‘Ministros’ do Trabalho e da Casa Civil, por que não se calam?

Continuem falando e revelando o seu pleno desprezo pelo projeto constitucional, mostrando a urgência de se restabelecer a ordem democrática no país.

Jorge Luiz Souto Maior

Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 21/06/2016

Disse o “Ministro do Trabalho” do atual temporário e ilegítimo governo: “Precisamos ter contrato de trabalho que explicite as regras mais claramente, a respeito dos direitos e garantias do trabalhador”.

A ilegitimidade é tal que a pessoa que se nomeia como Ministro de Estado sequer se deu ao trabalho de ler os artigos 7º, 8º e 9º da Constituição Federal (de 1988), onde estão elencados, de forma bastante clara, os direitos e garantias do trabalhador, que devem ser interpretados e aplicados, inclusive, dentro dos padrões do Estado Social fixado na mesma Constituição.

Lembre-se que no art. 1º, estabeleceu-se que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (incisos III e IV).

No artigo 3º consignou-se que dentre os objetivos fundamentais da República: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O artigo 4º estabeleceu que a prevalência dos direitos humanos deve reger a República Federativa do Brasil em suas relações internacionais.

Mesmo no título dos clássicos “direitos civis”, a preocupação com a agenda social esta evidenciada. O inciso XXII, do artigo 5º, garante o direito de propriedade, mas, logo na seqüência, o inciso XXIII do mesmo artigo estabelece que a propriedade deve atender a sua função social.

O artigo 184 autoriza à União a “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. O artigo 186, em complemento, esclarece: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

E também a ordem econômica, regulada no Título VII, rege-se pelos preceitos do Direito Social. O artigo 170, que regula a ordem econômica nacional, não deixa margem para dúvida a respeito:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Assim, o que precisamos é que se leia e se respeite a Constituição, superando, inclusive, a falácia do argumento de que o que regula as relações de trabalho no Brasil é a “retrógada” CLT de 1943. Ora, o que rege as relações de trabalho no Brasil é a Constituição de 1988, acompanhada de uma legislação infraconstitucional, que deve respeito à Constituição, e que foi sendo readaptada ao longo de anos e até de forma indevida por ter acoplado alguns valores liberais.

Disse ainda o Sr. “Ministro”, para justificar, de forma indireta, a ampliação da terceirização, que é preciso regulamentar “os serviços especializados”, como se algum serviço não o fosse, afinal não existe profissional que se pretenda ou atividade que o seja especialista em tudo.

Já o outro ilegítimo “Ministro”, o da Casa Civil, o mesmo que enunciou o fim da Lava Jato, explicitando que ela deve saber a hora de parar, para justificar o fim da CLT, disse que “… a década de 40, 46, ficou para trás há muito tempo”, afirmando que se havia alguma razão para a legislação trabalhista criada por Getúlio Vargas naquela época hoje essas razões não existem mais.

E foi além, ao expressar que:

“temos que olhar rumo ao amanhã, (ver o que) os países desenvolvidos estão fazendo, e temos que fazer aqui. Essa questão do pactuado versus legislado, com sobreposição do pactuado sobre o legislado, isso é o mundo. Nós não estamos aqui inventando a roda. Isso é no mundo hoje, diante da competitividade que se estabeleceu para se ter emprego. Todo mundo (está) tentando buscar o pleno emprego. Então tem que se facilitar as formas de contratação.”

Ora, o Sr. “Ministro” da Casa Civil, primeiro não diz quais razões existiam na década de 40 que justificavam a legislação trabalhista e que não existiriam mais. Fico pensando se, por acaso, o referido senhor pensa que o modo de produção capitalista teria deixado de existir.

Mas a sua fala acaba sendo bastante oportuna porque auxilia na compreensão dos motivos que estão por trás do golpe de Estado perpetrado no país e do tamanho da ignorância, ou má fé, que reina em parte da “inteligência” brasileira sobre a questão trabalhista.

