoso. Será que Marx estava certo?
Eduardo Camín é jornalista uruguaio, correspondente de imprensa da ONU em Genebra. Associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).