“Nós não somos robôs”

A human hand with tattoos reaching out to a robotic hand on a white background.
Foto: Pexels

Cássio da Silva Calvete

“Nós não somos Robôs”. Esse slogan dos trabalhadores da Amazon no seu movimento grevista de 2017 alertou o mundo para um antigo problema que ressurge de forma mais intensa no novo sistema de produção da Indústria 4.0 e que trouxe novas exigências aos trabalhadores. A capacidade de vigilância absoluta com a medição dos tempos de execução das tarefas, dos tempos de pausa, dos tempos de intervalo individual e coletivos, percurso percorrido, medição dos clicks no teclado e piscadas diante do monitor.

A gestão por algorítmico e IA vêm sendo utilizada para tomadas de decisão importantes sem uma supervisão humana. Essa gestão organiza, vigia, mede, avalia o desempenho e o comportamento no trabalho. Com os dados capturados, elaborados e analisados a empresa defini a colocação, a remuneração, a compensação, a promoção, punições e mesmo desligamentos (KATSABIAN, 2023; DUBAL, 2023). Tendo o tempo de execução de tarefas e pausas entre tarefas dos trabalhadores individuais e coletivos a gestão algorítmica passa a exigir dos trabalhadores que demoram mais tempo para executar tarefas e dos que fazem intervalos mais longos entre tarefas uma diminuição desses tempos. Sempre que um trabalhador que está acima da média da equipe, diminui seu tempo de execução de tarefa ou de intervalo, ele faz também com que a média diminua e joga outro(s) trabalhador(es) para cima da média que por sua vez terá que se esforçar para atingir a nova média. Em empresas com grande entrada de novos trabalhadores como os setores plataformizados ou com grande rotatividade como nos Centros de Distribuição esses novos tempos são os parâmetros para os entrantes. Essa sistemática faz com que os tempos de trabalho se tornem cada vez mais intensos. Delfanti (2021) ao analisar, os ritmos dos Centros de Distribuição da Amazon, coloca que existe um ritmo de trabalho a ser atingido ditado pelo algoritmo que dá apoio ao software do inventário.

Ekbia e Nardi (2017) ao se referirem aos trabalhadores que fazem microtarefas para plataformas digitais colocam que eles são vistos como softwares. Viana Braz (2021) vai além, ao apontar que os trabalhos realizados são derivados de relações entre máquinas porque seus executores não são conhecidos e nem reconhecidos pelos verdadeiros demandantes das tarefas. O trabalhador que executa a tarefa não aparece e as avaliações sobre o seu trabalho são realizadas friamente tal qual uma conferência de dados feita por um computador. Katsabian (2023) também aponta para a tentativa de as empresas transformarem os trabalhadores em robôs, ou seja, ela destaca a enorme exigência de intensidade do trabalho e medição do tempo de execução de tarefas e do intervalo de tarefas que tornam o ritmo de trabalho padronizado, rígido e sobre-humano.

Bibliografia

DELFANTI, A. Machinic dispossession and augmented despotism: Digital work in an Amazon warehouse. New media & society, Vol. 23(1) 39–55, 2021.

DUBAL, V. On algorithmic wage discrimination. Early Draft Paper, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.

EKBIA, R; NARDI A. Heteromation, and Other Stories of Computing and Capitalism. Cambridge, Massachusetts, 2017.

KATSABIAN, T. Privacy as the Basis of Workers’ Dignity in the “Information Workplace”. Early Draft, presented at the study group on artificial intelligence at the Bonavero Institute of Human Rights at Magdalen College, University of Oxford, 2023.

VIANA BRAZ, M. Heteromação e microtrabalho no Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 23, n. 57, mai-ago 2021, p. 134-172.

 

Cássio da Silva Calvete é Professor associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Economia Social e do Trabalho pela UNICAMP e com pós-doutorado pela Universidade de Oxford.


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