A realidade é que a legislação trabalhista não foi criada por Vargas. Leis trabalhistas existem no Brasil desde 1890, quando o Decreto 1.313, de 17 de janeiro, trouxe diversos dispositivos vedando o trabalho efetivo de menores de doze anos, nas fábricas do Rio de Janeiro. A experiência legislativa na Primeira República, ademais, é considerável, podendo ser citados: o Decreto n. 979/1903, sancionado pelo Presidente Rodrigues Alves, que facultava aos profissionais da agricultura e indústria rural organizarem-se em sindicatos; o Decreto n. 1.150, de 05 de janeiro, de 1904, que instituiu o privilégio para pagamento de dívidas provenientes de salário do trabalhador rural, tendo sido alterado, em 1906, por outro decreto, de n. 1.607; o Decreto n. 6.532/1907, que regulamentou o pagamento de salários aos trabalhadores rurais; o Decreto n. 6.562, de 16 de julho de 1907, que tratou da inspeção de teatros e demais casas de diversões no Distrito Federal, “com dispositivos cuidando expressamente da duração do trabalho e garantias dos artistas e empregados”; o Decreto n. 1.637, de 5 de Janeiro de 1907, que possibilitou a criação de sindicatos profissionais no âmbito urbano e de sociedades cooperativas; de aplicabilidade restrita ao Distrito Federal, a Lei municipal n. 1.350, de 31 de outubro de 1911, sancionada pelo então prefeito, Bento Ribeiro, que fixou o horário de trabalho no comércio, “facultando aos estabelecimentos dessa natureza funcionarem, diáriamente, num limite de 12 horas” (segundo Dario de Bittencourt, que “Resultado de uma campanha de tres anos da União dos Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, tal lei possibilitou o surto de outras, em todos os Estados, principalmente nas capitais e cidades importantes”); o Decreto n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, que acolheu a tese da teoria do risco profissional, estabelecendo uma responsabilidade do empregador de indenizar o acidente do trabalho; o Decreto n. 16.027, de 1923, que criou o Conselho Nacional do Trabalho; o Decreto n. 4.682, de 23 de janeiro de 1923, que instituiu a Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados em empresas de estrada de ferro, prevendo vários direitos trabalhistas, dentre eles a estabilidade no emprego após dez anos de serviço; a Lei n. 4.982, de 24 de dezembro de 1925, que estabeleceu o direito de férias aos empregados e operários; e o Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, uma espécie de Código de Menores, que fixou regras específicas sobre o trabalho da criança.

Lembre-se, também, dos diversos dispositivos trabalhistas trazidos nas leis municipais de interesse sanitário, como o Código Sanitário, Decreto n. 233, de 2 de março de 1894, com 520 artigos que regulavam, dentre outras coisas, as condições sanitárias dos ambientes de trabalho, do trabalho noturno e infantil, e a Lei n. 1.596, de 1917, que reforçou muitos desses dispositivos e foi além.

Recordem-se, ainda, as inúmeras normas fixadas em acordos coletivos, conquistadas pelos trabalhadores após greves, que eram bem mais frequentes do que se imagina. No Rio de Janeiro, no período de 1890 a 1906, são catalogadas 106 greves, envolvendo 41 categorias de trabalhadores. Em São Paulo, de 1917 a 1920, ocorreram 108 greves. Segundo os estudos feitos por Marcelo Badaró Mattos, as greves eram recorrentes no período da Primeira República. No Rio de Janeiro foram: 5, em 1890; 7, em 1891; 2, em 1892; 1, em 1893; 0, em 1894; 1, em 1895; 1, em 1896; 0, em 1897; 4, em 1898; 8, em 1899; 8, em 1900; 4, em 1901; 3, em 1902; 31, em 1903; 3, em 1904; 7, em 1905; 24, em 1906; 5, em 1907; 4, em 1908; 5, em 1909; 3, em 1910; 8, em 1911; 17, em 1912; 8, em 1913; 2, em 1914; 5, em 1915; 2, em 1916; 21, em 1917; 33, em 1918; 26, em 1919; 26, em 1920; 4, em 1921; 2, em 1922; 1, em 1923; 3, em 1924; 4, em 1925; 4, em 1926; 10, em 1927; 7, em 1928; 5, em 1929; 1, em 1930. E, em São Paulo (Capital): 12, de 1888 a 1900; 81, de 1901 a 1914; 75, de 1915 a 1929; 59, de 1930 a 1940. No interior do Estado: 12, de 1888 a 1900; 38, de 1901 a 1914; 41, de 1915 a 1929; 31, de 1930 a 1940.

