Relatório apresentado pelo IJF e TJN ao Cedaw/ONU na 79° reunião – Nov/2020
Em parceria com a Tax Justice Network (TJN), o IJF elaborou documento para ser submetido ao Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw, por sua sigla em inglês)[1], no 79º Grupo de Trabalho Pré-Sessão (GTPS Virtual), realizado entre 09 e 13 de novembro de 2020.
O documento está baseado em argumentos que identificam as políticas tributárias progressivas e as leis de transparência financeira como as medidas mais sustentáveis e apropriadas pelas quais um Estado Parte da Cedaw pode “assegurar o pleno desenvolvimento e avanço das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais” (CEDAW, Artigo 3).
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e em 2018, foi classificado em 39º (trigésimo nono) no Índice de “Compromisso com a redução da desigualdade” da Oxfam. Em 2020, caiu para 71º (septuagésimo primeiro) nessa classificação.
Este ano, usando dados da OCDE sobre os lucros de empresas multinacionais, a Tax Justice Network estimou que 14,9 bilhões de dólares são perdidos anualmente pelo Brasil para o abuso fiscal. Isso equivale a mais de 20% do orçamento de saúde do Brasil.
Mesmo assim, o Brasil optou por adotar medidas de austeridade severas, como as reformas trabalhista e previdenciária, além de haver estabelecido o Teto de Gastos, aprovado em 2016, que impede o crescimento real dos gastos públicos, impactando os serviços à população e afetando desproporcionalmente as mulheres.
O relatório apresentado ao Cedaw se concentra em 3 áreas principais de impacto e sugere questões-chave para o Estado Parte em relação ao seu regime tributário e às leis de sigilo financeiro.
O sistema tributário brasileiro é cronicamente regressivo. Quase metade de seu volume total baseia-se em impostos indiretos. As mulheres, sendo as mais pobres, contribuem proporcionalmente mais.
As isenções de lucros e dividendos no Imposto de Renda Pessoa Física discriminam as mulheres, uma vez que os homens representam 68% dos que têm esse tipo de renda. Assim, os homens se beneficiam de privilégios fiscais e acumulam ainda mais renda e riqueza.
Todos os países precisam de um regime tributário capaz de sustentar serviços públicos, como a crise da Covid-19 mostrou, para garantir os direitos das mulheres à saúde e à proteção social.
O Brasil, como aponta o relatório, deve redefinir seu sistema tributário. Para tanto, será necessário:
- Realizar avaliações de impacto nos direitos humanos da taxação regressiva e das leis e políticas de sigilo financeiro existentes;
- Reintroduzir a taxação sobre lucros e dividendos no Imposto de Renda;
- Aumentar os impostos sobre a renda e a propriedade;
- Reduzir impostos sobre o consumo;
- Introduzir um Imposto sobre Grandes Fortunas;
- Instituir urgentemente um imposto sobre lucros excedentes de pessoas jurídicas para ajudar na recuperação da Covid-19;
- Estabelecer relatórios públicos completos de multinacionais país por país.
- Fortalecer as leis de transparência financeira e adotar registros públicos completos dos proprietários legais e beneficiários de riqueza.
Além disso, o relatório destaca a insuficiência do orçamento para combater a COVID 19, o que faz com que profissionais de saúde no Brasil (85% dos profissionais de enfermagem são mulheres) tenham sofrido mais mortes do que em qualquer outro país.
O relatório reforça a importância das transferências monetárias que foram implementadas, ainda que os trabalhadores domésticos formais, principalmente mulheres, não foram contemplados e tampouco tenham sido previstas medidas que compensem as responsabilidades adicionais domésticas e de cuidados, que recaem majoritariamente sobre as mulheres.
A situação imposta pela pandemia da Covid-19 exacerbou a violência de gênero, especialmente para mulheres em casa com seus agressores, outro fato apontado no relatório. Porém, de 2014 a 2019, o orçamento comprometido com políticas para mulheres havia sido reduzido em 62%.
Enfim, nosso relatório apontou importantes questões no que diz respeito aos direitos das mulheres, das suas possibilidades de efetivação e de financiamento, especialmente as medidas tributárias progressivas e o combate à elisão e à evasão fiscal, além de evidenciar a necessidade de maior transparência financeira nacional e internacional.
O documento apresentado ao Cedaw[2] pode ser acessado na íntegra, em português, AQUI.
Acesse o documento original, em inglês, AQUI.
Notas
[1] A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) em 1979, após muitos anos de esforços no sentido de promover os direitos das mulheres. A Convenção é o principal instrumento internacional na luta pela igualdade de gênero e para a liberação da discriminação, seja ela perpetrada por Estados, indivíduos, empresas ou organizações. Atualmente, são 186 os Estados Parte da Convenção, entre eles o Brasil. [2] Participaram da elaboração do documento Grazielle David, Luke Holland e Liz Nelson, pela TJN, e Maria Regina Paiva Duarte, pelo IJF. A versão para o português foi elaborada pela pesquisadora do IJF Isabela Prado Callegari.Fonte: IJF
Data original da publicação: 08/12/2020