O agravamento da desocupação e a crise econômica brasileira

Os dados divulgados pelo IBGE em duas pesquisas diferentes (PIM e PNAD-C) nos possibilita um quadro de tendência econômica, com repercussões fortes para o próximo semestre deste ano.

José Raimundo Trindade

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 29/06/2021

A crescente impopularidade do governo Bolsonaro caminha paralelo ao genocídio que leva a mais de 500 mil mortes decorrentes do Covid-19 e da inação do governo federal e, por outro, do novo cenário de manifestações populares que se iniciam com o 29 de maio e se fortalece no 19 de junho. Parece-nos que uma análise mais detida dos aspectos econômicos e que retirem algumas consequências táticas em termos das repercussões políticas e suas consequências, inclusive por conta de os dados que de fato importam ao povo brasileiro destoam bastante dos pretensos e alvissareiros números do mercado financeiro, inclusive das variações do PIB (Produto Interno Bruto) como se demonstrará.

Novamente os dados divulgados pelo IBGE em duas pesquisas diferentes (PIM e PNAD-C)[1] nos possibilita um quadro de tendência econômica, com repercussões fortes para o próximo semestre deste ano. Primeiramente vale analisar os dados da Pesquisa Industrial Mensal, mesmo que o peso da indústria tenha declinado sua participação na economia brasileira, porém sua significação sobre o emprego urbano e influência sobre os demais setores (serviços, agropecuária e construção civil) mantém-se como forte sinalizador do desempenho do Produto Interno Bruto como um todo. Vale ainda observar que o setor agropecuário, onde se localiza parcela do agronegócio, apresenta um peso relevante no PIB e no crescimento da economia brasileira, porém sua capacidade de geração de postos de trabalho é risível e pouco relevante.

No trimestre encerrado em março o desempenho industrial no setor de bens de capital observou um declínio de 4,8%, os bens intermediários não apresentaram crescimento e, o mais preocupante, os bens de consumo tiveram variação percentual acumulada nos últimos 12 meses de 7,9% negativos, um forte declínio que enseja tanto a crise de emprego, quanto a queda da renda média da população brasileira. Vale ainda observar que a manutenção nos dados da PIM do comportamento de não variação positiva dos bens intermediários denota mais uma evidência do enfraquecimento do dinamismo da indústria geral.

Variação Acumulada da Indústria nos últimos 12 Meses (em %)

Nota: Base dos últimos 12 meses anteriores | Fonte: Fonte: SIDRA/Pesquisa Industrial Mensal (PIM/IBGE). Acesso em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3651#resultado

Os dados de fragilização da indústria podem ser cruzados com os dados de ocupação fornecidos pela última PNAD-C, sendo que no último trimestre (jan/fev/mar de 2021) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que a taxa de desocupação alcança o maior nível dos últimos nove anos, desde que a taxa passou a ser levantada e calculada pelo IBGE (14,7% ou 14,8 milhões de brasileiros) e o número combinado de desocupados e subocupados alcança um recorde histórico, chegando a 33,2 milhões de brasileiros, o que nos leva a uma taxa composta de subutilização da força de trabalho (percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial) de 29,3% no trimestre compreendido entre janeiro e março de 2021. Vale ainda notar que entre os desocupados observa-se grande concentração na juventude, sendo que na faixa de 18 a 24 anos alcança 31%, ou seja, 4,2 milhões de jovens.

A força de trabalho brasileira se torna crescentemente precarizada, sendo que o número de trabalhadores empregados no regime de conta própria cresceu 2,4% em relação ao trimestre anterior (mais 565 mil pessoas) e alcança 23,8 milhões de trabalhadores nesta condição. Os trabalhadores desalentados, ou seja, que desistiram de procurar emprego alcança a cifra recorde de 5,9 milhões de trabalhadores, subindo 3,1% (mais 182 mil pessoas) em relação ao último trimestre de 2020.

Os números da economia apontam o aprofundamento da crise, ao invés da cantada recuperação anunciada, cabendo notar que cresceu 1,2% no 1º trimestre de 2021 na comparação com os três meses imediatamente anteriores mostra tanto a perda de ritmo, quanto a dificuldade da economia brasileira de retomar um maior ritmo de crescimento, seja pela ausência de qualquer política fiscal expansionista por parte do governo, dentro do script neoliberal que o mesmo propugna, considerando também a rigidez fiscal interposta pela Emenda Constitucional 95/16 que congelou o orçamento da União com os gastos primários (educação, saúde, seguridade, tecnologia). O crescimento do setor externo estimulado pelo câmbio e pela retomada das economias centrais e das exportações de commodities não são fatores suficientes pera geração de postos de trabalho e aquecimento dos demais setores da economia, evidenciados no quadro de declínio inclusive do setor industrial de bens alimentícios e bebidas como notado no gráfico acima.

Taxa de Desocupação – Brasil (em %)

Fonte: SIDRA/ PNAD-C/ IBGE (2021). Acesso em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/4099#resultado. Elaboração própria..

O gráfico acima denota quatro movimentos temporais que valem ser anotados: i) até o 1° trimestre de 2014 observa-se o declínio da desocupação, atingindo o menor ponto da curva, algo que na época era gritado como pleno emprego, um ledo engano: não há pleno emprego no capitalismo, somente na miríade ideológica do neokeynesianismo; ii) a crise recessiva a partir de 2015 exacerba o crescimento da desocupação, atingindo o ápice em meados do 1° trimestre de 2017, sendo que a lenta recuperação ao longo do ano de 2017 não consegue repor os mesmos volumes de emprego pretéritos a 2015, o que se relaciona as alterações estruturais do padrão de reprodução econômica brasileira, inclusive com a crescente participação do “agronegócio” e produção extrativa mineral, ambos são baixos empregadores, por mais que impulsionem o PIB (Produto Interno Bruto) pela exportação de comodities; iii) a economia se desenvolve estruturalmente por um padrão de baixa geração de postos de trabalho, o que se relaciona tanto a diminuição da presença industrial e ao estabelecimento do padrão primário-exportador, é isso que nos leva a rigidez no declínio da taxa de desocupação nos trimestres anteriores a crise sanitária; iv) o declínio na desocupação no primeiro trimestre de 2020 deveu-se a crise sanitária, frente ao único momento em que o Brasil executou a política de isolamento social; v) por fim observa-se tanto a dificuldade macroeconômica brasileira de gerar uma quantidade de postos de trabalho mínimos, que reduza a taxa de desocupação, como observa-se a crescente precarização das relações de trabalho nacionais.

O quadro econômico desenhado nos leva a um possível cenário de agravamento das condições econômicas na base da sociedade, sendo que o design neoliberal autoritário do desgoverno Bolsonaro não aponta para saída sustentável neste quesito tão fundamental quanto a geração de emprego e renda sustenta para população trabalhadora urbana brasileira. Interessa aos setores democráticos populares estabelecer, frente este cenário, uma política coordenada de intervenção que capitalize e dirija o descontentamento popular que se torna crescente, como demonstram as duas últimas manifestações (29M e 19J).

Notas

[1] PIM (Pesquisa Industrial Mensal); PNAD-C (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar Contínua)

José Raimundo Trindade é Professor da UFPA e Coordenador do Observatório Paraense do Mercado de Trabalho (OPAMET).

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