A legislação trabalhista, portanto, foi, de fato, uma conquista da classe trabalhadora, conforme reconheceu, inclusive, o próprio Oliveira Viana, um dos principais personagens da organização da legislação trabalhista na década de 30:

“O nosso labor foi antes o de dar técnica legislativa e sistematização a esse direito costumeiro encontrado, a esse complexo de normas e costumes que nos havia sido “revelado” e que regulava – pelo único prestígio da tradição e do costume – a atividade dos nossos trabalhadores e as suas relações com o patronato. O mérito dos técnicos do Ministério, que presidiram as comissões elaboradas dos anteprojetos, foi antes de sistematização de um direito já existente do que pròpriamente da criação de um direito novo.”

Na época de Getúlio a legislação foi “consolidada” de forma ajustada com os interesses da classe industrial, que recebeu em troca a utilização dos aparelhos de Estado para tentar conter e manter sobre controle os sindicatos (o que não se conseguiu, completamente). Esse ajuste, aliás, implicou em ineficácia concreta da legislação, conforme relata Werneck Vianna:

“Na verdade, as duas partes cederam. Os empresários, ao aceitar a legislação social, o governo pela tolerância que mostrou quanto às faltas cometidas por aqueles contra suas disposições. A boa vontade do Ministério do Trabalho em relação ao empresariado paulista foi a ponto de delegar sua atividade fiscal ao Departamento do Trabalho do Estado, órgão subordinado à Secretaria da Agricultura. Por esse mecanismo, as classes dominantes de São Paulo passaram a controlar a implementação das leis trabalhistas, o que diz bem da eficácia da nova fiscalização.”

Os industriais interessavam-se, verdadeiramente, pela parte da legislação que mantinha os sindicatos sob forte controle. Aceitaram a legislação “sob a condição de que os sindicatos não invadam a arena social” e, assim, rejeitaram o instituto da negociação coletiva, que segundo os empresários poderia submetê-los a serem explorados pela “classe operária organizada sindicalmente”. A negociação coletiva, portanto, não teve vida real, mesmo que regulada por Decreto desde 1931.

Essa legislação trabalhista, com toda essa limitação, além disso, perpassou por todos os governos que sucederam a Getúlio, incluindo o período da ditadura civil empresarial militar.

Então, é muita ignorância mesmo, ou má fé, senão os dois, falar da legislação trabalhista como obra exclusiva de Getúlio Vargas.

Em segundo lugar, é um total desprezo à inteligência nacional falar que a legislação trabalhista no Brasil é retrógrada e rígida, preconizando a necessidade de mudanças tendentes à facilitação da contratação, para gerar empregos.

Ora, esse caminho da tal “flexibilização”, eufemismo para redução de direitos, tem sido trilhado pelo Brasil desde 1964, valendo lembrar, no aspecto da facilitação da contratação: dos contratos por prazo determinado (de experiência, por tempo e por obra – art. 443, da CLT); do contrato de safra (Lei n. 5.889/73); do trabalho temporário (Lei n. 6.019/74); do contrato de estágio (Lei n. 6.494/77); do contrato do vigilante (Lei n. 7.102/83); da intermediação de mão-de-obra na atividade-meio (Súmula 331, do TST, de 1993); da cooperativa de trabalho (Lei n. 8.949/94 – revogada pela Lei n. 12.690/12); da contratação sem vínculo de emprego nos serviços de campanhas eleitorais (Lei n. 9.504/97); do contrato provisório – com redução do FGTS para 2% (Lei n. 9.601/1998); da contratação sem vínculo de emprego no trabalho voluntário (Lei n. 9.608/98); do contrato a tempo parcial (Medida Provisória 1.952-18, de 9 de dezembro de 1999); do contrato do primeiro emprego (Lei n. 10.748/03 – revogada em 2008), tudo acoplado ao persistente, segundo posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, “direito potestativo de resilição contratual”, que permite ao empregador cessar imotivadamente os contratos de trabalho, sem falar, ainda, das fórmulas redutoras de direitos: Lei 4.923/65; banco de horas; jornada 12×36; lei de recuperação judicial etc.

