Negociar a vida? Negociações coletivas durante a pandemia no Brasil

Adalberto Cardoso

Fonte: : Caderno CRH, Salvador, v. 35, p.1-18, 2022.

Resumo: Este estudo busca avaliar como o movimento sindical respondeu aos desafios da crise sanitária, tendo como objeto as negociações coletivas ocorridas entre março de 2020 e inícios de 2021. A pergunta cen-tral a ser respondida é: os sindicatos conseguiram construir teias de proteção para seus representados, na forma de normas coletivas pactuadas com os patrões? A pertinência da pergunta decorre de que a reforma trabalhista de 2017 fragilizou imensamente a capacidade de ação do trabalho organizado, ao acabar com o imposto sindical e limitar a negociação coletiva de formas consensuais de financiamento, com isso empobrecendo os sindicatos; e ao reduzir o escopo dos temas passíveis de negociação coleti-va, algo agravado pelas medidas provisórias do governo federal, voltadas para facilitar a resposta dos empresários à crise, à custa da renda dos trabalhadores. O estudo empírico se baseia em resultados da negociação coletiva de quatro categorias de trabalhadores essenciais: comerciários do ramo de alimen-tos e supermercados, enfermeiros, motoristas de caminhão e bancários.

Sumário: Introdução | Nota metodológica | Negociação coletiva no Brasil: brevíssimo apanhado histórico | Permanência | A negociação coletiva: fatos estilizados | Negociando durante a pandemia de COVID-19 | Trabalhadores da linha de frente | Um futuro para o trabalho?

A pandemia da  covid-19  afetou  múltiplas  dimensões  da  vida  no  planeta.  Relações familiares e de amizade,  educação  dos  mais  jovens,  possibilidades  de  lazer,  saúde  física  e  mental  (individual  e  coletiva),  sociabilidade  no mundo da vida… Ela criou desafios para a gestão das cidades, estados e países, gerou tensões nas relações internacionais, deu origem a uma geopolítica das vacinas e das melhores estratégias de enfrentamento da doença. Testou a resiliência dos governantes, em toda parte premidos pelos dogmas neoliberais e sua catilinária pela austeridade e o Estado mínimo, numa situação que exige sistemas eficazes e dispendiosos  de  saúde  pública.  Interpelou  lideranças e organizações da sociedade civil, testou a solidez das instituições democráticas… E está matando milhões de pessoas. O mundo do trabalho ocupa lugar especial nesse conjunto de dimensões. A estrutura econômica é o principal componente causal de oportunidades de vida em qualquer sociedade, porque  em  seu  movimento  gera  a  riqueza  e  a  renda socialmente distribuídas. E é nesse movimento que as pessoas que vivem de seu trabalho, a imensa maioria da população, obtêm e constroem meios de adquirir meios de vida. Uma pandemia como a do vírus SARS-CoV-2, de  alta  transmissibilidade  pelo  contato  pessoal e pelo ar, com taxas elevadas de mortalidade,  sobretudo,  mas  não  apenas,  de  pessoas  mais  velhas,  solapa  muitas  das  condições  de  funcionamento  dessa  estrutura,  obrigando  a  suspensão  de  atividades,  quarentenas  prolongadas, isolamento social ou mesmo severos lockdowns. Tudo isso afeta sobremaneira as pessoas que vivem do seu trabalho.

O objetivo deste estudo é avaliar como o movimento sindical respondeu aos desafios da crise sanitária, tendo como objeto as negociações coletivas ocorridas entre março de 2020 e inícios de 2021. A pergunta central a responder é: os sindicatos conseguiram construir teias de proteção para seus representados, na forma de normas coletivas pactuadas com os patrões? A pertinência da pergunta decorre de que a reforma trabalhista de 2017 fragilizou imensamente a capacidade de ação do trabalho organizado, ao  acabar  com  o  imposto  sindical  e  limitar  a  negociação coletiva de formas consensuais de financiamento, com isso empobrecendo os sindicatos (Galvão, 2019). Além disso, reduziu o escopo dos temas passíveis de negociação coletiva,  algo  agravado  pelas  medidas  provisórias do governo federal, voltadas para facilitar a  resposta  dos  empresários  à  crise  à  custa  da  renda dos trabalhadores (Krein et al. 2021). Para responder à pergunta, o artigo divide-se em cinco seções além desta introdução. Na  primeira,  apresento  um  brevíssimo  histórico  da  negociação  coletiva  no  Brasil,  num  sistema de relações de trabalho que, historicamente,  teve  predominância  da  lei  como  principal espaço normativo (Noronha, 2000), algo profundamente transformado pela reforma trabalhista  de  2017.  Em  seguida,  ofereço  alguns  fatos estilizados do movimento geral da negociação coletiva na última década, com isso introduzindo o caso da negociação na pandemia, objeto da seção seguinte. Nela mostro que prevaleceram as medidas provisórias que transferiram aos patrões poder unilateral para responder  à  crise,  mas  que  ainda  assim  não  poucos  sindicatos conseguiram mitigar os efeitos mais perniciosos das medidas provisórias do governo. Na seção seguinte, analiso o conteúdo das negociações em quatro categorias de trabalhadores da “linha de frente” de enfrentamento da pandemia: comerciários do setor de alimentos, enfermeiros/as,   caminhoneiros   e   bancários.   Aludo  à  importância  decisiva  do  Ministério  Público do Trabalho no enfrentamento da pademia  por  parte  dos  enfermeiros  e  ao  papel  central  jogado  pelas  Normas  Regulamentadoras  de  Saúde  e  Segurança  no  Trabalho  (NR).  Na  seção  final,  conclusiva,  apresento  breve  ensaio  sobre  o  futuro  do  trabalho  no  mundo  pós-pandêmico.

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Adalberto Cardoso é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Professor Associado do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Trabalho (NUPET). Pesquisa nas várias áreas da sociologia do trabalho (mercado de trabalho, sindicalismo, relações de trabalho, direito do trabalho, trajetórias ocupacionais, negociação coletiva e outros), da sociologia urbana (incluindo estrutura social) e da teoria social. É autor, dentre outros, de Classes médias no Brasil: estrutura, perfil e mobilidade social, Rio de Janeiro, UFRJ, 2021 (com Edmond Préteceille); À beira do abismo: uma sociologia política do bolsonarismo. Rio de Janeiro, Amazon, 2020; Work in Brazil: Essays in historical and economic sociology. Rio de Janeiro, UERJ, 2016.

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