Ad Knotter
Fonte: Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 7, n. 14, p. 13-35, jul./dez. 2015.
Resumo: Em todo o mundo, empresas de mineração defrontaram-se com a escassez de mão de obra e tiveram de encontrar maneiras de recrutar um número suficiente de trabalhadores para as suas minas. As soluções adotadas variaram desde o envolvimento de camponeses em tempo parcial, cooptação de trabalhadores mediada por empreiteiros de mão de obra, sistemas de trabalho forçado, e até migração nacional e internacional sob regulação estatal. A importância desses tipos de “intervenção institucional” na mobilização de mão de obra para as minas de carvão é ilustrada com exemplos de diferentes partes do mundo. Os esforços para encontrar novos trabalhadores para as minas muitas vezes resultaram no recrutamento de grupos étnicos considerados de status social inferior, não só porque de origem rural e não qualificados, mas também porque vistos como inferiores do ponto de vista cultural ou étnico. Nesse aspecto, houve uma enorme diferença com relação à imigração e à fixação de mineiros qualificados, como os da Grã-Bretanha e de outros países. Diferenças étnicas eram associadas frequentemente à diversidade de status e de conhecimento técnico do ofício. Embora existam muitos exemplos de solidariedade e de cooperação interétnica, dependendo do período e das circunstâncias, as diferenças podem ter um efeito profundo sobre as relações sociais em comunidades mineiras.
Sumário: Mineiros camponeses e migração temporária | Migração e empreiteiros de mão de obra | Trabalho forçado | Mineiros britânicos e outros nas colônias de povoamento branco do Império | … E nos Estados Unidos | A diáspora polonesa na Europa e nos Estados Unidos | A migração regulada pelo Estado para o norte da Europa Ocidental | Os migrantes na comunidade mineira | Conclusão
De Spitsbergen (Svalbard, Noruega), no extremo norte, à Ilha Sul (Nova Zelândia), no extremo sul; da Ilha de Vancouver (Canadá), no extremo oeste, até Hokaido (Japão), na extremidade leste – a mineração de carvão foi (de fato ainda é) uma verdadeira indústria global. Desde o século XIX, o desenvolvimento de tecnologias industriais e de transporte tornou necessário o suprimento de energia proveniente do carvão em toda parte do mundo, e para provê-la, a mineração se expandiu globalmente.
A globalização dos séculos XIX e início do XX, e incluso nela o colonialismo, baseou-se em grande parte no desenvolvimento industrial e dos transportes, fundada no carvão como fonte de energia. Instrumento e símbolo do colonialismo, o Canal de Suez, por exemplo, dificilmente seria possível sem embarcações a vapor, e estas não existiriam sem carvão, é evidente. O mesmo vale para as estradas de ferro em todo o mundo, as quais formaram, com os barcos a vapor, a infraestrutura do colonialismo. A exploração do carvão se disseminou com a crescente demanda de energia nos transportes e na indústria. Em qualquer lugar do globo onde havia minério, mesmo nas mais desoladas e remotas áreas, emergiram minas, e seus administradores precisaram encontrar, mobilizar e transportar trabalhadores a fim de tornar possível a extração.
Encontrado em disposição geológica aleatória, frequentemente em pontos isolados, e sempre necessitando de trabalho intensivo para sua extração, o carvão foi dependente do trabalho migrante em quase todos os pontos. No início, mineiros experientes eram recrutados de outras áreas de mineração. Diásporas étnicas de trabalhadores qualificados, resultado de trajetórias de migração, migração de retorno ou circular, podem ser rastreadas em minas de diferentes lugares. Mineiros e engenheiros britânicos foram a mão de obra especializada da revolução energética baseada em carvão durante o século XIX, e foram eles que transferiram conhecimento necessário para a constituição de indústrias carboníferas pelo Império Britânico nos Estados Unidos e em outras partes do mundo.
A migração inicial de grupos de trabalhadores especializados foi suplementada por ondas de migrantes inexperientes de áreas rurais próximas, e em seguida, de locais mais distantes, regiões e países. Era preciso encontrar trabalhadores que pudessem ser motivados ou coagidos a se transferir a centenas de quilômetros de onde haviam nascido, não apenas trocando de endereço, mas também modificando toda sua maneira de viver. A mão de obra migrante cruzou fronteiras e conectou minas de carvão, regiões e países, mobilizando novos grupos de trabalhadores de variadas ascendências nacionais e étnicas. Portanto, a história do trabalho nas minas de carvão não é apenas global, mas frequentemente também transnacional.
Essas características marcantes da mineração já motivaram muitas pesquisas, em especial no campo da história do trabalho. Nestes estudos, o adágio “todo mundo era negro lá embaixo” aparece cada vez mais acompanhado por um ponto de interrogação. Questões referentes à etnia e à cultura se transformaram em grandes temas da história das comunidades de mineração de carvão e do trabalho mineiro. Embora muito tenha sido produzido a partir de abordagens focadas em questões como classe (solidariedade), raça (discriminação) e etnicidade (identidade étnica) em relação às comunidades carboníferas em todo planeta, o leque de tópicos relacionados à migração e à etnicidade na história da mineração de carvão está longe de ser esgotado. Migração e mobilização étnica de trabalhadores para a indústria de mineração estiveram frequentemente relacionadas à transição da agricultura para a indústria, à criação de um mercado de trabalho assalariado, e à formação de um proletariado mineiro etnicamente estratificado. Estes processos não foram fáceis ou simples. Em áreas com um mercado de trabalho subdesenvolvido, o labor mineiro era muitas vezes combinado com a agricultura de subsistência, e só podia ser empregado sazonalmente. Formas específicas de recrutamento, como subcontratação, foram utilizadas para superar a lacuna entre agricultura e indústria. Em alguns casos a força era utilizada para coagir grupos étnicos considerados de status inferior. A história da mineração de carvão testemunhou toda uma gama de artifícios para impelir os trabalhadores para dentro das minas. Em muitos casos, isso era feito por uma combinação de coerção física e econômica, através de contratos, dívidas e outros vínculos. Trabalho forçado e discriminação étnica ou racial estiveram quase sempre intimamente relacionados e mesmo quando os mineiros trabalhavam por salários, o mercado de trabalho nas minas foi estruturado e institucionalizado sistematicamente com base em diferenças salariais e estratificação étnica.
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Ad Knotter é Diretor do Centro de História Social voor Limburg (SHCL), Universidade de Maastricht (Holanda).