De Ada Lovelace, a primeira programadora da história, a Sheryl Sandberg, atual diretora de operações do Facebook, o universo da tecnologia sempre foi marcado por mulheres influentes. Mesmo assim, a presença feminina na área ainda está longe de ser ideal. Durante a nona edição da Campus Party Brasil, que aconteceu entre 26 e 30 de janeiro, no Anhembi, em São Paulo, iniciativas que incentivam a participação de mais mulheres no setor marcaram presença na programação.
No Brasil, dentro de um universo de quase 520 mil pessoas que trabalham no setor de tecnologia da informação, apenas 20% são mulheres. A desigualdade de gênero que cerca as carreiras de tecnologia começa a aparecer desde o período escolar. De acordo com um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o número de meninos que planejam seguir uma carreira profissional em engenharia ou informática é quatro vezes maior que o de meninas.
Fora da escola, as diferenças também são reforçadas pelas brincadeiras. Apenas 2% das meninas dizem jogar videogame em rede todos os dias, enquanto entre 20% dos meninos têm esse costume. A estudante de engenharia da computação, Maria Qersanach, 20, defende que os brinquedos oferecidos às crianças contribuem para aprofundar a distância entre gêneros. “Os meninos brincam com lego e são sempre incentivados a montar e criar coisas e, se não der certo, tudo bem, monta de novo. Para as meninas, é sempre uma brincadeira pré-definida, é boneca e pronto”.
Apesar de frequentar uma sala de aula com 85 meninos e apenas cinco meninas, Maria acredita que tecnologia não é lugar só de homens. Por isso, faz parte do grupo Pyladies Campinas, uma sub-organização do Pyladies, iniciativa mundial que estimula o ensino de programação para meninas usando a linguagem Python. A ideia se espalhou e hoje conta com grupos nas mais diversas localidades, incluindo Índia, Austrália, Alemanha, Holanda, Finlândia, Marrocos, Madagascar, Rússia e, claro, Brasil.
O grupo de Campinas foi criado em agosto de 2015 pela estudante Daniela Palumbo, 19, com o objetivo de instigar a criatividade das meninas e trazê-las para o universo da programação. “O Pyladies tem tudo documentado na internet sobre como você pode começar um grupo, tipo um tutorial”, comenta a aluna de ciências da computação da Unicamp, fazendo referência ao Pyladies Starter Kit (do inglês, Kit Pyladies de Iniciação), disponível no site oficial.
Apesar de ainda estar na fase de buscar patrocínio e estabelecer parcerias com escolas, o grupo pretende montar cursos e workshops a serem ministrados ao longo de 2016 para meninas do ensino fundamental e médio, período que os estudantes estão decidindo qual carreira seguir. “Nós não queremos que só tenham mulheres em programação ou que tenham mais mulheres que homens. O problema é que, muitas vezes, as meninas não conhecem a área, não sabem que poderiam fazer cursos como computação”, ressalta Maria, defendendo que o objetivo da organização é mostrar as possibilidades às meninas.
Desde pequenas, a gente sempre vê homens trabalhando com tecnologia. Se nós mostrarmos “olha que legal, essa menina é programadora”, eu acho que já desconstrói a imagem do engenheiro como uma pessoa sempre do sexo masculino.
Já a estudante de engenharia de computação na Unicamp Larissa Gaulia, de 25, comenta que o modelo do mercado de trabalho não favorece que meninas entrem na área de tecnologia. “É tudo uma questão de exemplo. Desde pequenas, a gente sempre vê homens trabalhando com tecnologia. Se nós mostrarmos “olha que legal, essa menina é programadora”, eu acho que já desconstrói a imagem do engenheiro como uma pessoa sempre do sexo masculino”.
Vestida orgulhosamente com a camiseta do Pyladies, que traz os dizeres “Code like a lady” (do inglês, programe como uma lady), a estudante defende que o mais importante é ter mulheres na área que sirvam de exemplo e possibilitem que cada vez mais meninas trabalhem com tecnologia, desencorajando o pensamento de que “exatas são para meninos, humanas são para meninas”.
