O capitalismo sem enfeites

Donald Trump
Foto: Isac Nóbrega/PR

O circulo vicioso de concentração de renda, esgarçamento do tecido social e deterioração socioambiental, passou a ser turbinado no Ocidente pelos senhores feudais das big-techs e por gestores de fundos de financiamento. .

Arlindo Vilaschi

Fonte: RED
Data original da publicação: 25/08/2025

A ordem mundial estabelecida no pós-II Guerra Mundial levou o mundo ocidental e alguns países do Oriente (com destaque para o Japão e a Coréia do Sul) a quase três décadas de crescimento virtuoso. Nomeada por alguns como ‘era dourada’, o período que vai de 1945 a 1970 norteou-se pelo Acordo de Bretton Woods que buscou construir pilares que evitassem a repetição de competições imperiais por mercados e que levaram a duas guerras de dimensões mundiais na primeira metade do século XX.

No campo econômico-financeiro estabeleceu multilaterais voltadas para o apoio ao crescimento de ex-colônias (Banco Mundial) e para a estabilidade das moedas (Fundo Monetário Internacional). Além disso, países europeus também construíram pactos com suas sociedades civis voltados para o estabelecimento de estados de bem-estar social em que a riqueza socialmente gerada pudesse ser melhor dividida entre a população como um todo.

No plano das relações capital-trabalho foram adotadas mecanismos diferentes por vários países (principalmente na América do Norte e na Europa) voltados para uma distribuição melhor dos lucros das empresas. Foram fortalecidos sindicatos patronais e de empregados de forma a facilitar acordos coletivos, em muitos casos facilitados por representantes dos governos.

Direitos socialmente reconhecidos em áreas como saúde, educação, habitação, transporte, cultura, dentre outros, bem como maior participação dos salários na renda nacional, geraram círculos virtuosos de crescimento e desenvolvimento. Círculo virtuoso que começava a ser questionada por forças conservadoras diante do que chamavam amarras ao livre funcionamento do mercado e que ganhou corpo com os desequilíbrios gerados pela chamada crise do petróleo dos anos 1970.

Choque na estrutura de preços relativos que foi aproveitada por governos conservadores nos EEUU e na Europa (com destaque para Reagan e Tatcher) para enfraquecerem o poder político de sindicatos nas negociações salariais e da sociedade civil organizada na luta por direitos sociais. Enfraquecimento que facilitou, por um lado, processos de desestatização de empresas tanto produtoras de bens quanto aquelas voltadas para serviços essenciais como transportes, telecomunicações, energia e saneamento básico.

E, por outro, gerou o sub financiamento governamental que levou à deterioração do acesso da população a serviços como saúde, educação, cultura, habitação. Tudo feito sob a ideologia do neoliberalismo para o qual, por um lado, inexiste sociedade, o que vale são os indivíduos. E que, por outro, adota como altar maior das relações sociais, econômicas e políticas o mercado.

Ideologia neoliberal que prega despudoradamente que o mercado precisa ser deixado livre de qualquer amarra regulatória social, econômica ou ambiental. Despudor sustentado entre acadêmicos, instâncias políticas e grandes veículos de comunicação empresarial e redes sociais que se apropriaram de uma instituição milenar (mercado enquanto local de trocas livres entre produtores e compradores de bens) e a legitimaram como um ente abstrato por onde só circulam bits.

O resultado da aplicação dessa ideologia com débil embasamento teórico e desprovida de evidências, tem sido a crescente concentração de renda, o esgarçamento do tecido social e a deterioração socioambiental. Aqui e em todos os países que se curvaram ao neoliberalismo; lá nos Estados Unidos e acolá na União Europeia e no Reino Unido.

Mais recentemente, o circulo vicioso de concentração de renda, esgarçamento do tecido social e deterioração socioambiental, passou a ser turbinado no Ocidente pelos senhores feudais das big-techs e por gestores de fundos de financiamento. Aceleração e intensidade de processos controlados por poucos e que buscam submeter governos e pessoas a seus interesses de rentismo financeiro, feudos tecnológicos e de usurpadores da política.

É passada a hora desta parte Ocidental do planeta buscar possibilidades de se contrapor ao neoliberalismo conforme ele se apresenta. Por um lado, dominado pelo capital improdutivo sustentado a partir da combinação perversa dos feudos tecnológicos com gestores de fundos financeiros. Por outro, legitimado por poderes corrompidos de instituições políticas, acadêmicas e de meios de comunicação corporativos e redes sociais.

Busca de possibilidades que fortaleçam a democracia política e econômica e que coloquem humanos e demais seres viventes como objetivo central do crescimento, do desenvolvimento e do progresso. Busca de possibilidades voltada para o enfrentamento da concentração de riqueza e da depredação socioambiental e para a reinvenção de pactos sociais baseados na solidariedade e na sustentabilidade.

A história registra casos em que humanos demonstraram ser capazes de criar ciclos virtuosos de progresso econômico e harmonia socioambiental. Agora, diante da crise global que afeta a todos, é hora de ousar e buscar construir um futuro em que a dignidade, a justiça social e a preservação da vida de todos seres viventes estejam acima da lógica de acumulação para poucos e de submissão da maioria.

Arlindo Vilaschi é professor de economia

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