Mulheres e luta de classes: o exemplo das trabalhadoras em telecomunicações

Ilustração: Funkyboy2014/Vecteezy

A situação da mulher hoje no mercado ainda é de fragilidade. Mas seria muito pior se não fosse uma história de lutas e de conquistas que nos orgulhamos de lembrar.

Carolina Maria Ruy

Para falar sobre a situação das mulheres trabalhadoras, vou usar o exemplo da história das trabalhadoras em telecomunicações, em especial do sindicato da categoria do Estado de São Paulo, o Sintetel, junto com o qual o Centro de Memória Sindical realizou um extenso trabalho de resgate histórico por ocasião dos 70 anos do sindicato, em 2012.

Neste sentido, destaco, inicialmente, a greve das telefonistas paulistas pela redução da jornada de trabalho de oito para seis horas diárias, na década de 1960. Uma reivindicação vitoriosa que conquistou a jornada de 36 horas semanais, que mais tarde virou Lei para as companhias telefônicas de todos os estados brasileiros. O movimento projetou as mulheres do Sindicato. Mas, logo depois veio a ditadura militar e a Telebrás, como uma empresa estatal, ficou sob comando direto dos militares.

Destaco também o papel da Gonçala Cruvinel, não só para o Sintetel, mas para todo o movimento sindical, sendo ela uma das pioneiras a criar, em 1986, e dirigir uma secretaria da mulher dentro de um sindicato. Secretaria que é especialmente importante por se tratar de uma categoria que abrange tantas mulheres e que faz do Sintetel uma referência para a luta das mulheres trabalhadoras. Ela também participou da criação da secretaria das mulheres da Força Sindical, em 1991, com a Nair Goulart, ex-dirigente do Sindicato do Metalúrgicos São Paulo, e outras companheiras. E, é importante destacar que a Força foi a primeira central a criar uma secretaria da mulher.

A Gonçala teve uma grande projeção na greve da Telesp de 1985. Naquela época, em pleno movimento pelas Diretas Já! que tomava conta do Brasil, houve uma onda de greves. A Telesp, que pertencia ao sistema Telebrás, era comandada pelo governo militar, e os embates ocorreram por mais espaço e mais presença do sindicato no local de trabalho. A greve foi, desta forma, um processo de maior politização da categoria.

Logo depois teve a abertura política, o fim da ditadura, mas começou um longo período de recessão, desemprego, informalidade, marcado pela ascensão do neoliberalismo, com o fim da Guerra Fria, o fim da União Soviética, e uma sensação de triunfo (ainda que falsa e transitória, como vimos depois) da economia de mercado e estado mínimo.

Isso impactou as grandes empresas estatais como a Telebrás. E, naquele contexto de ascensão neoliberal ocorreu outro grande marco para a história dos telefônicos, iniciado em 1997, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que abriu o mercado para os serviços de telefonia, e culminou na privatização em julho de 1998.

O sindicato fez diversas campanhas contrárias a esse processo. Lançou uma cartilha explicando aos seus representados o perigo que a privatização representava para seus empregos, mas o avanço da política neoliberal dava o tom naquele momento e os principais movimentos, na maioria das categorias, não só nos telefônicos, se davam em torno mais de contenção das perdas do que pela reivindicação de mais conquistas.

A partir daí houve uma grande informalização, perdas decorrentes da privatização e uma mudança no perfil da categoria.

No livro sobre os 70 anos do Sintetel, que o Centro de Memória Sindical produziu com o sindicato, o jornalista e assessor da Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações e Operadores de Mesa Telefônica), José Luiz Passos Jorge, falou sobre a mudança de perfil que a categoria viveu após a privatização. Segundo ele:

Até 1997 o perfil era: maioria homens, tempo médio no emprego 25 anos. Idade média dos trabalhadores de 40 a 45 anos. Nível técnico e médio. Remuneração média até cinco salários mínimos.

Em 2011 o perfil era: maioria mulheres, tempo médio no emprego 2 anos. A idade média 18 a 25 anos. Nível cursando universidades (não necessariamente ligada à área). Remuneração média de um a um e meio salário mínimo e jornada de meio período.

Isso fez também com que a presença das mulheres crescesse no sindicato e aumentasse a importância da secretaria.

O sindicato precisou se reorganizar partindo do zero em muitos aspectos. Como entraram várias empresas multinacionais, como a Telefônica, que hoje é Vivo, a maior do setor, o sindicato intensificou sua ação internacional através da UNI Global, fundada em 2000 justamente para ter mais força frente às multinacionais. Hoje, apesar das crises, da privatização, da recessão e da reforma trabalhista, o sindicato se mantém forte.

O que move a história são interesses conflitantes

O exemplo do Sintetel mostra que a história não é uma linha reta em rumo à salvação ou à perdição. Ela caminha através de avanços e recuos porque o que a move são interesses conflitantes. Interesses dos trabalhadores e trabalhadoras em ter mais direitos, mais dignidade, melhores condições, e, do outro lado, interesses da classe que se beneficia da situação como está, das desigualdades do mundo capitalista.

O sindicato teve uma fase de organização e luta dos trabalhadores, depois uma fase de intervenção do regime militar, depois uma fase de maior politização e mais participação dos trabalhadores, daí veio a privatização seguida de uma reação e de uma fase de reorganização da categoria, o fortalecimento de um braço internacional, e hoje o sindicato é forte apesar do desmonte que a categoria sofreu.

Na nossa história geral também há esse movimento. Houve muitos avanços desde a Proclamação da República, em 1889, mas não se chegou a uma situação ideal justamente porque existe sempre este conflito de classes. E a pauta das mulheres, sendo as mulheres consideradas “minorias”, assim como os negros e os homossexuais (o que não significa minoria numérica populacional, mas grupos em desvantagem com relação ao grupo dominante, que é o homem branco e hétero), é uma pauta progressista, uma pauta da mudança e da emancipação nacional, não é uma pauta conservadora, de manutenção de privilégios. E nas fases retrógradas, fases de recuos, prevalece a mentalidade de que as mulheres devem se dedicar a cuidar apenas da casa e dos filhos e não disputar espaço no mercado de trabalho.

A situação que vivemos desde 2016, desde o governo Michel Temer, é muito grave. Não só por causa da reforma trabalhista, que foi a maior perda de direitos em uma tacada na história, como, o que é pior, chegamos a recordes de informalidade e desemprego, não só pela pandemia, mas pela política econômica adotada. E quando a situação social está ruim, para as minorias está pior. Pior para as mulheres e pior ainda para as mulheres negras.

Isso é muito concreto e podemos constatar através de dados e estatísticas. Por exemplo, em novembro de 2020 a taxa desemprego geral era 14,6%. Esse número era de 12,8% para os homens e 16,8% para as mulheres. No dia 4 de março de 2021, o IBGE divulgou uma pesquisa que mostra que mais da metade das mulheres com crianças de até 3 anos estão fora do mercado, 54,6%. Isso sem falar no aumento da violência doméstica e dos casos de feminicídio durante a pandemia.

A situação da mulher hoje no mercado ainda é de fragilidade. Mas seria muito pior se não fosse uma história de lutas e de conquistas que nos orgulhamos de lembrar.

Notas

Artigo adaptado a partir de Palestra proferida no evento “Conversa entre mulheres 3” realizado pelo Sintetel em 8 de março de 2021.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical.

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