Melhores condições de emprego e salário não interessam a certos segmentos: um pleno emprego não é absolutamente do gosto dos ‘líderes empresariais’.
Róber Iturriet Avila
Fonte: Carta Maior
Data original da publicação: 18/11/2015
A constante pressão que o governo federal sofreu de setores mais conservadores surtiu efeito. A despeito das forças sociais que elegeram Dilma Rousseff em 2014 discordarem de políticas econômicas ortodoxas, a guinada é explícita em 2015. O novo ministro Joaquim Levy, advindo do setor financeiro, cumpre o seu papel.
A redução dos gastos governamentais, a elevação da taxa de juros e a redução do crédito via instituições públicas, em paralelo à variação cambial, reduziram eficazmente o salário real e aumentaram o desemprego. Também foram capazes de majorar a relação dívida/PIB, seja pela recessão gerada, seja pelo maior montante gasto em juros.
Há aqueles que acreditam em “fadas da credibilidade”. De acordo com esse mito, bastaria o governo se mostrar “responsável” (?), cortando gastos, que os empresários seriam sensibilizados, magicamente, retomando o investimento privado.
A realidade é mais dura do que isso. O gasto do governo faz parte do PIB. O empresário decide com base em suas vendas e não a partir do déficit/superávit dos governos. Com demanda em queda, o investimento privado caminha no mesmo sentido.
Aqueles que não conhecem política com mais profundidade podem imaginar que Dilma Rousseff “mudou de lado”. Porém, a retórica de que havia “excesso de intervencionismo” não descansou desde 2005, ao menos. O forte bloco de oposição formado constituiu um caldo de cultura suficiente para conquistar espaço dentro do próprio governo, a contragosto de seu principal partido, o PT, e da base que elegeu a presidente.
O modelo econômico já vinha mostrando seus limites desde 2012. Entretanto, a taxa de desemprego continuava caindo e os salários reais se mantinham ascendentes. Mesmo a inflação estava no intervalo da meta estabelecida. De todo modo, a crítica dos setores conservadores se avolumava e ganhava corações e mentes.
Em 1942, em “Aspectos políticos do pleno emprego”, um dos maiores economistas do século 20, Michal Kalecki, fez um presságio eterno, que, não por acaso, explica bem o momento atual no Brasil:
“[…] mas se forem feitas tentativas de aplicar esse método a fim de manter o alto nível de emprego alcançado na subsequente prosperidade, é provável que haverá uma forte oposição por parte dos ‘líderes empresariais’. Como já foi assinalado, um pleno emprego duradouro não é absolutamente do gosto deles. Nessa situação é provável a formação de um poderoso bloco de grandes empresários e rentistas, que encontraria mais de um economista para declarar que a situação é claramente enferma. A pressão de todas essas forças, e em particular das grandes empresas, muito provavelmente induziria o Governo a retornar à política ortodoxa de corte do déficit orçamentário. Seguir-se-ia uma recessão, na qual a política governamental de despesa voltaria a seu sentido próprio”.
O roteiro de 2015 foi plantado e cultivado. Melhores condições de emprego e salário não são do interesse de todos. Ao contrário, segmentos da sociedade ganham com o desemprego e queda do salário real. Como previu Kalecki 73 anos atrás, não faltaram economistas para declarar que a situação em 2014, com desemprego em 4,6% e elevação do salário real, era claramente enferma:
“Depois de um longo período de crescimento, o desemprego é 4,6%. Temos pressões horríveis no mercado de trabalho. Os sindicatos, cumprindo a função deles, aproveitam para impor reajustes e ganhos sociais que acabaram pressionando o custo das empresas e criando na indústria uma situação dramática. O que ela vai ter de fazer – e a nova política já está fazendo: flexibilizar o mercado de trabalho. Em outras palavras, gerar algum desemprego. Isso já está ocorrendo no setor automobilístico. Os sindicatos vão perder força e negociar coisas mais razoáveis.” Luiz Carlos Mendonça de Barros, em uma entrevista ao Estadão, otimista como a “ruptura”, em 10 de janeiro de 2015.
Mendonça de Barros não foi o único economista a expressar otimismo e contentamento com a reversão no mercado de trabalho. Samuel Pessoa vai na mesma linha:
“[…] a gente tem que cortar salário real em 10%. A vida é dura, economista é um bicho ruim […] tem que aumentar taxa de poupança […] Na minha conta tem que cortar 10%, já cortamos 3% […] precisamos elevar isso para 10%” Samuel Pessoa, em um debate em maio de 2015, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“[…] em maio, em junho, eu fiquei super feliz, por quê? Porque o salário real tinha caído 5%. Eu fiquei feliz. Economista é um bicho meio ruim…” Samuel Pessoa, em um debate em outubro de 2015.
Não apenas o salário tem que cair e o desemprego aumentar, na visão desses economistas. Há que reduzir gastos sociais e restringir direitos constitucionais.
“Nada é incortável. […] Vai pegar programas sociais? Seguramente”. Gustavo Franco, em uma entrevista à Revista Época, 31 outubro de 2015.
Kalecki é mesmo genial. Seu eterno presságio ajuda a compreender a elevação da taxa de desemprego no Brasil. Quando o desemprego caiu muito e o salário sobe “demais”, há a formação de um poderoso bloco que declara que a situação é muito grave e a única solução é contar gastos e elevar juros. O resultado posterior é elevação do desemprego e redução do salário real.
Os gráficos 1 e 2 explicitam de maneira clara a reviravolta de 2015, que coincide com a mudança da política econômica, simbolicamente marcada pela saída do ministro Guido Mantega e a entrada de Joaquim Levy. Em que pese o aumento sazonal do desemprego no início dos anos, em 2015 a taxa se elevou de forma mais consistente.
Há que ponderar que outros fatores explicam o momento atual, como a queda nos preços das commodities ao final de 2014 e mesmo a conturbada situação política. De toda sorte, é possível afirmar que a crise de 2015 foi, em grande medida, fabricada.