Vitor Araújo Filgueiras
Fonte: Revista da ABET, v. 15, n. 2, p. 107-126, jul./dez. 2016.
Resumo: Os direitos sociais têm sofrido reiterados ataques em diversas partes do mundo nas últimas décadas. A alusão a uma necessidade de corte de custos pelo Estado é a justificativa imediata mais propalada para atacar esses direitos em países tão distintos quanto Brasil e Reino Unido. Contudo, é no mercado de trabalho que essa ofensiva produz consequências mais efetivas. Os objetivos deste artigo são: 1) indicar a diferença do papel do mercado de trabalho, enquanto mecanismo de coerção sobre trabalhadores, no Brasil e no Reino Unido; 2) debater a natureza e os corolários da ofensiva contra os direitos sociais nesses países. A principal conclusão do texto é que, a despeito das distintas estruturas dos mercados de trabalho, as atuais disputas que envolvem direitos sociais, em ambos os países, residem essencialmente nas tentativas de suprimir limites à exploração do trabalho. O texto é baseado em pesquisas realizadas no Brasil e no Reino Unido, conjugando dados oficiais de instituições nacionais e internacionais, relatórios e indicadores sobre mercado de trabalho, atuação das instituições públicas, entrevistas e revisão bibliográfica.
Sumário: 1. Introdução | 2. Mercado, coerção e mercantilização do trabalho | 3. Mercado de trabalho no Brasil e no Reino Unido | 4. O argumento da “desídia” para eliminar limites à exploração do trabalho | 5. Luta de classes e eliminação do “direito de viver” | 6. Considerações finais | Referências bibliográficas
1. Introdução
O combate aos direitos sociais é um dos mantras das últimas décadas de hegemonia neoliberal em vastas partes do mundo, incluindo países com distintas trajetórias em termos de regulação do capitalismo e inserção na ordem internacional. Brasil e Reino Unido, por exemplo, apesar de possuírem diferenças substanciais em seus mercados de trabalho, vivem esse processo de maneira semelhante, tanto na forma, quanto no conteúdo dos ataques perpetrados.
Direitos às classes populares associados a renda, como programas de renda mínima e modalidades de seguro contra o desemprego, estão entre as vítimas preferenciais dessa ofensiva. A alusão a uma necessidade de corte de gastos pelo Estado é a justificativa imediata mais propalada para atacar esses direitos. Contudo, o incremento do poder empresarial e do disciplinamento dos trabalhadores, por meio da elevação do papel do mercado como instrumento de coerção do trabalho, é a principal consequência para a qual esse tipo de política de natureza eminentemente classista contribui, a despeito dos trajes de neutralidade que tenta apresentar.
Os objetivos deste texto são: 1) indicar a diferença no papel do mercado de trabalho, enquanto mecanismo de coerção sobre trabalhadores, no Brasil e no Reino Unido; 2) e demonstrar como, a despeito das distintas estruturas dos mercados de trabalho, as atuais disputas que envolvem direitos sociais, em ambos os países, residem essencialmente nas tentativas de suprimir limites à exploração do trabalho.
Para alcançar tais objetivos, este artigo se baseia na análise de uma coletânea de indicadores sobre os mercados de trabalho do Brasil e do Reino Unido, colhidos ou construídos ao longo de pesquisas realizadas nos dois países, baseados em fontes secundárias de instituições públicas nacionais e internacionais, como a Labour Force Survey (LFS), a National Crime Agency (NCA), o Office for National Statistics (OSN), o Department of Business, Innovations and Skills (todos do Reino Unido), o CAGED, a RAIS, o IBGE (Brasil), o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Global Slavery Index, dentre outras. A ela foram agregadas reportagens, relatórios e pesquisas de diferentes fontes, como Gangmasters Licence Authority (GLA) e o Migration Advisory Committee (MAC) (ambos do Reino Unido), e o DIEESE (Brasil).
Além desta introdução, este artigo é composto por outras cinco seções, a saber: 1) um breve debate teórico sobre mercado de trabalho e o conceito de desmercantilização (ou desmercadorização); 2) a seção seguinte compara os papéis do mercado de trabalho no Reino Unido e no Brasil; 3) posteriormente é avaliado o argumento da “desídia” utilizado por empresas e seus representantes; 4) o caráter classista das políticas de ataque aos direitos sociais; e, por fim, 5) são apresentadas algumas considerações finais.
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Vitor Araújo Filgueiras é Pós-doutor em Economia no Instituto de Economia da Unicamp; Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da mesma universidade; Auditor Fiscal do Trabalho no Ministério do Trabalho.