Como já era previsto, o otimismo de alguns senadores em torno da rapidez da votação da regulamentação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo não resistiu a um primeiro exame. A pressa de parlamentares ligados ao agronegócio saiu derrotada, na primeira tentativa, para a cautela cobrada por aqueles que consideram que existe risco de retrocesso no debate.
A PEC 57A, de 1999, que expropria para fins de reforma agrária áreas nas quais seja registrada ocorrência de escravidão, será promulgada na quinta-feira (0506) após 15 anos de embates com a bancada ruralista. A proposta ficou engavetada na Câmara entre 2004 e 2013, e a aprovação no plenário do Senado, no último dia 27, foi recebida com ceticismo por entidades da sociedade civil, que veem na regulamentação da matéria risco de colocar a perder uma década e meia de esforços.
O pedido de vistas coletivo foi feito durante reunião da Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação Constitucional, que analisa o Projeto de Lei do Senado 432, de 2013. O projeto tem como relator o senador Romero Jucá (PMDB-RR), para quem não há mais o que ser discutido na matéria. Ele entende que o conceito atual de trabalho escravo, definido pelo Código Penal, é amplo e abre espaço para que agentes públicos considerem como escravidão situações que deveriam ser enquadradas como mera infração trabalhista. Na visão dos ruralistas, esta é uma questão que abre margem a abusos que poderão levar a expropriações injustas.
“Precisamos fazer uma lei rígida, mas que não seja focada em injustiças”, afirmou Jucá, durante entrevista sobre o texto, ao explicar que alguns conceitos como “trabalhador sujeito a condições degradantes” são “abertos e subjetivos” e podem levar a situações que venham a punir empregadores sem que, necessariamente, seja configurada uma situação dos seus empregados em condição análoga à de escravidão. Na semana passada, o parlamentar de Roraima havia dito que seria fácil obter acordo em torno do tema, mas entre figuras ligadas a setores progressistas do Congresso havia um pedido de cautela no debate.
“O que é condição degradante? É não ter um ar-condicionado em um dormitório, é a espuma do colchão não ter dez centímetros, é não ter água gelada? Em cada região do Brasil, isso muda. Não dá pra deixar ao bel-prazer de alguém enquadrar como trabalho escravo qualquer coisa porque isso vai prejudicar a produção brasileira, os trabalhadores brasileiros, a economia brasileira”, colocou o relator.
Manobras
Muitos senadores, no entanto, chamaram a atenção para o fato de, com essas preocupações, ser preciso atenção especial a possíveis manobras da bancada ruralista para reduzir os efeitos da PEC. Um dos temores é de que uma mudança na legislação acabe também por colocar a perder o conceito atual de trabalho escravo no Código Penal, tido como um exemplo para o mundo em termos de punição a este crime, e que permite caracterizar a escravidão contemporânea também pelas condições degradantes de trabalho e pelas jornadas extenuantes.
De acordo com Paulo Paim (PT-SP), caso os termos “jornada exaustiva” e “condição degradante” deixem de ser considerados características do trabalho escravo, o teor da PEC pode ser alterado. “Estou preocupado, pois nada disso é subjetivo. Jornadas exaustivas matam, provocam acidentes. Condições degradantes acabam com a dignidade do trabalhador. Nenhum parlamentar deveria minimizar essas situações”, frisou o senador.
A princípio, Jucá manteve a definição já presente no projeto, que considera para a caracterização do trabalho escravo “a submissão a trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da liberdade pessoal”. Além disso, da forma como se encontra o texto atualmente, “são citados a retenção no local de trabalho; a vigilância ostensiva e apropriação de documentos do trabalhador; e a restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou representante”.
Emendas
O projeto de regulamentação da PEC do trabalho escravo recebeu 55 emendas, mas somente 29 foram aceitas por Jucá. Houve duas alterações feitas ao texto que também suscitaram discussões entre os integrantes da comissão. A primeira foi a retirada do item que estabelece como obrigatório o trânsito em julgado da ação penal para a ação de expropriação.
A segunda, que está sendo avaliada pelos senadores, diz respeito à obrigatoriedade de a punição ocorrer diretamente junto ao proprietário do imóvel. A dúvida é como se daria a punição em caso de aluguel da área. O receio é de que a retirada deste item do texto pode estimular o uso de laranjas para evitar a punição de empregadores diretamente envolvidos com o trabalho escravo.
Fonte: Rede Brasil Atual
Texto: Hylda Cavalcanti
Data original da publicação: 03/06/2014