Meninas também jogam
Mesmo concluindo o curso de ciências da computação com apenas uma menina na turma, Tainá Medeiros, 27, sempre teve certeza da sua escolha. A paixão pelos games fez com que transformasse o seu vício em um trabalho e começasse a criar jogos. “Eu nunca tive dúvidas do que eu queria fazer. Eu costumava desmontar computadores, quando era adolescente fiz curso de robótica”, lembra, ao mencionar sobre seu interesse pela área de tecnologia.
Especialista em segurança da informação e mestre em sistemas da computação com foco em jogos digitais, após falar sobre games em uma edição do evento do Code Girl, em Natal, Tainá percebeu o interesse de muitas meninas pela área. “Elas tinham admiração, mas achavam que não conseguiriam fazer”, conta. Com o objetivo de mostrar que o desenvolvimento de games não era nenhum bicho de sete cabeças, há um ano começou a iniciativa Meninas Também Jogam.
O projeto visita escolas e universidades para fazer atividades sobre produção de jogos digitais. As oficinas e palestras são gratuitas e abertas para todos os interessados, inclusive os meninos. “A ideia não é excluir eles. Tem muitos meninos que vestem a camisa e acreditam na causa”, explica. Além disso, uma equipe de voluntários do projeto também trabalha na elaboração de games educativos.
De acordo com Tainá, o projeto já tem apresentado resultados positivos. “Algumas meninas já vieram me procurar para contar que entraram em um curso na área”, revela. “Não podemos ter medo. Sem tentar, não iremos conseguir”, encoraja.
Hackerspace feminista
Para além de incentivar o ingresso em cursos na área, algumas iniciativas também tentam apoiar aquelas que já estão na carreira. A partir da necessidade de criar espaços mais receptivos às mulheres na área de tecnologia, o hackerspace MariaLab nasceu com a proposta ser um ambiente seguro para trocas de experiências e desenvolvimento colaborativo de projetos, sem medo de errar ou fazer perguntas. “Um dos nossos objetivos é ter mais mulheres envolvidas com a tecnologia. O problema aqui é a inclusão, e não a exclusão”, afirmou Carine Roos, cofundadora do MariaLab.
Em 2011, após visitar diversos hackerspaces na Europa, a jornalista e cientista social, percebeu que a presença de mulheres nesses espaços ainda era muito pequena. Quando Carine retornou ao Brasil, as estatísticas também não eram muito diferentes: ela foi a primeira mulher a se tornar membro do Garoa Hacker Clube, em São Paulo, e depois disso mais umas duas ou três meninas se associaram.
Com a baixa presença feminina nesses espaços e a percepção de que as participantes se sentiam inseguras para fazer perguntas, que tipicamente poderiam ser rotuladas de desnecessárias, o MariaLab teve início em 2013. “Nós percebemos o quanto é importante ter um espaço para empoderar mulheres. Quanto mais elas se fortalecem em um hackerspace, mais elas conseguem liderar projetos”, defende Carine, que se define como entusiasta do conhecimento livre.
Sem uma sede fixa, as participantes do hackerspace feminista se comunicam por meio de grupos de e-mails e organizam atividades em espaços públicos ou locais oferecidos por parceiros. Os encontros e discussões trazem temas que vão desde as experiências pessoais na área, até conhecimentos técnicos sobre arduino, hardware, servidor e segurança nas redes.
Segundo a cofundadora do MariaLab, o aumento da presença feminina na tecnologia pode trazer benefícios para o setor. “Empresas maiores já perceberam que quando se coloca mais mulheres para participar do desenvolvimento de projetos, você consegue ter uma visão multidisciplinar em torno da solução daquele problema. Quanto mais pessoas diversas, mais você pode agregar valor ao seu produto”, explica.
Fonte: Envolverde, com Porvir
Texto: Marina Lopes, Maria Victória Oliveira e Regiany Silva
Data original da publicação: 03/02/2016