Novidades da Lei nº 14.532/2023 e sua importância na Justiça do Trabalho

Fotografia: Christina@ wocintechchat.com/Unplash

Empresas têm o dever de conscientizar os seus empregados, além de promover ações orientativas e inclusivas para combater veementemente o racismo e discriminação no ambiente de trabalho.

Melina de Pieri Simão e Victor Matheus Campana

Fonte: Conjur
Data original da publicação: 07/02/2023

Foi sancionada no dia 11 de janeiro de 2023 a Lei nº 14.532/23, que, em grata vitória para a luta antirracista, equipara a injúria racial ao crime de racismo, tornando o delito ainda mais grave e, assim, alterando sua natureza para ação pública incondicionada, com pena privativa de liberdade e majoração em caso de racismo recreativo.

Cabe destacar que constitui injúria racial a ofensa à dignidade ou decoro de um indivíduo, em razão da raça, cor, etnia ou origem e normalmente ocorre em momento único (artigo 140 do Código Penal), enquanto o racismo trata de conduta discriminatória dirigida a grupo ou coletividade (Lei nº 7.716/1989).

Antes da promulgação da referida lei, a injúria racial não era considerada como um crime de racismo e, portanto, sempre foi tratada como crime afiançável, prescritível e de ação penal pública condicionada. Por tal razão, infelizmente muitos não davam a devida atenção e seriedade à conduta, sustentando, inclusive, se tratar de uma “brincadeira”, sem intenção de ofender.

Entretanto, nos últimos anos, os tribunais, a saber, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, através do AgRg no REsp 686.965/DF e julgamento do Habeas Corpus 154.248/DF, estavam trilhando o caminho de considerar a injúria racial como um crime de racismo.

Fato é que muitas brincadeiras, piadas e comentários jocosos de cunho racial, que eram tolerados no passado, há muito tempo deixaram de ser pela sociedade como um todo, e essa regulamentação legislativa cedo ou tarde necessariamente se faria presente.

Neste sentido, a Lei nº 14.523/23 colocou uma “pá de cal” no assunto, equiparando a injúria racial com o crime de racismo, não havendo mais dúvidas de que tal ato deve sofrer as mesmas consequências do crime de racismo, a saber: imprescritibilidade, inafiançabilidade e incondicionalidade da ação penal pública.

Em outros termos, com a nova legislação, ao tipificar a injúria racial como crime de racismo, há aumento de pena de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão, deixa de existir prazo para que os autores sejam punidos e esses sequer podem se isentar com o pagamento de fiança. Agora, se alguém ainda tinha alguma indevida dúvida sobre a gravidade dos atos, não há mais qualquer espaço para discussão.

O tema é pertinente não apenas pensando no Direito Penal, mas também do ponto de vista trabalhista.

Em recente estudo divulgado pela Folha de S.Paulo, em novembro de 2022, as ações trabalhistas discutindo preconceito e injúria racial no ambiente de trabalho, desde 2014, já ultrapassavam 22 mil (processos ativos e encerrados) e envolviam cerca de R$ 4 bilhões. Na expressiva maioria das ações, há alegação de racismo e/ou injúria racial por colegas ou gestores, com pedido de indenização por danos morais das mais variadas montas.

No ambiente de trabalho, o racismo é uma prática que acaba impedindo o acesso ou até mesmo a evolução do empregado, como o impedimento de emprego, promoção ou qualquer oportunidade e benefício em razão da cor de pele e origem racial ou étnica. A injúria é praticada mediante ofensas e xingamentos pelo mesmo motivo.

Tais posturas podem ensejar repercussões na esfera criminal à pessoa física do agressor, mas também diversas penalidades ao empregador, já que a empresa responde por atos de seus representantes e empregados.

Assim, perante a Justiça do Trabalho, a figura do empregador pode ser acionada e punida em ações judiciais, inclusive envolvendo o Ministério Público do Trabalho, o qual pode entender pela ocorrência de dano moral coletivo, impor obrigações de fazer, como treinamentos contínuos, e aplicar voluptuosa multa.

Isso sem contar, é claro, com as implicações negativas à imagem da empresa e reputação de sua marca, que passa a ser rejeitada por parceiros, fornecedores e clientes, como já vimos acontecer com grandes redes nacionais cujos empregados ou prestadores de serviço cometeram racismo ou injúria racial.

Desta forma, as empresas têm o dever de, não apenas na teoria, mas também na prática, conscientizar os seus empregados e, até mesmo, terceirizados, além de promover ações orientativas e inclusivas para combater veementemente o racismo e todas as formas de discriminação no ambiente de trabalho.

As boas práticas devem estar enraizadas na cultura organizacional e presentes no dia a dia de todos os representantes do alto escalão e de todos os empregados. Valem, ainda, não apenas para a boa manutenção do contrato de trabalho enquanto vigente, mas desde os procedimentos de admissão até a hora do desligamento do colaborador.

Melina de Pieri Simão é advogada sênior especialista da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Victor Matheus Campana é advogado da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogado.

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