Meio ambiente digital do trabalho: a nova fronteira da psicodinâmica do trabalho e do direito

Paulo Roberto Lemgruber Ebert

Fonte: Revista Eletrônica do Curso de Direito, Santa Maria, v. 17, n. 2, 2022, p. 1-31.

Resumo: O presente artigo tem por escopo a investigação a respeito da integração das estruturas laborais estabelecidas no ciberespaço (p. ex.: sistemas, aplicativos, plataformas, softwares, redes sociais, etc.) no conceito jurídico de meio ambiente do trabalho, através de pesquisa bibliográfica e documental. Para tanto, toma-se como problema a ser enfrentado os efeitos potenciais que a inovação tecnológica vivenciada nas últimas décadas pelos meios telemáticos tendem a acarretar nos elementos condicionantes do trabalho e na integridade psicofísica dos trabalhadores. Para o enfrentamento de tal problema, busca-se delimitar, em um primeiro momento, a abrangência dos conceitos da psicodinâmica do trabalho que compõem o meio ambiente do trabalho e as possibilidades de integração de um segmento digital a tal conceito, para se averiguar, na sequência, em que medida os elementos virtuais ali estabelecidos concorrem para o incremento dos riscos passíveis de afetar a integridade psicofísica dos trabalhadores e sua qualidade de vida. Demonstra-se, ao final, a existência efetiva da faceta digital pertinente ao meio ambiente do trabalho, bem assim a aplicabilidade a tal segmento das diretrizes e dos conceitos jurídicos elencados nos artigos 193, 200, VIII e 225 da Constituição Federal e na Lei nº 6.938/81.

Sumário: Introdução | 1 A estruturação do trabalho e o meio ambiente do trabalho contemporâneos sob os paradigmas da reestruturação produtiva e da gestão gerencialista | 2 Meio ambiente digital do trabalho: quando a organização dos fatores de produção transcende os aspectos materiais | Conclusão

C

Com a mesma velocidade que caracteriza os avanços tecnológicos recentes, principalmente na área da telemática, o labor humano vem sofrendo profundas modificações. Em poucas décadas, o trabalho relativamente estável, organizado sob o paradigma fordistataylorista, concentrado nas linhas de produção e coordenado a partir de uma hierarquia verticalizada situada no âmbito de uma mesma estrutura empresarial passou a se tornar um padrão cada vez mais escasso, ao mesmo tempo em que a prestação esporádica de tarefas desempenhadas por prestadores de serviços espacialmente dispersos passou a ganhar corpo a partir da implementação do modelo toyotista de produção, especialmente nas sociedades tradicionalmente industriais.

Tal processo de desconcentração produtiva, que ocorre já há algum tempo fora das estruturas digitais, vem ganhando nova formatação e novo conteúdo com a popularização dos programas e dos dispositivos telemáticos que permitem aos tomadores de serviços efetuar o controle da produtividade dos prestadores e manter comunicação instantânea com estes últimos, tanto no contexto do teletrabalho, como fora dele.

Também tem colaborado para tal fenômeno o advento das plataformas digitais dedicadas à intermediação do contato entre profissionais liberais interessados em prestar determinados serviços (p. ex.: transporte em veículo próprio, consertos domésticos, lavagem de roupas, faxinas, etc.) e clientes interessados em obtê-los.

Ao mesmo tempo em que a desconcentração produtiva se torna uma tendência para a organização do trabalho, ganha corpo a gestão gerencialista, caracterizada, nas palavras de Vincent de Gaulejac, como “uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenhos, e esses desempenhos em custos ou em benefícios”, de modo a promover a instrumentalização dos indivíduos pelas empresas e, nesse diapasão, a condicionar sua permanência nas estruturas empresariais à constante avaliação em torno da produtividade e da lucratividade.

A junção desses dois vetores (a desconcentração produtiva e a gestão gerencialista) e sua preponderância na organização contemporânea do trabalho humano, vem fazendo com que as estruturas digitais destinadas a operacionalizar, no ciberespaço, as relações de trabalho (p. ex.: programas de controle de jornada, plataformas de serviços, aplicativos de mensagens, emails corporativos, etc.) sejam desenvolvidas com o fim deliberado de viabilizar a comunicação instantânea, em tempo real, entre prestadores e tomadores de serviços, bem como o controle da produtividade e do tempo daqueles primeiros por estes últimos, sem qualquer limitação de ordem geográfica.

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Paulo Roberto Lemgruber Ebert é Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e em Direito e Processo doTrabalho pelo Centro Universitáriode Brasília -CEUB. Pesquisador integrante do Grupo de Pesquisas Trabalho, Constituição e Cidadania, da Faculdade de Direito da UnB. Pesquisador-líder do Grupo de Pesquisas em Meio Ambiente do Trabalho da Faculdade de Direito da USP. Advogado.

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