Então, como já dizia um Ministro do governo FHC, Eward J. Amadeo, doutor em economia pela Universidade de Harvard, a legislação trabalhista no Brasil já é flexível demais e pelos motivos errados:

“A legislação que regula os processos de demissão sem justa causa e desligamentos voluntários no Brasil induz a uma enorme rotatividade e flexibilidade do mercado de trabalho. Portanto, enganam-se redondamente ou não conhecem os dados os que crêem que o mercado de trabalho no Brasil não é flexível. Ao contrário, é flexível demais e pelas razões erradas. O importante não é eliminar a legislação, pretendendo com isto aumentar a flexibilidade. Mas alterá-la para reduzir a flexibilidade bastarda”.

Em sua visão, “…seria recomendável aumentar o custo de demissão sem justa causa para as empresas e utilizar os recursos assim gerados para financiar o programa de retreinamento e realocação”.

Além disso, se for para copiar o que existe no mundo “desenvolvido”, como esses seres colonizados adoram falar, seria necessário, primeiro, atrair para o Brasil o valor do salário mínimo (por hora trabalhada) praticado nesses países: Austrália (U$9,54); Luxemburgo (U$9,24); Bélgica (U$8,57); Irlanda (U$8,46); França (U$8,24); Países Baixos (U$8,20); Nova Zelândia (U$7,55); Alemanha (U$7,19); Canadá (U$7,18); Reino Unido (U$7,06); Estados Unidos (U$6,26); Japão (U$5,52); Espanha (U$5,37)… sendo que no Brasil esse valor é de U$1,12.

Seria conveniente, além disso, atrair para o Brasil as razões sociais e políticas que possibilitam esse patamar salarial que são a garantia de emprego, a liberdade sindical e a não intervenção do Estado no exercício do direito de greve.

A título de exemplo, a Convenção 158 da OIT, que impede a realização de dispensas arbitrárias pelo empregador, foi ratificada pela Austrália, em 1993, por Luxemburgo, em 2001, pela França, em 1989 e pela Espanha, em 1985, sendo que dos países que a ratificaram o Brasil foi o único que efetuou a denúncia, a qual, até hoje, desde 1997, está sob julgamento no Supremo Tribunal Federal (ADI 1625), sendo certo que o julgamento não vai adiante porque a inconstitucionalidade da renúncia é inquestionável, tanto que cinco Ministros já apresentaram seu voto neste sentido.

Essa parte do empresariado brasileiro, apoiado em integrantes de um governo ilegítimo, quer liberdade para negociar, mas contando com as forças do Estado Policial (agora mais evidenciado com a decretação do Estado de Calamidade no Rio de Janeiro, que, no fundo, é a consagração do Estado de Exceção para reprimir movimentos sociais no sentido de garantir a realização das Olimpíadas e se alastrar para outras situações concretas da vida social) para inibir greves e piquetes. Quer que os trabalhadores aceitem, sem resistência, as condições que esteja disposta a dar, como se fossem dádivas, apontando para os trabalhadores sempre a espada do desemprego.

Mirando no exterior, necessário seria, ainda, atrair o nível de respeito à legislação trabalhista, entendida culturalmente em todos esses países como uma legislação relevante e essencial à preservação do modo de produção capitalista e da dignidade humana. No Brasil, o número recorde de reclamações trabalhistas, 4 milhões ao ano, não se dá por complicadores da legislação e sim pela prática reiterada e deliberada de descumprimento da legislação, que é alimentada e até incentivada pela atitude complacente e amistosa da Justiça do Trabalho frente ao descumpridor da lei e favorecida pelo sucateamento a que foi submetido o Ministério do Trabalho desde a década de 60. Hoje, cerca de 2.300 auditores fiscais são responsáveis pela fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas em todo o país…

O que se tem no Brasil, portanto, é uma realidade de extrema precariedade dos direitos da classe trabalhadora, o que faz, em concreto, com que os trabalhadores cedam diariamente em seus direitos e em sua dignidade, favorecendo ao processo de acumulação de riquezas que se dá no Brasil da forma mais intensa e perversa do que na maioria das regiões do mundo, a tal ponto de mantermos elevados e indecorosos índices de exploração do trabalhador em condições análogas de escravos, de exploração do trabalho infantil, de um elevadíssimo número de acidentes do trabalho (quase sempre não indenizados), de extensas jornadas de trabalho (muitas vezes praticadas inclusive sem remuneração), sobretudo no trabalho terceirizado de limpeza, conservação e vigilância, sem falar, é claro, do trabalho doméstico.

O caminho a percorrer, portanto, é exatamente o inverso, qual seja, o da efetivação e ampliação dos direitos e garantias trabalhistas porque o da redução de direitos já deu mostras suficientes, após 50 anos de experiências, de sua ineficácia.

O concreto é que esse processo histórico de extração de mais-valia sobre a “migalha de mais valia” (para usar expressão atribuída a Roberto Lyra Filho) que o Direito do Trabalho procura resguardar aos trabalhadores é o que se tem realizado de forma recorrente no Brasil.

No entanto, de forma totalmente irresponsável, esses senhores, integrantes do Estado, que deveriam ter o compromisso de fazer valer os direitos sociais que foram consagrados na Constituição, vêm a público falar em nome da classe empresarial para tentar extrair uma exploração ainda maior e pedir mais sacrifício à classe trabalhadora, cometendo a violência de sugerir que o problema econômico do país são os direitos trabalhistas e fazendo crer que, portanto, são os trabalhadores os culpados pelo capitalismo, que os explora, não ter dado certo.

Essas pessoas (rol que conta, inclusive, com o atual Presidente do TST – tendo sido, no entanto, rebatido por 20 dos 27 Ministros do TST e por centenas de juízes, desembargadores, professores e profissionais de todo o Brasil, ligados ao trabalho, no “Manifesto contra o Desmonte da Justiça do Trabalho e dos Direitos Trabalhistas” e no “Manifesto contra a Imposição de Retrocessos aos Direitos Trabalhistas”) ficaram fora do cenário político, jurídico, econômico e social durante quase duas décadas e agora, como mortos-vivos, voltam a difundir o mesmo discurso vazio e ideológico que expressaram na década de 90, como se fosse alguma novidade. É a mesma ladainha: “legislação retrógada”, “leis rígidas”, “necessidade de modernizar”, “readaptação”, “flexibilização”, “competitividade”, “novos paradigmas”…

Mas contrariando o que parece sugerir o título deste texto, de fato é bom que essas pessoas expressem publicamente o que pensam, sendo melhor ainda quando são aplaudidas por executivos, pois essa aliança revela de forma clara o sentimento de desprezo que se tem pela classe trabalhadora e também por quais motivos se age, sem receios ou remorsos, com total desrespeito à legislação trabalhista. Essas revelações são importantes inclusive para que alguns juízes do trabalho percebam ao que servem quando, ainda que por boas intenções, promovem ou legitimam fissuras nos direitos dos trabalhadores, sobretudo pelo acatamento de conciliações judiciais que representam autênticas renúncias a direitos ou pela assimilação da racionalidade econômica integrada às estratégias de gestão impostas pelo CNJ e ao do novo CPC, assim como pela renitência em adotar as condenações por “dumping social”, que são as únicas efetivamente capazes de coibir a reincidente “deliquência patronal” (para usar expressão de Wilson Ramos Filho).

Então, por favor, caros senhores, não se calem. Continuem falando e revelando o seu pleno desprezo pelo projeto constitucional, já que isso constitui um enorme fator de compreensão da urgência de se restabelecer a ordem democrática no país, não exatamente para retornar, de forma estática, ao ponto em que se estava, que não se apresentava como favorável aos trabalhadores, no sentido do respeito aos seus direitos e garantias constitucionalmente assegurados, mas para que se possa, ao menos, continuar avançando!

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